Poderia ter sido diferente — não necessariamente melhor

Num mundo de Efeitos Borboleta, como podemos ter certeza de que corrigir os erros do passado resolveria os problemas do presente?

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
5 min readJul 12, 2020

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Essa semana, eu estava colocando o assunto em dia com um amigo que anda mal nessa quarentena. Assunto vai, assunto vem, compartilhamos um com o outro nossas frustrações. Como não poderia ser diferente, no ano da pandemia, em que os planos de todos foram alterados por um vírus que ninguém esperava, parte do lamento está nos eventos terem se desenrolado como aconteceu. É impossível não pensar, ao menos de vez em quando: e se tivesse sido diferente?

Quando pensamos em algo que alterou tão brutalmente tantas vidas, como o coronavírus, é quase instintivo pensar nos “e se”s. Mas, sejamos honestos, todo mundo tem seus arrependimentos, por menores que sejam, e a pergunta surge ocasionalmente. Por outro lado, quase nada de bom vem dos “e se”s. Pense no tipo de pergunta que se inicia nessa construção: “E se der errado? E se tivesse sido diferente?”. Com efeito, é uma sentença que indica ansiedade e remorso.

E então nos perguntamos como teria sido se X ou Y tivesse sido diferente, como se isso fosse aliviar nossas angústias, e não apenas aumentá-las. Não que isso seja algo totalmente estranho ao ser humano, pois a mente parece às vezes ser masoquista, e volta sempre aos temas que mais trazem sofrimento. Resistência é fútil: os pensamentos vem e vão independentemente de nossa vontade. Resta, então, fazer um contraponto à ideia de que os “se”s teriam sido melhores.

Tive uma professora de história que respondia com convicção que “Não existe ‘e se’ na história” quando lhe faziam alguma pergunta do tipo “E se o Eixo tivesse vencido a Segunda Guerra?”. Por mais que essas sejam perguntas interessantes aos filmes, elas não me parecem ter muito uso prático na vida real. De fato, não existe “e se” nas nossas histórias. As coisas aconteceram do jeito que aconteceram, fim.

Posso argumentar que tudo acontece por um motivo, que a Providência dá a todos o melhor destino, e que algo aconteceu porque “Tinha que ser assim”, ou porque “Deus sabe o que faz”, mas conheço poucas pessoas que verdadeiramente creem nisso. Não digo isso como insulto à fé — eu mesma sou um pouco religiosa —, porém a angústia diante da suposta vontade divina é universal à espécie humana. Basta ver as lágrimas que se derramam num velório: por mais crentes que todos os presentes sejam num deus bondoso e onipotente, por mais rituais que sejam realizados, é inevitável ouvir “Se tivéssemos ido ao hospital antes…”, ou “Se ele não tivesse fumado por tantos anos…”. Por certo, mesmo os mais fiéis já incorreram na dúvida.

Falar do Divino, então, não necessariamente nos trará conforto nos momentos em que pensamos nos vários rumos que a vida poderia ter tomado. Evidentemente, àqueles que creem isso eventualmente trará alguma paz, mas mesmo esses podem ver benefício em, de vez em quando, perceber que o contrafactual não necessariamente seria o paraíso que parece ser para uma mente ansiosa.

Veja bem, vivemos em um universo extremamente aleatório. Havendo ou não um plano maior, todos podemos concordar com os efeitos imprevisíveis de cada pequena ação. É o famoso Efeito Borboleta, fraseado na cultura popular como “o bater de asas de uma borboleta pode gerar um ciclone do outro lado do mundo”. De vez em quando, gosto de pensar nas milhares de aleatoriedades que me trouxeram aonde estou hoje, em como pequeninas atitudes, minúsculos pontos de inflexão poderiam ter alterado brutalmente o rumo que tomou minha vida.

