Palavras que curam ou que adoecem a alma

Algumas palavras nos abrem e outras nos fecham

Mariana Farinas
Psicologia mastigadinha
3 min readJun 15, 2018

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A palavra que cura é aquela que é íntima, cúmplice e não ameaça o sentido particular com o qual vivemos algo.

As palavras que curam são aquelas que iluminam o sentido do que foi vivido por nós, ao mesmo tempo deixando abertura para a revelação de aspectos que ainda não se apresentaram.

Já as palavras que adoecem são aquelas ditas por quem “não entendeu nada”. Elas não reafirmam o sentido do que foi vivido: nos confundem. São palavras que podem nos amortecer, nos jogar ao desespero ou nos fazer enlouquecer. Diante delas, perguntamos atônitos e perdidos: “do que diabos ele está falando!?”. Entramos em um estado de desorientação e não reconhecemos quem as diz.

“Assim como tratamos as palavras, tratamos a nós mesmos”, diz a linguista Ivonne Bordelois

A palavra que adoece é aquela que torna o sentido obscuro, que gera mal-entendidos e impede um contato genuíno entre os que conversam. É a palavra que forma uma couraça de ideias rígidas nas quais as experiências alheias são encaixadas a força. Estas palavras, que não levam à compreensão, nos apartam dos outros e de nós mesmos.

A palavra que cura é aquela que escuta o corpo. A palavra que não escuta o corpo o transforma em um corpo alheio, dissecado em nome da anatomia. As palavras que curam são aquelas que ouve o corpo que vive tantas e incontáveis coisas: amores, feridas, descansos, sustos, confortos, desencontros, tédios e vontades. A palavra técnica adoece, pois nos afasta da intimidade, ou seja, da familiaridade com a maneira humana de estar no mundo. A palavra técnica é aquela de quem esquece que também vive aquilo.

“A palavra é também corpo” — Fabrício Carpinejar

As palavras que curam são aquelas com as quais podemos desenhar as imagens e entoar os sons que nos salvam de uma morte em vida. E elas só podem ser proferidas por quem entendeu, por quem nos sabe — e se reconhece também — como uma manifestação da humanidade. São as palavras que nos concedem, num entusiasmo aliviado, a liberdade de exclamar “ISSO!”.

Todos precisamos de narrativas nas quais podemos nos reconhecer, de uma descrição fiel daquilo que vivemos tal como foi vivido por nós. E esta narrativa fica mais real quando construída junto a quem nos dá e nos ajuda a buscar palavras que curam. Junto aqueles que têm a serenidade meticulosa para alcançar as palavras — assim fazem os amigos íntimos, os irmãos de alma, os grandes amores.

Shahrazad, personagem emblemática das 1001 Noites, cura um sultão com palavras. Este homem, após ser traído, passou a matar todas as mulheres com as quais se casava. Ele parou com essa violência à sensibilidade quando recebeu palavras que curam, provavelmente minuciosamente escolhidas e ternamente entoadas. A partir de então, ele passou a se abrir para uma outra forma de estar no mundo, em que aquilo que é mais delicado – uma mulher a quem se pode matar a qualquer momento – é justamente o que dá sentido de ser aos dias e às noites.

Algumas palavras nos abrem, outras nos fecham.

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