Cotas para toda USP.

O que muda, como fica, e o porquê de tudo isso. E também no nosso departamento.

Bruno Seri
prosajornal
5 min readAug 29, 2017

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Taba Benedicto/ Folhapress

NoNo o dia 4 de julho de 2017 o Conselho Universitário (CO), órgão colegiado de maior poder dentro da universidade, aprovou a instituição de cotas sociais e raciais a partir do vestibular de 2018.

Segundo o texto aprovado pelo CO, o sistema será implementado de forma escalonada: em 2018, 37,5% das vagas serão destinadas a alunos de escolas públicas. Essa proporção sobe para 40% em 2019, 45% em 2020 e por final 50% em 2021. Parte dessas vagas será reservada para pretos, pardos e indígenas (PPI) na mesma proporção em que compõem a população. Como essa proporção está hoje em 37%, em 2018 as cotas raciais seriam 13,7% das vagas, chegando a 18,5% em 2021, caso a composição da população se mantenha.

A decisão não é o primeiro passo da USP em direção à maiores possibilidades de ingresso na universidade. Já era facultativo a cada departamento decidir individualmente pela adesão ao SiSU (Sistema de Seleção Unificada), e assim parte dos cursos destinou vagas para o processo seletivo. Na EESC a recomendação inicial da Comissão de Graduação era de 5 vagas por curso, com o argumento de que “a entrada deveria ser de maneira cautelosa e depois crescente, evitando-se o prejuízo caso sejam colocadas vagas exageradas”. Em passo conservador e com ressalvas a CoC — Engenharia de Produção reservou apenas 5 vagas para ingresso pelo SiSU para estudantes de escolas públicas.

O Prosa traz aqui uma síntese sobre a questão das cotas, baseado no texto da professora Maria Helena Toledo Pereira Machado do departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), lido em reunião do CO. Convidamos a comunidade da engenharia de produção a deixar suas pré-concepções de lado e refletir conosco a situação e razão das cotas raciais e sociais no Brasil

O debate sobre as cotas começa com a adesão da Universidade de Brasília (UnB) ao sistema em 2004, quando reservou 20% das vagas para negros e um vestibular diferenciado para indígenas. De encontro à esta medida, o partido Democratas (DEM) questionou junto ao STF a legalidade da adoção de cotas étnico-raciais, iniciando uma muitas vezes acalorada discussão sobre a adoção do sistema no Brasil.

Uma contribuição destacada que embasou a decisão do STF a respeito da legalidade do sistema de cotas étnico-raciais no ensino superior foi a do historiador Luiz Felipe Alencastro: Os argumentos do historiador ressaltam a violência e a ilegalidade da escravização de africanos e seus descendentes na sociedade. Lembra não apenas de que a formação do Estado e sociedade nacionais foram sustentados amplamente em trabalho escravo, mas também de que o Brasil, embora tivesse assinado tratados banindo o tráfico transatlântico de escravos em 1831, tolerou e ativamente acobertou a entrada de por volta de 1,3 milhões de africanos, e as famílias trazidas e seus descendentes continuaram na condição de escravos até 1888. A escravização brasileira pós-1831 foi baseada em um pacto de silêncio, e mesmo após a emancipação não houveram políticas públicas reparatórias. Alencastro conclui sua argumentação com os dizeres:

“Portanto, não se trata aqui de uma simples lógica indenizatória, destinada a quitar dívidas da história e a garantir direitos usurpados de uma comunidade específica, como foi o caso, em boa medida, nos memoráveis julgamentos desta Corte sobre a demarcação das terras indígenas. No presente julgamento, trata-se, sobretudo, de inscrever a discussão sobre a política afirmativa no aperfeiçoamento da democracia, no vir a ser da nação. Tais são os desafios que as cotas raciais universitárias colocam ao nosso presente e ao nosso futuro”.

Em 2012, com a nova percepção acerca da legalidade das cotas no ensino superior, surge o Decreto Presidencial 7824, que estabeleceu que 50% das vagas de universidades federais devem ser preenchidas por alunos vindos de escolas públicas e famílias de baixa renda, além disso, as vagas reservadas devem refletir o perfil étnico-racial da população do estado.

Reunião do Conselho Universitário (Cecília Bastos/ Jornal da USP)

A USP acompanhou a iniciativa: em 2013, no Plano Institucional da USP, propôs-se a atingir as metas do decreto presidencial no ano de 2018. Além disso, o Plano da Educação de São Paulo de 2016 adota os mesmos índices, propondo inclusive a adoção de políticas afirmativas na educação superior pública. Também vale lembrar que a UNESP já reserva 45% das vagas para alunos do ensino público e 35% para alunos PPI. Na mesma linha, a UNICAMP já atingiu a meta de escolas públicas e recentemente aprovou a adesão às cotas étnico-raciais. Segundo entrevista dos integrantes do Grupo de Trabalho encarregado da questão, o interesse da UNICAMP é o de estimular a diversidade social, racial, e de experiências educacionais.

Como colocado pela professora Maria Helena Machado:
“Não se trata de abrir mão do mérito, mas, sim, de enfrentar o desafio de desenvolver instrumentos capazes de avaliar diferentes aquisições educacionais e vivenciais, as quais enriquecerão o universo estudantil da universidade.”

Muitas vezes nos disseram que a EESC teve como inspiração o MIT, e sempre aspiramos estar ao nível das melhores escolas de engenharia do mundo. Temos de lembrar, então, que as grandes universidades americanas não tem um vestibular padronizado como principal critério, pelo contrário, buscam ativamente a diversidade: é uma de suas estratégias para a aquisição de sua excelência.

A adesão às cotas é um avanço em busca da meta que a própria USP se impôs. Do contrário, estaríamos fadados a ser uma universidade engessada em burocracias ultrapassadas, sem mirar nas demandas de nossa sociedade e os desafios educacionais que se apresentam. A valorização da diversidade de vivências e cultural consolida o perfil democrático da universidade, e nos coloca num caminho mais produtivo do que meramente selecionar alunos por métodos padronizados (os quais nós mesmos como alunos já criticamos). A USP firmou naquela reunião do CO um compromisso de ousar e inovar, e assim manter sua liderança como a universidade mais renomada da América Latina.

Puxa uma cadeira, não se acanha e continua com a gente a prosa nos comentários. Lembrando que somos um espaço aberto, e gostamos de ouvir pontos de vista diferentes

-Prosa

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