Sem Histórias
Tarde de sábado. O lugar estava calmo, o sol já estava indo embora. Ele observava as últimas pessoas indo embora, enquanto varria as folhas secas do chão.
Andavam calmamente em direção ao portão uma senhora e seu filho. O homem a escorava, enquanto ela puxava com dificuldade a perna esquerda e apoiava a cabeça em seu ombro. Ele parou e os observou partir. Os dois sempre vinham, pelo menos uma vez ao mês, e deixavam flores. Ele veio arrastando a vassoura pelo chão e parou em frente à lápide. Deu uma varrida de leve, só para tirar as folhas que haviam caído nas últimas horas, pois este túmulo ele gostava de limpar com frequência. Devia ser alguém querido, pensava, afinal, depois de tantos anos os dois ainda vinham todos os meses.
A noite começou a chegar. O homem, com suas calças de joelhos gastos, camisa de mangas puídas e coturnos foi em direção à saída. Trancou o grande portão e passou uma corrente, arrematando com um cadeado. Sentou ao lado de um mausoléu e acendeu seu cigarro, o Sr. Bigodes veio fazer-lhe companhia. Passou a mão esquerda pelas costas do gato e com a mão direita levou o cigarro à boca. Os olhos fixos no céu, a fumaça saindo pelas narinas, mas o pensamento na última reunião de família.
Os filhos, que moram na cidade grande, o convidaram para um almoço. Os netos vieram correndo, desceram as escadas em disparada. Estavam curiosos pelas histórias do avô coveiro.
Suas mentes infantis estavam povoadas de fantasmas, barulhos suspeitos da noite e, quem sabe, alguns zumbis. A alegria tomou ares de decepção após as negativas do avô. Nunca vira um fantasma, tampouco um zumbi e nunca ouvira nada suspeito, como passos ou conversas sussurradas.
O fim do ano se aproximava e com ele o próximo encontro com os netos. Novamente não teria nada a contar. Já podia ver o olhar de decepção das crianças. Se ao menos tivesse ouvido alguma coisa, visto uma sombra sequer, mas nada…
O homem levanta-se, o gato lhe segue. Entra na casa, nos fundos do cemitério, acende a luz e fecha a porta. Não está tão cansado, o dia havia sido parado. Antes do jantar, resolve assistir um pouco de televisão, ver as notícias do dia. Senta-se na poltrona, ao lado uma mesinha com um retrato da falecida esposa. Ela estava em outro cemitério, portanto fora visitá-la poucas vezes. Pega o controle remoto que estava ao lado do retrato e sintoniza no jornal.
Nada de novo. As mesmas pessoas, com os mesmos perfis, cometendo os mesmos crimes. Algumas bizarrices de outros países… Um menino com sete dedos em cada mão!
Coçou a barba, estava com sede. Levanta-se e vai para a pequena cozinha. Abre a geladeira, pega uma cerveja, abre a garrafa e dá uma boa golada. Olha pela janela acima da pia. Nota algo estranho…
Algo se movia. Uma sombra, um animal? Não conseguia ver, era muito escuro! Deixa a garrafa sobra a bancada e arregala os olhos. As flores se movimentam, de leve. Poderia ser o vento… Certo? O vaso cai! Ele dá um passo para trás, mas os olhos continuam atentos ao que se passa! Um som baixinho… Realmente algo está movendo-se ali! Então, some! O homem aproxima-se calmamente da janela… Observa, mas o que estava alí já se foi. Respira aliviado, pega a cerveja novamente e dá outro gole.
A porta da sala range. Ele olha em direção à poltrona, como se esperasse alguém chegando! Uma brisa entra pela sala e chega à cozinha, arrepia-o! Outro rangido, dessa vez das tábuas no chão da sala! O homem fecha os olhos, com força! Vira-se de costas para a sala e reza, reza com vontade nunca vista antes! Sente a presença de algo na cozinha… Um barulho vindo da fruteira sobre a mesa! Meu Deus, que não seja nada, ele pensa! Pede várias vezes que seja somente sua imaginação! Agora está mais próximo, nas suas costas, sobre a mesa! Ele pode sentir!
- Miau.
Abre os olhos, vira-se. Filho da mãe, é o traste daquele gato! Que susto dera! Alívio, uma risada e um gole na cerveja, agora um pouco quente, já que havia estado entre as mãos e participado da prece do homem. Faz um carinho embaixo do queixo do bichinho.
Então sente uma melancolia. Continuava sem uma boa história para contar… Mas, quer saber? Antes sem histórias do que acompanhado por sei lá o quê! Poderia mudar o final, talvez. Poderia dizer que teve coragem, virou-se, mas nada viu! É, isso iria alegrar as crianças, uma história do avô para contar na escola! Que orgulho! O avô encarou um fantasma!
Bem, sabe como são essas histórias, não é? É como aquele ditado: Quem conta um conto, aumenta um ponto.