Bossa Nova Elvis: As 2x em que o rei quase se abrasileirou

Luiz Carlos González
Provérsius
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4 min readJun 26, 2022
Elvis Presley, Sergio Mendes e Paul Anka

Assim como ninguém se atreveu a atravessar o campo minado da música pop dos anos 90 e 00 sem antes bater continência ao R&B, também não teve nos anos 60 um músico que não tivesse que acenar para a música latina e, principalmente, a bossa nova.

O gênero brasileiro era uma tendência tão forte que fez o baiano João Gilberto levar o Grammy no lugar dos quatro rapazes de Liverpool. Em 1965, “Getz/Gilberto”, disco em parceria com o saxofonista Stan Getz, levou o prêmio de álbum do ano, e de canção do ano com “The Girl From Ipanema”.

Fato que fez não só os Beatles grandes perdedores, mas também Louis Armstrong, Barbra Streisand e Henry Mancini. Todos artistas que viriam de alguma forma se juntar à legião daqueles que sentiram uma necessidade cultural, ou comercial, de acenar à latinidade bossanovista.

Em todos os andares da indústria musical era possível ouvir toques de violão que lembravam os de João Gilberto, cantos com a textura vocal de Astrud Gilberto, e tambores que remetiam à salsa, bolero ou ao samba que deu origem à bossa nova.

E assim como a Ivete Sangalo de 2001 deu uma pausa no Axé para quase se americanizar nas águas do R&B de Brian McKnight, o Elvis da década de 60 teve duas chances, até onde se sabe, de “quase” abrasileirar-se.

Bossa Nova, Baby

Na primeira ele quase sambou na cara da bossa nova com “Bossa Nova, Baby”. Canção dos lendários compositores Jerry Leiber e Mike Stoller. Autores de “Hound Dog”, clássico que já havia sido “corrompido”, ou consagrado, pelos quadris de Presley.

Apesar de levar ‘bossa nova’ no nome, a canção em si em nada lembra o gênero pelo qual Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Johnny Alf e cia sempre serão lembrados. Parece mais uma paródia de quem não faz a menor ideia do que está falando e nem se importa com isso.

Acontece que a nossa bossa estava tão na moda, conforme apontado anteriormente, que usar a expressão no título foi mais um golpe publicitário do que um compromisso com a musicalidade do estilo. Os autores buscavam o mesmo efeito que hoje se busca quando se usa palavras em alta no Google como palavras-chave em conteúdos para a internet.

Por exemplo, usar o nome “Elvis” em um texto no período de divulgação e lançamento do longa de Baz Luhrmann, que conta a intensa vida do ídolo da perspectiva de sua relação polêmica com seu empresário, o Coronel Tom Parker.

Almost in Love

Na segunda vez, o rei ‘quase’ fez as pazes com a música brasileira interpretando uma autêntica bossa nova saída diretamente dos dedilhados de um violonista tupiniquim: Almost In Love (que quase significa ‘quase apaixonado’).

Composta pelo bossanovista Luiz Bonfá, foi gravada pela primeira vez de maneira instrumental pelo próprio em seu disco The Brazilian Scene, de 1965, sob o nome de Moonlight in Rio (‘luar no rio’).

A canção acabou entrando em cena porque Presley precisava de uma música para a letra de R. Starr (ao que tudo indica, não se trata do Ringo dos Beatles), escrita para a trilha sonora de seu filme “Viva Um Pouquinho, Ame Um Pouquinho” (Live a Little, Love a Little, da MGM), de 1968.

O longa foi mais um da série de filmes que o rei gravou durante a década de 60. Período de sua carreira conhecido como “fase Hollywood”, onde Elvis trocou os palcos e plateias pelos estúdios e bilheterias, e álbuns de carreira pelos álbuns de trilha sonora.

Segundo o que o próprio Bonfá informou em entrevista à Folha de São Paulo, de 1997, o encontro aconteceu por meio de Ava Gardner, também contratada da mesma MGM, onde o compositor brasileiro trabalhava como um dos principais músicos e arranjadores de estúdio.

A canção foi lançada como lado B do single “A Little Less Conversation” (que quase significa ‘menos papo’), e em 1970 virou a canção título de uma coletânea de singles do cantor.

Com o típico toque de bolero ao estilo samba-canção da “pré-bossa”, principalmente no arranjo, a melodia cai como uma brisa fresca numa noite quente de Janeiro.

Por mais que a fase Hollywood seja a mais criticada pelos fãs daquele que foi coroado como o rei do rock, musicalmente pode ter sido sim um caminho duvidoso que Presley decidiu tomar. No entanto, ao escutar trilha por trilha, é possível encontrar algumas pérolas musicais que mostram outras nuances da musicalidade do artista.

Nuances essas que talvez nunca teriam sido exploradas se ele tivesse aceitado os limites que a placa “rock’n roll” impõe aos seus obreiros e devotos.

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Luiz Carlos González
Provérsius

escritor de rua confinado; forasteiro criando raiz; forçado a deixar a estrada, mas não de viajar, não descarta a possibilidade de embarcar no próximo meteoro°´