Faminto
Eu existo desde quando o primeiro ser vivo surgiu na Terra. Sou mais antigo do que todas as coisas que te cercam.
Passo a eternidade observando, sentado em meu trono cósmico.
O início pareceu-me uma bênção, ver todas estas células, esta evolução!
Mas, com o passar dos milênios, tornei-me faminto e precisava sobreviver. Então, descobri uma maneira de alimentar-me.
Foi algo meio ao acaso. Um dia, com meu estômago roncando, comecei a observar um humano, para distrair-me. Ele estava andando, suas pernas moviam-se, porém era diferente. Era como se sua mente não estivesse em controle do seu corpo, ela estava em outro lugar. Foi aí que senti a primeira vez, o sabor delicioso: a cada instante do humano olhando para o nada e desligando sua mente, eu roubei alguns segundos a mais para minha existência, saboreando sua apatia.
Tornei-me um glutão. É fácil, já que todas essas formas de vida parecem estar ligadas por uma rede de desperdício de tempo.
Confesso, no entanto, que às vezes é solitário. Gostaria de oferecer meu prato para outro como eu poder nutrir-se, vê-lo crescer e dividir a eternidade comigo.
Dói assistir toda essa vida sendo desperdiçada, todos estes seres sempre à espera de um momento determinante em suas existências! Um outro como eu talvez entendesse…
Mas enquanto não sou agraciado com uma companhia, continuo a devorar os restos de tempo que são jogados fora, como aparas, partes descartáveis, tornando-me cada vez maior, com a boca sempre cheia, sorvendo em cada gota que me escorre pelos lábios, a suculência do tempo perdido.
Hoje, meus braços estão estendidos por sobre este planeta azul, absorvendo tudo o que posso, com minhas garras fincadas nas extremidades.
Ás vezes, pergunto-me: será que minha existência e a maneira que encontrei para sobreviver estimulam o desperdício do tempo, ou será que só existo por que o tempo foi descartado primeiro?