Sim, o brasileiro lê muita autoajuda. E daí?

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
Published in
6 min readJan 18, 2020

Devo admitir que tive dificuldade em encontrar um bom tema sobre o qual escrever essa semana. Internamente, sinto que ocorreu um descompasso: tudo o que eu queria era publicar algum texto mais simples, mas já o fiz semana passada, quando estava buscando escrever algo introspectivo. Esse conflito, somado ao fato de que estou viajando — o que são péssimas desculpas, mas são as únicas que eu tenho —, fez com que eu atrasasse para publicar o texto da semana. Apesar de tudo, sinto que é importante que eu mantenha um compromisso com meus leitores em oferecer algo que valha a pena. Poucas pessoas têm me acompanhado, mas essas pessoas têm me dirigido palavras absurdamente carinhosas, às quais quero muito ser capaz de corresponder.

Sem mais delongas, resolvi entregar uma reflexão que me ocorreu na semana conturbada. Eu passo mais tempo online do que devia, o que faz com que eu descubra mais discussões do que devia. Nesta semana, dois amigos meus compartilharam simultaneamente a mesma reclamação, com poucas modificações: um divulgou a lista de livros mais vendidos no Brasil em 2019 da PublishNews, e o outro publicou a versão do Estadão dessa mesma lista. Para quem não quiser clicar nos links, deixo abaixo os screenshots da parte que interessa de cada matéria. Como você pode perceber, as duas listas são bem semelhantes, e há um gênero literário que dá indícios de esmagar todos os demais: a autoajuda. A reclamação de meus amigos foi, é claro, que é preocupante que o brasileiro leia tantos livros de autoajuda.

À direita, lista do PublishNews, e, à esquerda, lista do Estadão

Neste blog — assim como na maior parte das minhas relações em geral — , eu me esforço para ter visões moderadas, e meus textos têm sido um pouco inconclusivos até agora. Não é hoje que mudo essa tendência: não quero dar uma resposta definitiva sobre o assunto deste texto, até porque não acredito que exista uma. Fora do blog, sou a usuária que pega a pipoca e o refrigerante todas as vezes que vê duas pessoas se degladiando nos comentários. Como o compartilhamento dessas listas de best-sellers foi feito em perfis pessoais de duas pessoas razoáveis, os comentários não foram um campo de batalha. Pelo contrário, as pessoas foram respeitosas, tanto ao concordar quanto ao discordar da visão de que o brasileiro, não contente em ler pouco, lê mal. Os discordantes afirmaram que o sucesso da autoajuda no nosso país significa que os brasileiros estão tentando ser pessoas melhores. E, para deixar meus viéses claros, tendo a concordar com a segunda opinião, embora eu mesma não seja consumidora assídua desse tipo de livro.

Não cabe aqui analisar cuidadosamente o conteúdo de cada um desses livros (quem sabe um dia), e responder se eles têm ou não ideias aproveitáveis. Tenho amigos queridos que já recomendaram a leitura de alguns deles, do mesmo modo que ouvi dizer que alguns outros estão repletos de platitudes que beiram o charlatanismo.

Se eu li algum desses livros? Não, o que não quer dizer que eu nunca tenha tido contato com as ideias de alguns deles. O Me Poupe!, por exemplo, foi escrito pela Nathalia Arcuri, cujo canal de YouTube eu sigo há cerca de um ano, e me deu algumas noções básicas de finanças. Ela explica de uma maneira muito simples o funcionamento de algumas aplicações de renda fixa, e descreve passo a passo o processo de investir o dinheiro. Será ruim que os brasileiros estejam interessados nesse tipo de conteúdo? Será que não é melhor que a maioria deles esteja colocando seu dinheiro suado na Poupança, que tem rendido menos que a inflação?

E aí vamos falar de livros que não li, o que é território evidentemente arriscado. O livro mais vendido do ano se chama A Sutil Arte de Ligar o Foda-Se. Certo, seria preocupante se os brasileiros resolvessem, um belo dia, ligar o foda-se para absolutamente tudo em suas vidas, porém eu estou certa de que nenhum best-seller defenderia isso. Vejamos cuidadosamente a sinopse do livro:

