A eterna vítima: o algoz não assumido

Mariana Farinas
Psicologia mastigadinha
3 min readJun 27, 2018

Quem se sente impedido de agir por ser uma vítima, pode estar sendo algoz sem se dar conta.

Todos nós já fomos vítimas, alguns a ponto de carregar profundas marcas por toda vida. Sofremos injustiças, ofensas, abandonos, indiferenças, desfeitas, ingratidões, intimidações e toda sorte de maldades. Uma vítima é alguém que foi ferido, que não tem culpa do que aconteceu e que não tinha obrigação de se prevenir do dano que sofreu. É alguém cujos direitos foram violados e que merece compaixão.

Mas e quando ser vítima se torna uma maneira cristalizada de estar na vida? Existe uma diferença entre ter sido vitimizado e ter uma mentalidade crônica de vítima. No segundo caso, a pessoa se torna uma “eterna vítima”: o mundo deve algo a ela e portanto são outros que têm que tomar a iniciativa para lidar com os problemas que ela tem. Alguém que está neste papel de vítima encarrega-se de encontrar culpados e, ao fazer isso, deixa de se perguntar “como vou lidar com isso?”. A pessoa se sente uma coitada incapaz de influenciar o rumo das coisas, mesmo que esteja em um posição de poder.

“Não importa quem é o culpado de algo ter sido quebrado se é sua responsabilidade consertar” — Will Smith

O grande culpado escolhido pela eterna vítima para justificar seu imobilismo é em geral alguém que não pode ou não irá resolver o problema. É a sociedade, é o que os pais fizeram com ela, é o fato de sei lá quem ser muito difícil, é a bebida, é o preconceito, é alguém que se não tivesse feito isso ou aquilo as coisas não estariam assim. Ela pode inclusive ter razão em apontar cada um destes culpados, mas a eterna vítima usa dessas injustiças como argumento para permanecer na situação em que está.

Essa dinâmica de “não tem nada que eu possa fazer porque a culpa não é minha” pode se espalhar para a vida inteira, a ponto da pessoa não se ver mais como responsável nem por como ela trata os outros. Como ela não percebe a diferença entre culpa e responsabilidade (“se não é minha culpa não é minha responsabilidade”), ela pode infringir limites, agredir, ofender e maltratar sem se perceber responsável por essas ações. Ela não se considera encarregada de lidar com o que suas ações provocam nos outros ou pode, alternativamente, ser tomada por uma culpa desmedida que a transforma naquela que merece a piedade alheia. E aí percebe-se uma inversão curiosa: a eterna vítima se torna justamente o algoz injusto e indiferente do qual ela se queixa.

“Quando ficamos emperrados em achar o culpado, ficamos presos no papel da vítima. E quando você está no papel de vítima você está preso ao sofrimento” — Will Smith

Continuar culpando algo ou alguém e não se perceber como responsável pode causar problemas para os outros, inclusive para quem não tem culpa de nada. Mas aqueles que estão sendo afetados pela negligência da eterna vítima podem tomar decisões para se proteger. Elas podem colocar limites, se distanciar física ou emocionalmente, romper a relação ou tomar as medidas necessárias para evitar problemas. A eterna vítima pode continuar imobilizada por uma ernome culpa em alguns momentos e no momento seguinte estar imobilizada esperando alguém resolver seu problema ou esperando por um mundo que não irá muda. Mas como disse Will Smith, naquele famoso Instagram Stories, assumir a responsabilidade é justamente a libertação desta situação. Responsabilizar-se é justamente retomar aquilo que um dia foi perdido: SEU PRÓPRIO PODER.

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