Virando Adultinha
Uma coisa interessante no inglês é a facilidade de transformar substantivos em verbos sem que isso soe bizarro. Desse fenômeno surge a palavra adulting, que provavelmente só é usada por gente que passa mais tempo do que deveria na internet. Como você traduziria adulting? Adultando? Que a Última Flor do Lácio me perdoe, mas não consigo olhar para o verbo adultar e me levar a sério. De qualquer forma, este texto será sobre adultamento. Ou, como chamaremos o processo doravante: sobre virar adultinha.
Por que adultinha e não adulta? Em poucas palavras: porque ninguém em sã consciência conseguiria olhar para mim e me descrever como adulta. Adultinha, em compensação, remonta àquela que era a regra de ouro de um grupo que eu frequentava na internet:
Nada de discussão adultinha.
Em que você pensa quando lê a regra acima? Talvez você consiga extrair certo desprezo por adultos? Talvez um ceticismo quanto ao que consideramos adulto? Sem muitas divagações, desde quando li essa regra, no auge dos meus 15 anos, comecei a adotar o adjetivo adultinho. Proibir discussões adultinhas significava — para um grupo de Facebook criado literal e exclusivamente para compartilhar lixo — que ninguém começaria a refletir demais sobre coisas simples. Então aqui vai a minha grande sacada filosófica (você pode até colocá-la numa camiseta, se quiser): o adultinho, diferentemente do adulto, se esforça para exercer ativamente a maturidade, enquanto o adulto, seja por instinto ou por falta de opção, age de forma madura naturalmente.
Por que estou escrevendo sobre isso? Porque tenho 18 anos, e, aos 18 anos, acho que ninguém é um adulto. Aos 18 anos, ou você é um adolescente, ou você é um adultinho. Ou você, como eu, está no meio do caminho. Já faz tempo que penso em iniciar esse blog, e uma das ideias que recebi — no próprio grupo anti-adultinho, por sinal — foi a de escrever sobre meu processo de a̶d̶u̶l̶t̶i̶n̶g̶ virar adultinha. Por que escrevo sobre isso justamente hoje? Porque amanhã faço 19 anos, o marco simbólico de que estou há exatamente 1 ano tentando sair do estágio “adolescente”.
E como tenho me saído? Essa é uma reflexão interessante. Como sempre, minha resposta: eu não sei. Meus amigos mais velhos costumam dizer que sou muito madura para a minha idade, o que sempre acho bizarro, considerando que eu costumo fazer trocadilhos ruins e recomendar canais questionáveis para que eles assistam em seu tempo livre. Eu tenho certeza que meu senso de humor é absurdamente infantil, e tenho certeza também que o aluno médio da 7ª série regula melhor suas emoções do que eu. E, mesmo assim, tem gente que me acha madura. Aí está, creio, o cerne da vida de adultinha que eu tenho levado: eu finjo muito bem.
- Receber tarefas? Sim, eu recebo — e cumpro no prazo;
- Abrir uma conta bancária? Sim, eu tenho minha conta digital, sou chiquérrima, pago o bandejão no cartão de débito e transfiro dinheiro sem pagar taxas. Por favor, aplaudam: tenho mais responsabilidade fiscal que o estado brasileiro;
- Dirigir? Alguns exames depois (salve, Detran), dá até certo orgulho de enviar no grupo da sala “3 vagas no carro depois de biofísica”;
- Discutir sobre temas relevantes? Mas é claro, vejam como sou inteligente, um dos meus hobbies é falar de ciência;
- Organizar minha vida? Por favor, eu tenho uma planilha de gastos, acordo cedo para ir à academia, e salvo todas as minhas obrigações no Google Calendar.
Posso passar o dia falando do que eu tenho feito de adultinhice ao longo do último ano. Sinceramente, alguns desses hábitos eu já tinha antes, e a maioria deles não considero como um mérito meu. São todos hábitos e capacidades que fui desenvolvendo em benefício próprio. Eu não conseguiria poupar dinheiro para as coisas que quero se não controlasse meus gastos, eu não conseguiria r̶e̶c̶e̶b̶e̶r̶ ̶e̶l̶o̶g̶i̶o̶s̶ ̶n̶o̶ ̶I̶n̶s̶t̶a̶g̶r̶a̶m̶ manter minha saúde se não frequentasse a academia, eu não leria sobre ciência no meu tempo livre se eu não fosse nerd desde a infância. Por outro lado, nada disso vem no automático, e muito disso vem na base do “Fake it ’til you make it” — finja até conseguir de verdade. Se eu fosse uma adulta, não estaria preocupada com a aprovação alheia, mas, como sou uma adultinha, não pulei completamente do ninho. Um dos meus pés ainda está lá dentro, e, toda vez que eu saio por um tempinho, quando volto, preciso perguntar: fiz direito? Acho que, nesse início de transição para a vida adulta, voltei a ser a criança que grita: “Olha, mãe, sem as mãos!”.
- Olha, pessoa que me delegou a tarefa, sem atrasos!
- Olha, aplicativo do banco, sem dívidas!
- Olha, carona, sem deixar o carro morrer!
- Olha, interlocutor, sem platitudes e conversa fiada!
- Olha, amigo, sem bagunça!
A verdade é que, na fase adultinha, em que ainda preciso de esforço consciente para agir com maturidade, misturei o egocentrismo adolescente (olhe para mim! Me elogie!) com a dúvida infantil (como amarro meus cadarços?). Subitamente é tudo muito confuso: não posso mais delegar tarefas e, principalmente, não posso mais delegar responsabilidades.
Veja bem, virar adultinha é um processo, claro que não foi súbito. Mas a experiência de cometer erros e passar aperto na faculdade, por exemplo, foi nova. E mais nova ainda foi a reação da minha mãe: por mais que ela sempre tenha sido muito tranquila, nem um sermão eu levei. Ela perguntou como eu ia resolver a situação, e só. A mensagem é clara: quem tem que dar o sermão sou eu mesma. E as micro-habilidades que ninguém te ensina? Se eu precisar delas, sou eu quem precisa aprendê-las. Ninguém me ensinou como agir se eu estivesse com alguma dor estranha no corpo, ou como lidar com o cara estranho que me seguiu na balada, ou como cancelar a matrícula na faculdade particular quando fui chamada pela UFMG, ou como, sei lá, organizar um evento. Se deviam ter me ensinado? Não, eu me virei sozinha até agora, acho que conseguirei continuar a fazê-lo. De qualquer maneira, é assustador.
Mas aí eu paro e penso no quanto de progresso tenho feito nos últimos tempos. Dizem que é passando aperto que se aprende, e eu sinto que tudo que passei até agora foram micro-apertos. Mesmo assim, quantos micro-apertos eu passei desde quando me tornei legalmente adulta? Quantos micro-apertos permitiram que eu consiga dizer que estou virando adultinha? 2020 já começou trazendo alguns apertos, talvez micro, talvez verdadeiros apertos, e sinto que até agora eu já cresci um tanto que é absurdo quando paro para refletir. Até meus 25 anos, meu cérebro ainda estará se desenvolvendo, o que, por um lado, significa que ainda tenho alguns anos de relativa impulsividade pela frente. Pelo outro, meu potencial ainda é relativamente grande. E, sei lá, quem sabe eu não serei uma boa adulta quando a hora chegar?
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