Desforra

Lucas Magalhães
Prosa na Parede
Published in
1 min readOct 7, 2014

Só notou que estava gargalhando quando o sangue que pulava do pescoço à sua frente entrou em sua boca. Seu gosto era agridoce, ferroso, e mais saboroso que tudo o que já havia provado.

Ele fantasiava com aquele momento há algum tempo. Seus momentos de tédio eram cobertos com pensamentos assassinos, sempre com a mesma pessoa. Não sabia como e quando o mataria, mas tinha plena certeza que sua vida acabaria em suas mãos. Jamais tivera vontade de sequer ferir alguém que não fosse ele.

Ele rompia cada uma de suas veias calmamente, prestando atenção em sua anatomia. Lembrava-se de como aquele sangue tinha sustentado um ser repugnante, que fizera a ele e a todos os que amava sofrerem. Desenhava em círculos com a pegajosa mistura de leucócitos, eritrócitos e plaquetas nas bochechas de sua vítima. O sangue de que uma dia se gabara agora não passava de tinta. Maquiagem.

Olhou em seus olhos fixamente, queria ser sua última visão. Sussurrou todos os seus motivos em seu ouvido decepado, apesar de ter certeza de que ele sabia quais eram todos. Só então, voltou a olhar em seus olhos, que piscaram abruptamente antes de se fecharem para sempre.

Sua missão estava cumprida, sua consciência já não pesava mais. Desatou as cordas dos braços do cadáver, colocou-o em uma posição confortável, e sentou-se à beira da janela, esperando as dezenas de comprimidos que tinha tomado fazerem efeito. Agora podia ir em paz, sabendo que tinha feito do mundo um lugar melhor.

Publicado originalmente em 26 de Novembro de 2011

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