Chega de tentar buscar um sucesso que só existe na sua cabeça. Chega de se torturar para pensar positivo enquanto sua vida vai ladeira abaixo. Chega de se sentir inferior por não ver o lado bom de estar no fundo do poço. Coaching, autoajuda, desenvolvimento pessoal, mentalização positiva — sem querer desprezar o valor de nada disso, a grande verdade é que às vezes nos sentimos quase sufocados diante da pressão infinita por parecermos otimistas o tempo todo. É um pecado social se deixar abater quando as coisas não vão bem. Ninguém pode fracassar simplesmente, sem aprender nada com isso. Não dá mais. É insuportável. E é aí que entra a revolucionária e sutil arte de ligar o foda-se. Mark Manson usa toda a sua sagacidade de escritor e seu olhar crítico para propor um novo caminho rumo a uma vida melhor, mais coerente com a realidade e consciente dos nossos limites. E ele faz isso da melhor maneira. Como um verdadeiro amigo, Mark se senta ao seu lado e diz, olhando nos seus olhos: você não é tão especial. Ele conta umas piadas aqui, dá uns exemplos inusitados ali, joga umas verdades na sua cara e pronto, você já se sente muito mais alerta e capaz de enfrentar esse mundo cão. Para os céticos e os descrentes, mas também para os amantes do gênero, enfim uma abordagem franca e inteligente que vai ajudar você a descobrir o que é realmente importante na sua vida, e f*da-se o resto. Livre-se agora da felicidade maquiada e superficial e abrace esta arte verdadeiramente transformadora.

Como eu já disse, não li esse livro, então não posso dizer se ele realmente dá bons conselhos, se ele realmente mostra bons caminhos para abraçar esta arte verdadeiramente transformadora. Mas sejamos honestos: é realmente um problema que as pessoas se atraiam por um livro que se propõe a ser franco e te ajudar a descobrir o que é importante na sua vida? É justo dar o adjetivo de escabroso, como vi sendo feito nas redes sociais, ao fato de brasileiros quererem ser mais honestos, em vez de fingirem otimismo em situações desesperadoras?

Ao menos para mim, é claro que não há nenhum problema, em princípio, que os brasileiros se atraiam por conteúdo desse tipo. Nossos compatriotas estão, afinal, tentando colocar suas vidas em ordem. Mas será que, numa análise mais cuidadosa, eles não estão tentando do jeito errado? Será que, ao comprar livros de autoajuda, não estamos financiando charlatães?

Quem me conhece sabe que charlatanismo está entre as coisas que mais odeio nesse mundo. Todas as vezes em que aparece uma nova moda sem embasamento — como o coaching quântico, talvez a maior baboseira que eu já tenha ouvido nos últimos anos — , sou a primeira a criticar. Decerto, entre esses livros que obtiveram o status de best-sellers em 2019, deve ter muita promessa sem sentido. Para exemplificar, o autor Thiago Nigro, do livro Do Mil ao Milhão. Sem Cortar o Cafézinho, foi alvo de piadas quando descobriram sua dívida milionária. Ora, como ele pode escrever um livro sobre criar fortunas e falar no YouTube sobre finanças pessoais se ele mesmo não consegue manter suas finanças em ordem? Não acompanhei a polêmica suficientemente para opinar sobre isso, porém isso já tirou de mim a vontade de acompanhar seu conteúdo. Gosto de ler sobre finanças, mas prefiro procurar autores menos controversos. Decerto, aqueles que seguem ao Primo Rico — nome do canal de Thiago Nigro no YouTube — em busca de enriquecimento milagroso estão sendo enganados. Quem vai às suas caras palestras com esse mesmo objetivo está, igualmente, desperdiçando dinheiro. Qualquer promessa milagrosa deveria ser vista com cuidado. Não deveríamos aplaudir um autor que fala de atingir o status de milionário como se isso fosse banal, mas será mesmo que é preocupante que os brasileiros acreditem nessas promessas? Será que nós, seres humanos, não somos apenas otimistas incuráveis, que deveríamos praticar doses saudáveis de ceticismo?

Em suma, o brasileiro cometeu, em 2019, o grande pecado de tentar colocar sua vida em ordem. Há várias críticas válidas que podem — e devem — ser feitas sobre a popularidade de livros duvidosos de autoajuda, afinal, há muitos autores com conhecimentos amplos que, certamente, podem ser muito mais úteis nesse ordenamento da vida. Mas será que todos os best-sellers de 2019 foram duvidosos? Será que todos são escritos por charlatães? Será que deveríamos ser tão rápidos e simplistas na hora de julgar o que as pessoas ao nosso redor andam lendo?

Obrigada por ler esse texto! Se gostou, por favor, dê seu “aplauso” (de 1 a 50) aqui embaixo, e clique aqui para me encontrar nas redes sociais e não perder os próximos posts. Também adoraria que você falasse aqui nos comentários sobre o que achou. Você lê autoajuda? Leu algum dos livros dessa lista? Quer recomendar algum livro? Ah, e se quiser julgar o que eu ando lendo, pode me procurar no Goodreads :)

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