De onde vem o brasileiro

Daniel Rosella
prosajornal

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Reflexões sobre “Raízes do Brasil”

Caro leitor, esse texto se baseia em uma prazerosa e demorada leitura de “ Raízes do Brasil” de Sérgio Buarque de Holanda. Espero servir de inspiração para a leitura do livro, pois que trarei algumas contextualizações da obra vindas da minha mente perigosa, e embora clichê, mas real: “ cada ponto de vista é a vista de um ponto”. Escolhi apenas alguns tópicos para abordar, devido à imensa gama de temas que poderíamos discorrer. Vamos começar a caracterizar por linhas grossas o brasileiro. De início imaginemos três figurantes no palco da colonização brasileira: O índio, o português e os vizinhos espanhóis, que apenas enriquecerão as comparações.

O português pode ser visto como o “Viking malandro” do sul da Europa. De longe a característica mais marcante era o seu espírito aventureiro: lançavam-se ao mar muito mais pelo simples espírito desbravador do que espírito de expansão comercial e territorial. Já dizia o poeta:

“Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.”

Algo diferente do que usualmente ouvimos em aulas de história visto que os tratados comercias foram as consequências, mas não a força motriz do expansionismo português.

Ao verem e se depararem com os índios não pensaram em violência para o primeiro contato e sim em um escambo amigo. A plasticidade cultural, vista ao se adaptarem à cultura local, é uma característica importante lusitana, e até mesmo incorporaram práticas culturais indígenas, como fizeram com a queimada, aplicando-a em escala Brasil.

O espanhol é mais racionalista, impessoal, burocrático. Buscavam formar cidades para facilitar a dominação, a qual foi bem mais violenta do que a nossa. Mas se derramaram muito sangue por Lima, Bogotá, Buenos Aires, entre outras, por outro lado tiveram o capricho de fundar a primeira universidade em 1553, vinda junto com a imprensa. Aqui fomos ter faculdades no século XIX e o ensino primário de extrema importância é esquecido até hoje. Reparemos aqui que, por vezes, sobra-nos espírito combativo mas falta-nos o militar, tanto visto nos hispânicos. Nossas exaltações sempre foram epifanias, mas pouco práticas. Lembro-me do “Junho de 2013” em que vi as pessoas saindo eufóricas na rua, vestiam a camiseta da seleção brasileira, umas até com vuvuzela… mas muitas delas não me pareciam ter um propósito conjunto para tirar o país do limbo da corrupção, e sim queriam apenas demonstrar sua insatisfação com a corrupção.

Por fim, os índios eram muitos e diversos, alguns corteses outros canibais, mas em geral todos ritualistas. Fato interessante foi o relacionamento comercial que os portugueses perceberam entre os índios, trocavam mercadorias de locais diferentes, sendo por isso considerados os primeiros bandeirantes dessa terra tropical.

Entre índios e portugueses formamos nossa identidade. Desde cedo se percebe o nome de batismo mais importante que o de família- até vir o “o segundo batismo” aqui na faculdade- e toda forma de convívio é de fundo emotivo, visto que rejeitamos ritualismos e nosso culto é sem rigor, o que corrompeu a nossa religiosidade, como relatos antigos dos homens que saíam para fumar nas missas e só voltavam para a eucaristia. Até hoje desconhecemos o porquê, mas sabemos da existência de uma missa que dura três horas.

