IBAMA e FUNAI reconhecem falhas no PBAI de usinas

Coletivo Proteja
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6 min readMay 21, 2019

Em reunião durante o Acampamento Terra Livre indígenas Munduruku da região do rio Teles Pires tiveram suas reivindicações reconhecidas

Foto: Mídia Índia

Realizado de 24 a 26 de abril de 2019, em Brasília, o Acampamento Terra Livre reuniu cerca de 4 mil lideranças indígenas de 305 povos em uma programação de manifestações reivindicando direitos e impedindo retrocessos institucionais. O acampamento, que é realizado há quinze anos, tem como principal objetivo fazer valer direitos constitucionais dos povos originários constantemente atacados por diversos setores da sociedade. Os Munduruku do baixo Teles Pires uniram-se nessa mobilização com parentes de todo o Brasil para reivindicar direitos.

As lideranças participaram de diversas atividades, audiências públicas e assembleias do evento, além de participar de uma reunião com o Procurador Regional da República, Felício Pontes, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6ª CCR do MPF), participaram da reunião também representantes do IBAMA e da FUNAI.

Não é a primeira vez que lideranças da região solicitam ao MPF a mediação com os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental das usinas Teles Pires e São Manoel para atender questões relativas ao Projeto Básico Ambientai Indígena (PBAI)de cada empreendimento. Na ocasião do ATL do ano passado, pautas próximas também foram levadas:

Participação em 2018

Fotos: Juliana Pesqueira | Proteja Amazônia

Inspeção na região

Durante a reunião foi apresentada uma carta de reivindicações referentes à situação das etnias no rio Teles Pires, impactadas pela implementação de duas usinas hidrelétricas: São Manoel e Teles Pires. Segundo as reivindicações, o PBAI executado pelas empresas não tem sido implementado de maneira adequada.

O líder indígena Bijeybu explicitou algumas das insatisfações durante a reunião: “A empresa pode dizer ‘O PBAI já está cumprido, você já recebeu, e estamos finalizando’, mas não concordamos com isso. Não existe fiscalização do Plano Básico Ambiental. Todos os projetos não tem participação dos povos. Quando chega já está fora de padrão as obras, não está de acordo com o que a comunidade gostaria. Então o que a gente quer do MPF? Precisamos rever PBAI, precisamos rediscutir o PBAI do Teles Pires, PBAI da São Manoel, precisamos sentar com o MPF e as empresas para investigar esse valor e a execução”.

Uma das reivindicações das lideranças Munduruku junto ao procurador Felício Pontes da 6ª CCR do MPF, foi a solicitação de uma audiência, inspeção e perícia, nas comunidades indígenas do rio Teles Pires, para comprovar os impactos causados pelas usinas São Manoel e Teles Pires sobre seus meios de vida e direitos, conforme repetidas denúncias ao longo dos últimos anos.

Segundo Pontes, o MPF vai construir estratégias conjuntas com as populações que vivem na região do Teles Pires para garantir os direitos dessas comunidades, que estão sendo violados nesse momento. “O MPF não pode se furtar a estar próximo dos povos indígenas, sobretudo numa situação dramática como essa. Eles perderam praticamente aquilo que tem de mais importante pra eles que é o rio Teles Pires ali naquela região”, ressaltou.

De acordo com a comunidade, os estudos feitos pelos empreendimentos da Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP) e da Empresa de Energia São Manoel (EESM) não são confiáveis e os PBAIs, que existem para promover mitigações e compensações de impactos causados pelos empreendimentos, foram construídos sem o diálogo com as comunidades. “Nós sempre fazemos reuniões lá na região, mas o que sentimos falta é de ter presente os órgãos como a FUNAI, o IBAMA e o Ministério Público. Principalmente o Ministério Público porque entendemos que é um órgão que poderia atuar como se fossem nossos advogados, na luta contra esses empreendimentos que impactam nosso território”, defendeu Kirixi Repom, indígena residente na região.

Fotos: Juliana Pesqueira | Proteja Amazônia

Presente na reunião, Juliana Araújo da Funai, reconhece os problemas na implementação do PBAI das usinas da região: “Na época da emissão [da Licença de Operação das usinas] realmente houve uma tensão muito grande e realmente o tempo que o empreendedor queria fazer a obra não era um tempo que a gente considerava adequado para ouvir os indígenas a contento. Então, o PBA de fato começa meio descompassado, porque ele acaba sendo uma proposta que foi feita em escritório e que depois foi colocada em prática com os indígenas sem a participação que a gente considera devida. Então a gente reconhece que o processo já começa assim com esse descompasso e a gente tá vendo os conflitos se somando um atrás do outro”.

A fala da representante da Funai relembra que um dos principais direitos dos povos indígenas, calcado na Convenção 169 da OIT, é o que mais está sendo violado na construção das usinas no rio Teles Pires: o direito à consulta livre, prévia e informada.

Além dos processos de mitigação referentes ao PBAI, a representante da FUNAI cita também a dificuldade da admissão dos impactos sociais pelos empreendimentos. “Isso tem muito a ver com a dificuldade do próprio empreendedor reconhecer o impacto causado aos povos indígenas. Muitas vezes o impacto social, as rupturas que acontecem no cotidiano dos indígenas, toda a mudança que isso traz, talvez não seja tão visível para quem não mora ali. A gente sabe que pra vocês essa rotina, o dia a dia, mudou bastante e a Funai tenta fazer essa tradução, mostrando que de fato a gente tem um impacto que é significativo, e que precisa ser levado em consideração”.

Tanto os impactos ambientais, quanto os impactos sociais foram apontados em dossiê construído pelo Fórum Teles Pires em conjunto com as populações impactadas. O documento foi publicado em 2017 e pode ser acessado em:

Dossiê Teles Pires

O MPF já ingressou na Justiça Federal com mais de 18 Ações Civis Públicas (ACPs) sobre as irregularidades nos processos de planejamento e licenciamento ambiental das usinas Teles Pires e São Manoel. A grande maioria das ACPs tiveram decisões favoráveis na justiça, em caráter liminar e de mérito das ações, no entanto, essas decisões têm sido inviabilizadas pela utilização da Suspensão de Segurança, instrumento autoritário com origens na ditadura militar, que permite a presidentes de tribunais em instância superior, a pedido do governo, suspender sentenças judiciais, invocando uma suposta ameaça à ‘ordem social e econômica’ nacional.

Jonatas Trindade, representante do IBAMA na reunião, disse que o órgão está aberto para rediscutir a questão do PBAI das usinas da região: “É importante que a Funai esteja presente também [na reunião para discutir o tema], porque eles que conhecem e acompanham o PBA indígena. Então é importante ter esse alinhamento, identificar quais os problemas, e como tem sido dado tratamento pra ver se está atendendo ou não e adequar o PBA no que for necessário. Tem que ter essa adequação de acordo com o impacto que foi identificado”, pontuou o diretor.

A preocupação atual dos indígenas é quanto à condução da política indigenista como um todo. Essa discussão foi um tema central do 15° Acampamento Terra Livre como um todo, estando presente também no documento final do evento.

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