ISOLAMENTO e VIRTUALIDADE

Lucas Liedke
/psicanaliedke
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3 min readJun 3, 2020

SOZINHO POR OPÇÃO (ATÉ ONTEM)⁣

O número de brasileiros que moram sozinhos dobrou entre 2005 e 2015 (IBGE). Nessa conta entra o aumento da longevidade, a emancipação econômica da mulher e o declínio do casamento enquanto instituição. ⁣

Será que o distanciamento social é ainda mais penoso para quem vive sozinho? Quanto tempo conseguimos passar apenas com a nossa própria companhia?⁣

Os relatos na clínica mostram que essa nova condição de isolamento pode despertar uma sensação de fracasso em alguns de nós. O fracasso por 1) não ter encontrado (ainda) alguém para compartilhar a mesma casa 2) não ter tido filhos 3) não ter cultivado uma certa proximidade com seus parentes a ponto de suportar dividir o mesmo teto ou até a mesma cidade.⁣

Para muitos, esse tem sido um momento oportuno para reflexões a respeito da nossa relação com o outro. Afinal, precisamos mesmo de alguém ao nosso lado? Por quê? Apenas para não nos sentirmos sozinhos? O que queremos do outro? E afinal quem é esse outro que queremos?⁣

A tentativa de provar para si mesmo que não precisamos de ninguém pode levar a um curtocircuito neurótico. Tão difícil quanto ficar sozinho em um momento de crise é reconhecer nossa vulnerabilidade e nossas carências. Admitir a falta não é um fraqueza, pelo contrário. É sobre a falta que faz um amigo, um amante, um familiar — o diálogo, o sexo, o afeto. Estar sozinho é diferente de sentir-se sozinho. Sempre há um jeito de contornar a solidão, com alguém ao seu lado ou não.⁣

E O VIRTUAL? A UM TOQUE DE DISTÂNCIA…⁣

Até o momento atual, boa parte do debate sobre o uso de redes sociais passou pela preocupação de que podemos estar substituindo a presença física, o toque na pele e o olho no olho por um crescimento excessivo de contatos e relações virtuais.⁣

A grande ameaça é que as interações digitais estariam ofuscando as interações físicas, entendidas no senso comum como “interações reais” — dividir o mesmo espaço, pegar na mão, dar um abraço, sexo. Contato humano.⁣

Essa crítica atingiu a cultura de massa com a sensação de que as interações digitais estão propensas a serem rasas, superficiais e efêmeras. Seriam insuficientes para produzir uma demonstração legítima de afeto ou para nos ajudar na missão mais humana de todas: sentir-se completo ou não-sozinho.

Hoje, para quem tem o privilégio de se encontrar em condições de confinamento, as trocas digitais são a melhor (ou a única) forma de demonstrar afeto, cuidado e interesse por pessoas que não estão do nosso lado. Parece difícil entender como fazer esse distanciamento, encontrar a medida, mas há uma esperança (ou certeza) de que o distanciamento social não precisa e não deveria ser absoluto.⁣

Existem sempre perdas e ganhos em relacionamentos à distância.⁣

O mesmo acontece com terapias realizadas à distância.

Na sua pesquisa sobre análises realizadas online, o psicanalista Plinio Montagna relembra que a presença virtual contém a semente da presença real desde sua etimologia. Virtualis deriva de virtus; ou seja, força, potência. É o que existe em potencialidade e não em ato, pelo menos não ainda. Uma árvore, por exemplo, está virtualmente presente na semente.⁣

O virtual é insuficiente, mas o Real também não é suficiente. ⁣

Conviveremos com a falta do outro independente do nível de proximidade que compartilhamos. O virtual tem seu valor e sua função, e enquanto seguirmos fisicamente isolados, podemos trabalhar com o que temos e cultivar sementes que um dia podem se tornar árvores.⁣

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Lucas Liedke
/psicanaliedke

Psicanalista e Pesquisador de Cultura e Comportamento