Terapia vai resolver os meus problemas?

Lucas Liedke
/psicanaliedke
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3 min readJun 3, 2020
@lightandtext

É impossível tentar responder essa pergunta sem antes se questionar:

— Afinal que problemas são esses?
— São realmente problemas?
— O que está por trás do que encaramos como um problema?

Problematizar o problema é uma tarefa complexa, mas é o começo de um processo que nos ajuda a perceber que o buraco costuma ser mais embaixo e que por trás de um sofrimento visível e latente, há sempre outros impasses mais profundos e inconscientes.

A intenção de uma análise está muito mais em uma mudança subjetiva do que na tentativa de supressão de sintomas aparentes. O que não quer dizer que os sintomas não possam diminuir ou desaparecer, mas não é isso que está diretamente ao nosso alcance.

De todas as terapias, a psicanálise em geral é a que menos trabalha com uma proposta de resolução de problemas ou com uma promessa de cura. Oferece, em contrapartida, a formação de novas conexões associativas e uma expansão psíquica que entregue mais liberdade e autonomia para lidar com os impedimentos do nosso desejo.

Ainda assim, psicanalistas mais arrojados como o argentino J.-D. Nasio exercitam e defendem uma perspectiva de cura, como o faz em seu último livro “Sim! A Psicanálise Cura”. Ok, mas com algumas ressalvas ao furor curandis.

Nasio afirma que “nenhum paciente se cura por completo, e a psicanálise, como todo remédio, não cura todos os pacientes, nem cura de maneira definitiva. Sempre restará uma parte de sofrimento irredutível, inerente à vida, necessário à vida. Viver sem sofrimento não é viver.”

@xomatok

Nesse sentido, podemos pensar sobre a diferença entre a psicanálise e outras abordagens psicoterapêuticas. O tema foi abordado por Freud com uma analogia com o campo das artes, fazendo uso de dois termos italianos cunhados por Leonardo da Vinci.
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Segundo essa teoria, existem duas formas distintas de se criar uma obra:
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Per via di porre: a adição do pintor que coloca e distribui tintas sobre uma tela em branco.
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Per via di levare: a subtração do escultor que retira lascas de pedra ou gesso para deixar emergir uma escultura.
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O método do pintor é comparado ao psicoterapeuta que costuma fornecer respostas e explicações. Ele deposita seus conselhos, sugestões e, por vezes, tenta até convencer o paciente de suas ideias.
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O ofício do psicanalista seria mais semelhante ao ato do escultor, que busca retirar as camadas, cascas e excessos para que a criatura da obra possa tomar forma e se reconhecer como tal. É eliminar o que encobre a estátua que já estava lá escondida.
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A metáfora é sobre isso: nunca se sabe o que pode existir dentro da pedra bruta até a gente quebrar alguns pedaços.

“ɴᴏ ᴡᴀʏ ᴏᴜᴛ ʙᴜᴛ ᴛʜʀᴏᴜɢʜ”

Para finalizar, vale um lembrete da famosa frase “ɴᴏ ᴡᴀʏ ᴏᴜᴛ ʙᴜᴛ ᴛʜʀᴏᴜɢʜ” — que ficou conhecida pela voz do poeta Robert Frost no início do século XX e se tornou uma das expressões favoritas de muitos psicanalistas.

Grande paradoxo pensar que para tentar sair, só entrando ainda mais. 🤷🏻‍♂️

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Lucas Liedke
/psicanaliedke

Psicanalista e Pesquisador de Cultura e Comportamento