Fake News e Psicologia — Toda mentirinha tem um fundo de verdade

Leonardo Torres
Psiarque
Published in
3 min readJan 15, 2020

Hoje, o tema fake news está em alta. Ele é recorrente tanto nos maiores veículos de comunicação do Brasil e do mundo como na área de pesquisa científica de comunicação social. Mas, fora desta área, falta ainda um olhar provindo de uma antropologia/psicologia da comunicação. Um olhar mais na ‘big picture’ das fake news.

Este olhar levanta questões não menos importantes do que as sociais já em discussão. Ou seja, apesar de possuírem um evidente conteúdo falso, não haveria nelas verdades por detrás dos panos? Tanto em seu conteúdo quanto no ato de compartilhar entre os indivíduos? É interessante também olhar para o comportamento humano, não o subjetivo, o massivo, aquele que mexe com as placas tectônicas da realidade.

Uma das verdades da fake news é que ela é tomada como a “inimiga” pelos grandes veículos de comunicação. Isso, na dinâmica do herói versus inimigo, coloca estes grandes veículos na posição de herói. Talvez o fenômeno das fake news faça uma (pequena) parte da sociedade duvidar das notícias, seja as das redes, seja dos veículos grandes. Duvidar faz bem. Convido ao leitor a duvidar deste texto aqui escrito. Porém, em outros casos, duvidar incomoda os veículos que propagam as “verdades últimas”, em “tempo real”.

Além disso, parece que houve um casamento bem-sucedido dos veículos produtores de fake news de cunho ideológico e uma parte da sociedade que possui ideias extremistas. Apesar dos robôs, a notícia falsa somente ganha coro e importância se parte da sociedade está propensa a absorver a informação. Portanto, a outra verdade da fake news é que ela evidencia o que está escondido no porão da alma humana e que muitas vezes negamos: o extremista em nós.

Se ela revela e faz emergir o extremismo nesta parte da sociedade em questão, ela também demonstra que nós nunca fomos comprometidos com a verdade. Nós, homo sapiens sapiens, queremos o que nos convém e o que nos agrada. Isso faz com que categorizemos os heróis e os inimigos nacionais, gerando uma sociedade cindida, polarizada, falsamente civilizada e esquizofrênica.

Especificamente, quem toma as rédeas do fenômeno fake news é o jornalismo, área que diz ser comprometida com a verdade e a legitimidade dos fatos. O jornalismo tem se mobilizado para entender como as fake news são produzidas e disseminadas, bem como preveni-las. Veículos grandes já produziram documentários esclarecendo como é o modus operandi das fake news (como se ela fosse isenta de produzir qualquer notícia falsa). E não só a mídia de massas, mas também as redes sociais já se pronunciaram a respeito do tema. Ambos os meios já discorreram como as fake news podem mudar o rumo de eleições e são instrumentos-chave de alguns partidos para deturpar dados e modelar realidades (as placas tectônicas).

Stalin, em 1939 (antes dos softwares de edição de imagem), já manipulava fotografias jornalísticas. A novidade é que agora uma parte da sociedade tem o poder de compartilhá-la, utilizando a internet, por e-mails, pelas redes sociais digitais, etc. Além disso, com os softwares de edição e robôs disseminadores de conteúdo, as fake news ganham uma falsa legitimidade, porém, altamente críveis, para a parte da sociedade que possui a tal “gula da informação”.

Se lançarmos um olhar social, jornalístico (dos poucos comprometidos) e jurídico para a questão, vemos grandes avanços na crítica e na luta contra a disseminação das fake news. Vemos também muitos veículos hipócritas defendendo a verdade e a neutralidade jornalística, sendo que não a exercem. Que os críticos bem-intencionados ganhem essa luta contra a hipocrisia.

Com certeza as verdades da fake news não acabam nesta rápida reflexão. Fica aqui um convite para quem gostaria de pensar sobre a questão. Ainda é necessário “complexificar” o tema.

Originally published at https://www.psicologiaarquetipica.com.br on January 15, 2020.

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