Indiferença persistente é uma forma de tortura

Mariana Farinas
Psicologia mastigadinha
4 min readJul 7, 2018

Pode ser angustiante quando o outro não entende o que queríamos dizer. Quando um retorno de alguém não fala daquilo que gostaríamos de saber.

Nestes casos, a resposta passa por outras vias e, mesmo que toque a tangente do que foi manifestado, não reconhece genuinamente o que foi dito. Quando dizemos algo que é significativo para nós, esperamos que o outro passe a seguir por um caminho que considere de alguma forma o que verdadeiramente queríamos expressar. Queremos saber qual é a do outro com relação ao que vivemos.

Mesmo para um adulto a indiferença pode ferir. Quando não há sinal de que o destinatário das palavras se afetou pelo que se queria dizer, há um momento de perplexidade. Ao contar que algo muito ruim aconteceu no seu dia, querendo dizer que você não está muito bem e precisando de atenção a isto, você pode ficar perdido se, como resposta, o outro dizer “ah, tá” e continuar a falar do que estava falando antes. Ao introduzir um assunto emocionalmente importante, você pode ficar confuso se for recebido com silêncio e ausência de um olhar direto. Ou, ao contar uma situação grave que acabou de ocorrer, querendo dizer “me ouça”, você pode se sentir atropelado ao ser interrompido por uma solução não requisitada. Há um tempo de reação para tentar entender o que acabou de acontecer.

Hã?

Diante da ausência de uma afirmação que não deixaria dúvida de que o que foi dito foi compreendido, é necessário um caminho para reorientar a rota. Inicia-se um breve ou longo estudo para entender aonde se está. O que aconteceu? De onde veio essa resposta? Isso foi indiferença? Porque ele(a) está indiferente? O que de mim ele(a) vê se não se modifica a partir disso que manifesto? Quem é este que está na minha frente, que não se mostra diferente depois daquilo que expressei? O que ocorre em mim para que esteja ocorrendo esta indiferença a algo tão importante? As hipóteses podem ser mais ou menos generosas consigo mesmo e com o outro e há diferentes velocidades de elaboração até que se entenda o que aconteceu.

A capacidade que temos para reconhecermos e expressarmos o que sentimos é formada a partir de relações em que o que queríamos dizer é entendido. Os bebês e as crianças pequeninas dizem muito. Elas dizem da sua fome, do seu medo, do que os interessa ao redor, do seu estado de espírito e do que precisam. O adulto que reage de forma coerente é aquele que entendeu o que o pequenino queria dizer e, assim, o pequenino vai aprendendo pouco a pouco como lidar com os acontecimentos, com aquilo que sente e qual o nome de cada coisa. Ser submetido à uma indiferença persistente nos períodos de formação pode levar a dificuldades para se expressar ou, até mesmo, para se perceber o que sente. Quanto mais cedo, grave ou persistente é essa indiferença, mais acentuada é o seu efeito. A pessoa pode crescer anestesiada ou com dificuldade de se acalmar quando angustiada ou brava.

Quem foi alvo da indiferença pode ficar paralisado, sem entender muito bem o que se passou e que sensação estranha é essa. Pode ficar bravo e reagir com agressividade, demandando atenção ou afrontando o outro por não ter recebido. Pode, por ter clareza do que se passou, calcular seus gestos de maneira calma e tentar dizer aquilo que gostaria que o outro entendesse de outra forma. Há quem reaja também se fechando, recusando-se a falar e demonstrando indiferença de forma ostensiva e caricatural para que o outro sinta na pele como é. Caso há indiferença seja intransponível, seja porque o outro realmente seja muito indiferente, seja porque quem fala não tem plena capacidade de expressar-se melhor (como uma criança, por exemplo), quem queria dizer algo pode ter a sensação de que ele próprio não faz diferença ao outro. No caso de relações íntimas, isso pode dar a sensação de estar sendo desconsiderado ou usado.

Mãe de arame com mamadeira e mãe de arame com pano

No famoso estudo de Harry Harlow, bebês macacos foram separados de suas mães reais e foram isolados socialmente por dois anos e colocados com “mães” feitas de arame. Os macacos tendiam a preferir as mães que também eram feitas com pano do que as mães sem pano, mesmo que as sem pano fossem as que portassem uma mamadeira. Ao fim dos experimentos, os macacos apresentavam distúrbios emocionais severos. Alguns dos que passaram por isolamento social mais intenso morreram ao serem reinseridos em grupo. O efeito nos animais foi tão brutal que, apesar da sua contribuição para entender os efeitos do isolamento social nas emoções humanas, essa pesquisa hoje não teria sido aprovada devido à questões éticas.

A indiferença persistente é um tipo de tortura, pois é a negação ao direito humano mais básico, que é o de ter sua existência reconhecida por um outro que se importa e de poder ter um vínculo que traz aconchego e segurança.

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