Seria muita arrogância de minha parte tentar argumentar que meus dias seriam melhores se eu não tivesse cometido um erro X ou Y, ou se eu tivesse sido mais sortuda na situação A ou B. Há quem negue que devamos fazer qualquer tipo de julgamento acerca das situações, o que certamente tem seus benefícios em alguns momentos, mas não é a filosofia que sigo para minha vida. Há situações que são terríveis, momentos de sofrimento que eu preferia nunca ter vivido. Por outro lado, daí a afirmar que minha vida seria melhor, não fosse por tais eventos, é um salto gigantesco, e, na melhor das hipóteses, incerto. Talvez eu estivesse melhor se alguma borboleta tivesse deixado de movimentar suas asas num certo dia, talvez eu estivesse pior, e nunca saberei qual dos dois cenários é mais possível.

O fato, no fim das contas, acaba sendo que jamais saberei. Somos, por definição, incapaz de visualizar os universos alternativos. Não fosse pela série extremamente específica de condições no início do cosmos, não fosse por aquele desenrolar da história moderna, não fosse pela vida vivida pelos meus pais antes de minha concepção, não fosse pela minha concepção… Enfim, não fosse por qualquer um dos eventos ocorridos antes do momento presente, tudo poderia ser diferente. Eu e você poderíamos não estar aqui: você lendo meu texto, eu provavelmente cuidando de meus afazeres e pensando se serei lida essa semana.

Nesta vida, nós sofremos, e não vejo muito consolo em afirmar que o sofrimento trará bons frutos. Pode ser que traga, pode ser que não. Pode ser que alguns momentos tristes que vivemos sejam totalmente sem sentido, facilmente dispensáveis pela história humana. Quem somos nós para distinguir uns dos outros? Quem somos nós para ter acesso a qualquer tempo que não o presente? Os passados alternativos são incertos demais para valer nosso tempo, e nada é mais angustiante que pensar que a situação atual poderia ser melhor não fosse por um erro do passado. A verdade é que você não sabe, e é frustrante pensar que mudar sua situação é algo que estava no seu controle naquela oportunidade única… Que você perdeu.

É muito pouco provável que nossa felicidade seja dependente de oportunidades únicas. Sempre há tempo de mudar o caminho que percorremos, e transferir a um “eu” do passado o poder de melhorar nosso presente é um escapismo inocente. Escapismo porque a responsabilidade de levantar após a queda sempre será nossa, e o autocuidado é sempre fruto de decisões que ninguém pode tomar por nós. E inocente porque… Bem, como você pode afirmar que, tivesse seu “eu” pretérito o conhecimento que você tem hoje, a decisão dele teria tido um impacto positivo?

No final, errar faz parte da vida, e as consequências indesejáveis também. Errar nunca é prazeroso, errar nunca é o objetivo. Em compensação, o caos que nos cerca acaba trazendo um consolo: o erro pode acabar nos levando a um lugar de paz, bem como o acerto pode nos levar à miséria. Façamos, então, sempre as escolhas mais sábias que nossa razão permite. Porém, quando vier um momento de sofrimento, recordemo-nos que a razão possui um limite, e que nós, humanos, somos péssimos em fazer previsões. Há uma infinitude de cenários novos sendo criados a cada passo tomamos. O caos nos dá a incerteza, e temos por certo apenas que o passado é inalterável. O futuro, porém, pode ser brilhante, e bem fazemos se tomamos atitudes que nos preparam para fazer bom uso das dádivas que o destino pode trazer.

Obrigada por ler este texto! Me conta: você acredita em destino? E você acha que essa sua (des)crença te traz algum conforto? Independentemente: você já parou para pensar nos Efeitos Borboleta que te trouxeram aonde você está hoje? Se sim, tem alguma história interessante para contar? Deixe aqui nos comentários!

Como sempre, se tiver gostado do que leu, deixe seus aplausos (de 1 a 50), compartilhe, e não se esqueça de me seguir nas redes sociais. Até semana que vem!

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