Som e Euforia

Fernanda Saba
Prosamento
Published in
2 min readJun 8, 2020

--

Sai de casa pela manhã. Enfrenta o trânsito, as buzinas, os xingamentos. Chega atrasado ao trabalho. Enfrenta a ira do chefe, os olhares julgadores dos colegas, a pilha de relatórios sobre a mesa. O dia termina, novamente o trânsito, trazendo consigo seus primos: a frustação e a falta de controle. Chega em casa, enfrenta as contas paradas em frente à sua porta, somente à espera dele. Entra e as joga em cima da mesa, juntamente com todas as outras atrasadas.

Senta no sofá e vê seu reflexo no vidro sujo da mesa de centro. Esconde o rosto com as mãos e pensa em sua vida. Ergue a cabeça e olha para sua cozinha, a reforma que prometeu terminar nem chegou à metade. Olha para sua escrivaninha e vê seus projetos, agora folhas amassadas e manchadas de café. Como chegou neste ponto?

Vai para o quarto, coloca para tocar seu disco favorito no antigo toca discos que guarda como souvenir de uma época passada. Põe seus fones de ouvido e senta-se no chão, com as costas para o armário branco. Fecha os olhos.

É transportado para longe dali à medida que as batidas vão chegando aos seus tímpanos. Sente-se boiar, o corpo leve e relaxado. É levado pelo movimento daquelas notas. Era isso que faltava a sua vida: música. A música era seu templo, sua terapia. Sua marreta para quebrar os muros que enclausuravam sua mente.

Drogas para aumentar a criatividade? Suas drogas eram seus discos, alguns mais eficazes eram guardados para os piores dias, como aquele. Estica o braço e alcança seu caderno de ideias sobre o toca discos. Sua mão tem vida própria, as palavras saem tão facilmente que parecem escorrer da caneta. Pensamentos embaralhados, agitados como seu dono, tudo precisa ser posto no papel antes que suma com o final da última estrofe. E nesse caos suas ideias cresciam.

Passa a noite escrevendo, as folhas em branco acabam. A melhor companhia? Aquelas músicas, as que fazem seu cérebro acelerar e o coração pular.

Que tal tirar o pó da sua playlist?

--

--

Fernanda Saba
Prosamento

Product Designer Senior e contadora de histórias inacabadas desde criancinha. Um dia, irá concluí-las, mas não hoje, só amanhã.