Talvez ao darmos um pulo nas casas de família na Espanha, não raro será ver o brasão de família pregado em cima da cristaleira da sala, o qual já está na família há cinco gerações. Acho que por aqui, entre os brasões pregados na parede, os mais famosos devem ser os do Corinthians e do Flamengo. Temos uma tendência de nos libertar das virtudes familiares e cair no mundo sem nos preocuparmos se o fulano tem sobrenome Silva ou Pinto, valorizamos o personalismo. Esse sim fala alto nas relações pessoais. Perguntam o seu signo, as empresas se esforçam nas dinâmicas de processo seletivo, chovem perguntas ao conhecer a família da namorada… tudo para saberem qual a sua personalidade. Extrovertido, sincero, introspectivo, curioso, justo, proativo, tudo isso fala mais alto que engenheiro formado na USP, família Pacheco, cujo pai é secretário municipal de Saúde e frequentou o DeMolay na juventude. Algo bom ao meu ver. Desde o Brasil colonial, percebia-se nas escolhas para cargos públicos a valorização da confiança pessoal em detrimento a capacidade própria. Confiança essa estabelecida, é claro pelo conhecimento e consentimento dos personalismos.

Até na política, nossa formação é de respeitar as leis pautadas no personalismo. Fato curioso foi o relato de ter sido pouco questionado o estabelecimento do poder moderador de D. Pedro I, visto que era marca pessoal sua, sendo que na época o povo se matava em conflitos regionais e partidários. E cômico é ver que ainda hoje sempre pautamos nossas críticas única e exclusivamente em governantes e não em equipes de governo. Até parece que o fulano é de tal partido, porque a algum partido ele tem de pertencer, mas só importa mesmo a pessoa que ele é. Dessa forma senadores e deputados perpetuam-se na política pelos bastidores eleitorais, usando-se de fantoches partidários.

Não obstante, o desejo de intimidade se destaca entre nós, e rapidamente o padrinho vindo de Portugal virou “Dinho” e os pronomes de tratamento tão usados na Europa, nunca conquistaram nossas falas. Até o “vossa mercê” perdeu sua formalidade e virou o nosso curto e íntimo “você”

Entre diminutivos e adaptações gramaticais, fomos mostrando ao mundo nosso rico fundo emotivo e persuasivo na linguagem. Com base na lhaneza no trato, hospitalidade e generosidades, Sérgio Buarque cunha em seu livro o termo “homem cordial”, expressão já existente na época, mas não designada para falar dos brasileiros. Homem cordial foi mencionado para falar daquele que age conforme o coração, e tem em suas ações o predomínio do emotivo sob o racional. A expressão causou polêmica em sua utilização, mas nunca afetou o sociólogo carioca, que sempre foi um homem de mais perguntas do que respostas. Enfim, podemos divagar um pouco na expressão com base em algumas constatações, basta olharmos para nós mesmos.

A tese de Hobbes de que o homem é lobo do homem sempre nos incomodou, na prática temos uma benevolência democrática que procura orientar-se pelo equilíbrio dos egoísmos. Cada senador aprova a proposta dos outros desde que seu curral eleitoral esteja sendo alimentado; Doações são feitas para abrigos e orfanatos, mas não se suporta os mendigos que incomodam pedindo para olhar seu carro no centro da cidade. Bons selvagens soa mais gostoso. Somos um povo mais brando, fomos um dos primeiros a abolir a pena de morte da constituição.

Nossa ética é sim de fundo emotivo, mas seria um grande engano associar o cordialismo exclusivamente a sentimentos de concórdia e morais. Podemos pensar que o “ inimigo do justo é o coração” ou também em D. Pedro II, que foi acusado de manter a divisão de partidos para ser o mediador necessário. No primeiro aspecto, deixamo-nos corromper por amizades e coisas do tipo e no segundo causamos situações para justificar uma intervenção cordial, pautada em interesses. A primeira mais fácil de entender, a segunda nem tanto: Essa seria um abuso sentimental eu diria, aquele tio que paga a janta para todos mas exige que todos o ouçam sem contestar, pois, o sentimento de ter uma janta paga é mais confortável que iniciar uma discussão.

Um pecado foi a generalização, mas o objetivo foi levar alguns pontos para refletirmos sobre alguns comportamentos sociológicos brasileiros, não que devam ser estudados, mas são cordialmente interessantes. Deixo aqui o convite a uma conversa, e uma recomendação de leitura desse clássico brasileiro.

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