Por que os novos empreendedores sentem falta de dar expediente?

Rodrigo Giaffredo
Protagonismo Humano na Era Digital

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Eu sou um estudioso do trabalho, mais especificamente na linha de como o que somos biologicamente impacta, tanto positiva quanto negativamente, o que somos como profissionais.

Cara, desde o advento do taylorismo, na primeira revolução industrial, é muito latente a influência que essa nova forma de pensamento mais quadradinha, teve não apenas sobre os negócios, mas também sobre a sociedade.

E olha só, não é uma crítica pura à coisa de sistematizar o rolê, porque processos trazem sim eficiência e produtividade em larga escala, isso não dá pra negar, e como eficiência e produtividade são componentes importantes do lucro, a gente tem que tirar o chapéu pro Taylor e sua gangue.

Só que a parada foi tão intensa, que essa sistematização de tudo extrapolou as paredes das empresas, e entrou com força na vida das pessoas… quando a gente lembra que parte do que somos e fazemos está gravada num cérebro mais primitivo, que adora rotina e que vive de hábitos programados — no intuito de economizar calorias importantes pra nossa sobrevivência — a gente percebe que a rotina pode ser ao mesmo tempo, uma coisa legal e uma coisa sinistra, dependendo de quanta importância a gente atribuir a ela.

Fomos construídos pela natureza de um jeito tão incrível, que justamente por causa desse mecanismo de sobrevivência, praticamente tudo que a gente prefere fazer tem a ver com hábitos, com uma vida mais no “automático”, e de novo, isso é uma parada muito dahora com a qual a gente pode conviver sim.

Só que tem um lado cruel nisso aí… um dos ônus que a gente recebeu no pacote taylorista foi a coisa do expediente.

As 8 horas de trabalho pegaram tão forte na nossa vida que a gente resolveu extrapolar, e designar funções super específicas pras outras 16 horas restantes também… quem nunca ouviu — ou até falou — o lance de trabalhar 8, dormir 8, e nas outras 8 fazer o que der?

Eu acho cruel, de verdade, principalmente porque o tempo é o nosso ativo mais precioso enquanto indivíduos, e o que a gente decide fazer com ele realmente tem um poder de trazer bem-estar e felicidade surreal… daí ao invés de poder decidir como e em que investir nosso tempo, a gente é colocado num modelo de sociedade muito mais focado em negócios do que em pessoas, e que praticamente obriga a gente a abrir mão de decidir os que fazer com as 24 horas que, no fundo, são nossas.

Quando a gente acrescenta nessa conta o fato de que nas grandes cidades, geral demora em média 1 hora pra chegar no lugar onde vai passar as próximas 8, depois mais 1 hora pra voltar de lá, e daí é óbvio que a gente está só o bagaço e não quer fazer mais nada além de tomar um banho e ir dormir, porque no outro dia começa tudo de novo, cara fala a verdade, é quase auto-flagelação!

E ó, nem vem me chamar de Poliana porque eu passei 26 anos no rolê, eu sei como é que é… na época eu aceitei esse contrato, e vivi exatamente esse modelo de vida que eu descrevi nas linhas acima, só que o fato de eu estar ali por uma decisão minha, não necessariamente fazia de mim alguém alienado a essa fita toda, nem muito menos conformado com ela… percebe a diferença?

Ah, outra coisa que eu lembrei aqui, e que vi acontecer demais, é o lance de tipo 4 da tarde a galera já ter terminado as obrigações do dia, de boas mesmo, com qualidade e tals, só que ficava lá enrolando na firma, fazendo nada literalmente, só porque tem o tal do expediente… fala a verdade, tá enganando quem no fim das contas? Ao invés de ir pra casa mais cedo, com a consciência tranquila, e aproveitar pra fazer paradas de que gosta.

Esse rolê aí é tenso, de verdade, mas teve um outro que me espantou muito mais.

Comecei a empreender em agosto de 2018, e corri em paralelo com um emprego formal até julho de 2019, daí chegou a hora da decisão e cá estou eu, com tudo, focado no meu negócio próprio… e obviamente eu procuro interagir com gente que tá nessa pegada também porque essa troca ajuda demais no desenvolvimento do meu perfil empresarial, afinal de contas quem já ralou antes de mim tem muito o que me ensinar.

Daí me aproximei também de empreendedores iniciantes, tipo eu, que vira e mexe se queixam sabe do que? De não ter mais expediente!

São variações do tema “cara, às vezes eu acordo de manhã e não sei o que fazer, nas épocas sossegadas eu fico perdido, quase bate um desespero”.

Mano, como assim?

Que jeito estranho de olhar pra liberdade é esse? — pensei eu com meus botões.

Daí fui pesquisar e cheguei numa hipótese que quero dividir aqui contigo.

A sistematização da vida levou as pessoas ao extremo de não saberem mais como vive-la, a não ser que haja um script detalhado impondo, minuto a minuto, o que a gente deveria fazer. Daí essa memória construída durante anos, décadas até, ficou tão impregnada na cabeça da galera, que quando finalmente a gente tem tempo pra fazer o que quiser, a gente não quer fazer nada com esse tempo.

A gente desaprendeu a querer.

A gente desaprendeu a ficar parado, de boas, em silêncio, curtindo.

A gente desaprendeu o que é ser humano, mas aprendeu direitinho o que é ser uma máquina.

Isso me assusta sabia? Porque com o avanço da tecnologia aplicada ao trabalho, essa coisa mais ocupacional, que serve só pra fechar lacuna de tempo do dia de gente ocupada, vai ser facilmente substituível, daí uma multidão vai se deparar com o fato de que vai ter sim que se reinventar profissionalmente, mas além disso também vai ter que aprender — muitas vezes do zero — o que é ser humano de verdade, e o que tem valor de verdade nessa vida.

Tirei essa foto usada na capa do artigo no exato momento em que tive a inspiração de escrever sobre esse tema.

Tava na rua, na região do metrô Paraíso em São Paulo, friaca da moléstia, ouvindo música Cold Wave nos meus fones de ouvido, só curtindo e apreciando a movimentação das pessoas, e sendo grato por poder ter escolhido usar meu tempo exatamente daquela forma, exatamente naquele lugar… era tipo dez pra meio-dia sabe.

Daí cheguei a conclusão de que maior ainda que o privilégio de poder tocar uma empresa baseado na visão de mundo e de negócios que eu resolvi ter, era o privilégio de poder escolher o que fazer com o meu tempo e, finalmente, desgravar do meu mecanismo de rotina a obrigação de ter que fazer as coisas em horários designados em outros tempos, em outra realidade, que talvez já não seja mais a melhor pra os nossos tempos, pra nossa realidade.

Cheguei a conclusão de que no final das contas, o valor está naquilo que eu faço, e não no tempo que eu passo fazendo o que faço.

Quer um conselho? Vai com calma, curte seu tempo, e fica firme porque no final, tudo se ajeita.

Pra quem gosta de música e ficou curioso, no momento do clique eu tava ouvindo “Take Your Time”, do DIIV.

Rodrigo Giaffredo
Co-fundador da Super-Humanos Consultoria, a empresa criada pra fazer do Brasil a maior escola de agentes da transformação digital do mundo! Conhece alguém que se interessaria por algo assim? Indique a gente!

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Rodrigo Giaffredo
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