Empatismo, Empatose, Empatite

Lucas Liedke
/psicanaliedke
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3 min readJul 20, 2017
valerio loi

Mais um textão sobre Empatia? Peraí, vc só pode estar de brincadeira.

Nas últimas semanas, li cinco artigos de excelentes publicitários. Todos argumentaram sobre a Empatia como grande tendência, oportunidade, responsabilidade do futuro do marketing. Branding. Ativismo. Propósito corporativo. Valor compartilhado… Aquele salve-se-quem-puder.

Justo. Tá todo mundo tentando evoluir a desgraça Terra 2017.

O que me chama a atenção é como a Empatia se tornou uma espécie de novo mito da atualidade. Não sou contra esse ideal (tão civilizatório e necessário), mas acredito que seja apenas um ideal. Humanitário? Sim. Mas um ideal também é inatingível e perigoso se for tido como realidade.

“Eu sei o que você sente” é uma forma de calar o sujeito que sente. Intencional ou não.

Posso imaginar, escutar, me abrir, investir no apoio, na solidariedade, fazer o corre, tentar mudar o mundo. Mas também me engano direitinho achando que no fim do dia consigo me colocar no lugar do Outro. Não vivemos como o Outro vive, não importa quanto VR a gente use.

Minha impressão é de que no mundo desencantado do marketing, por muito tempo, as marcas usaram o microfone para falar basicamente de si. Por pressão ou esperteza, viraram o espelho e começaram a falar em nome do Outro — daquele que casualmente necessita de mais luz no palco, que carece de voz e representatividade.

Mas acolhimento e empoderamento (termo uó da década) também reforçam o senso de superioridade de quem acolhe e empodera. Querendo ou não, é a confirmação de quem tem e quem não tem. É a igreja que recebe de portas abertas e cobra com fé e devoção, sem falar do dízimo.

Marcas talvez passarão menos vergonha quando agirem mais como plataformas e menos como protagonistas de lutas que nem são suas. Em um momento onde todo mundo começou a acreditar que está agindo em defesa do Outro, voltar a olhar para o próprio umbigo (e falar do próprio umbigo) talvez seja uma postura arriscada, mas pelo menos mais honesta.

Mas falar o que sobre si mesmo?

Eu, em meu nome, Lucas, pessoa física, só posso dizer que errei e sigo errando ao acreditar que eu não sou uma pessoa machista, racista, homofóbica — pra ficar no básico. Tem também o preconceito com o ladrão e o usuário de crack. Com o político, o empresário, o rico demais ou sindicalista demais. Com quem fala demais, posta demais, faz botox demais. Tudo bem perto, na casa ao lado, dormindo na nossa cama.

Colocar-se no lugar do Outro não é fácil como aparece no post e na propaganda. E como lidar com essa impossibilidade? Há duas formas bem populares, ambas bem arrogantes: 1) fazer da distância e ignorância um pretexto para o preconceito e a exclusão; e 2) a mais indicada hoje em dia, acreditar que eu também posso ocupar aquele lugar, traduzindo, distorcendo e limitando a realidade do Outro à minha própria interpretação.

Sem perceber, eu aprendi a me apropriar de discursos marginalizados para me mostrar próximo, evitar conflito, aliviar culpa e acreditar que eu não sou uma pessoa alienada e opressora no alto dos meus privilégios. Erro meu. Se existe uma Empatia menos delirante e narcisista, essa Empatia exige a aceitação de que eu não ocupo nenhum lugar no mundo além do meu, e que isso não exclui meu interesse e afeto pelo Outro.

Se eu não sou assim, não sei como é ser assim. E pronto. Posso ler sobre pessoas que são. Posso frequentar comunidades. Posso fazer amigos. Posso trabalhar com gente que é. Posso ter uma mãe que é. Um filho que é. Mas eu não sou. Então eu fico quieto e escuto.

* Lucas Liedke é psicanalista e analista de cultura e comportamento na float

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Lucas Liedke
/psicanaliedke

Psicanalista e Pesquisador de Cultura e Comportamento