Só Por Hoje

Nós às vezes nos preocupamos tanto com as metas que nos esquecemos que podemos melhorar nossas vidas hoje mesmo — o que é muito mais fácil.

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
5 min readMay 31, 2020

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Eu tive uma semana difícil. Não foi difícil em questão de tarefas — foi até bem tranquila nesse aspecto —, mas foi uma daquelas semanas em que o estresse me pegou de jeito, e, como sou apenas humana, não gostei disso. Vamos ser honestos: ninguém gosta de estresse. Às vezes aquele cansaço que vem depois de uma época atarefada pode ser bom — pessoalmente, adoro a sensação de missão cumprida —, porém o estresse propriamente dito é uma droga. Como não gosto de me sentir estressada, procurei fazer o que qualquer um procuraria: melhorar a situação. Simples, correto? Encontrar onde está o problema, traçar um plano de ação, e agir.

Eu gostaria que fosse assim tão simples, mas quem já teve qualquer problema psíquico sabe que é mais complicado que isso. Terça-feira eu estava deitada na cama de manhã cedo, e não tinha força para levantar. Colocar os pés no chão era quase fisicamente doloroso, manter a postura bípede e ereta exigia mais dos meus músculos que qualquer ficha de academia, e a motivação que precisei até mesmo para me alimentar foi gigantesca. Demorei a admitir para mim mesma que a frequência desse tipo de episódio era um sintoma depressivo, mas, quando admiti, comecei a me permitir levar mais tempo — o meu tempo — em tarefas simples. Só tinha um problema: nessa manhã de terça, eu não tinha essa opção, eu tinha uma reunião marcada para as 11 horas, e tenho comigo mesma a política de não desmarcar compromissos por conta da minha saúde mental oscilante (o que não é um protocolo cientificamente validado, tampouco algo que aconselho a todos: é o que decidi que funciona para mim).

Conceito para um Escape Room de alta dificuldade: você está deitado na cama e você tem 1 hora para sair da cama

Eu tinha, então, que levantar da cama, mesmo estando deprimida. Enquanto estava deitada, comecei a fazer o que faço de melhor: pensar demais. Pensei na melhor estratégia para resolver a absolutamente todos os meus problemas (“Juro para você, dessa vez vai funcionar”), nos meus planos para o restante do dia, nos motivos que eu tinha para não conseguir me levantar (“Vai lá, Amanda, você sabe que na verdade você só é preguiçosa”)… Uma hora, perdi a paciência, e resolvi procurar uma solução mais radical e arrojada: eu pedi ajuda, desabafei um pouco com um amigo. Acabei recebendo um conselho que poderia soar óbvio ou insensível, mas que acabou servindo como inspiração para este texto: por que não fazer uma coisa de cada vez? Tentar levantar, tomar um banho, sem muita pretensão, só para ver o que acontece?

Foi mais ou menos o que acabei fazendo, e acabou sendo o impulso de que eu precisava para conseguir iniciar o dia. Não foi, é claro, o dia mais produtivo da semana, mas consegui cumprir com todos os prazos que eu tinha, o que é indubitavelmente melhor que se perder numa espiral de pensamentos intrusivos, e, com um pouco de reflexão, me veio a epifania: é disso que estão falando quando dizem que feito é melhor que perfeito. Evidentemente, a depressão é uma doença complexa, que não se resolve apenas com uma cama arrumada (estou olhando para vocês, fãs do Jordan Peterson). Tem dias que ela vence, e que mesmo arrumar a cama será impossível, mas as nossas cobranças internas certamente prejudicam. Nas vezes em que não consegui levantar da cama, não era que o ato de colocar os pés no chão exigisse uma força surreal, era que ele representava um peso gigantesco: se eu colocasse os pés no chão, teria que sair do quarto, escovar os dentes, tomar meu café da manhã, fazer exercícios, responder mensagens de amigos… Mas quem colocou esse peso nas minhas costas? Quem disse que eu preciso ter um dia absolutamente normal? Se eu saio da cama, tomo um banho, e consigo aí a energia para viver meu dia, excelente. Mas se eu saio da cama, tomo um banho, e volto para a cama, é melhor que nada: continuo tendo problemas, mas sujeira deixará de ser um deles.

Por que temos pretensões tão grandes, de resolver todos os nossos problemas de uma só vez? Por que colocamos tanto peso em nossas próprias costas? Por que determinamos que apenas a perfeição é aceitável. E se… E se, só por hoje, eu for uma pessoa melhor? Não é um pensamento tão radical — não é sequer novo. Os Alcoólicos Anônimos, os Narcóticos Anônimos, e até os praticantes de Reiki adotam essa filosofia. Você já parou para pensar no peso que isso significa?

Nós fazemos resoluções de ano novo, promessas de longo prazo, decidimos que seremos pessoas melhores, e não nos contentamos com nada além de perfeição. Evidentemente, tais promessas têm de ser cumpridas na íntegra, ou não valeram de nada. Você decidiu que iria à academia todos os dias, se você falhar uma vez terá logicamente descumprido sua meta, e então que diferença faz? Para quem foi derrotado, não importa qual o tamanho da derrota. Você pode muito bem se entregar totalmente ao sedentarismo.

Mas e se você lidasse com o único recurso que você tem: o agora? Em vez de lidar com futuros — próximos ou distantes — que você nem sabe se poderão ser concretizados (imagina que aparece, sei lá, um vírus respiratório do outro lado do mundo, aquele tipo de coisa que só acontece em filme mesmo), por que não decidir fazer algo bom hoje? Agora? O que está te impedindo de tirar esse peso das suas costas?

Ser perfeito parece impossível — porque é. Quase nunca nossos planos serão integralmente cumpridos sem quaisquer imprevistos, então a perfeição não pode ser a condição necessária para dar o primeiro passo. Se esperamos o momento perfeito para sermos pessoas melhores, nunca conseguiremos fazer progresso, e carregaremos sempre uma culpa por sermos insuficientes. Ao aceitar apenas o perfeito, negamos as qualidades daquilo que é bom, ótimo, ou até mesmo excelente.

Então sim, todos teremos dias de fracasso, porém esses dias têm de ser enxergados como parte do processo, jamais como sinal de que devemos desistir. Pretensões grandes demais nos paralisam. Terça-feira, eu nunca teria conseguido levantar da cama para ter um dia extremamente produtivo, mas consegui levantar da cama para participar de uma reunião. E depois consegui me manter de pé apenas para o almoço. E para responder apenas a um email, passar apenas meia hora com minha irmã, colocar apenas uma roupa simples e confortável… Por que nós não fazemos isso mais vezes? Por que não fazemos o bem quando o excepcional parece impossível? Por que não nos esforçamos para melhorar por hoje? Talvez seja esse o caminho para aceitar a imperfeição sem se conformar com ela: se comprometer, todos os dias, a tomar um pequeno passo — só por hoje!

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