Inspiração
Final de noite, sexta-feira. O bar está lotado, Josias nem consegue ouvir seus pensamentos. Pedidos, cervejas, bolinhos, cantoria, batuque, dança, risada, tudo misturado e saturado por aquele ar quente do verão.
Ela é o centro das atenções. No meio da roda, dança e distribui sorrisos, com os pés descalços no chão. Sua saia longa se movimenta com leveza e revela seus tornozelos. As mãos, vezes no quadril, vezes segurando a saia, são adornadas por anéis e os pulsos cobertos com muitos braceletes.
Josias se aproxima do bar, deixa a bandeja sobre a bancada e grita mais um pedido, uma porção de batatas para a mesa 15. Enquanto espera, nota o homem, sentado, sozinho. A cara não é das melhores e os pequenos copos vazios à sua frente só comprovam isto. Ele a observa, com fascínio, com tristeza. Ela o vê, o sorriso diminui, mas a dança continua. Ele anota algo no guardanapo, paga a conta e sai, cabisbaixo e um pouco cambaleante.
Ele deixou o guardanapo. Josias coleta-o, a curiosidade o fisgou.
“O que seria que hipnotiza tanto minha retina ao olhar para ti? A maneira como sacode suavemente a saia, as unhas vermelhas, o sorriso largo, o cabelo balançando livre e caindo sobre seus ombros? Se ao menos soubesse, poderia me livrar desse sentimento, que escraviza minha mente e me faz te querer sempre próxima a mim…”
Josias guarda as palavras no bolso do avental, levanta a bandeja e parte para a mesa 15. Deveria entregar o guardanapo à moça? Seria certo? E se ela não gostar? E se for intromissão? Mas, e se foi de propósito? E se faltou coragem ao homem e este precisou usar Josias como mensageiro? Enfim, cansou-se dos “se” e agiu.
- Moça, — tocou levemente seu ombro esquerdo — aquele homem que estava no bar esqueceu isso aqui. Não sei se é importante, então…
A mão delicada de unhas vermelhas pega o guardanapo com a ponta dos dedos. Os olhos grandes passeiam por sobre o papel amassado. Ela encara Josias.
- Obrigada.
- Bonitas palavras…
- Ele diz que o inspiro, é doido.
O sorriso se foi, em seu lugar está o semblante sério.
O homem volta, debruça-se sobre o balcão.
- Oh, amigo, você viu um guardanapo que estava aqui em cima?
Josias ouve a pergunta feita ao rapaz do caixa. Engole a seco, teme que tenha tomado uma atitude errada.
- Chapa, eu peguei o seu guardanapo… Entreguei pra moça ali.
Ele olhou para ela, ela já tinha o visto chegando. Estavam paralisados os dois, um em cada canto do bar.
- Obrigado, cara.
Dá um tapinha no ombro de Josias e vai embora, pela segunda vez.
Ela sai do transe e volta para a roda.
A noite segue madrugada adentro, o movimento é o normal de toda sexta. Josias segue trabalhando e a vida continua seu rumo.