“Quero ver dizer olhando no olho!” — o impacto do olhar

Mariana Farinas
Psicologia mastigadinha
4 min readJun 23, 2018

Janelas da alma.Os olhos nos cativam e nos constrangem a dizer somente aquilo que podemos sustentar quando, pisando sobre os próprios pés, nos mantemos eretos e dignos. É da capacidade de olhar nos olhos que as palavras derivam seu verdadeiro valor.

Não é fácil mentir ou confessar algo difícil e manter normalmente o contato visual. Sim, pois o olhar dos outros — a não ser que sejamos psicopatas — nos afeta. Evitar olhar nos olhos, portanto, é uma recusa em ser afetado pelo olhar alheio. Uma outra forma de recusa em ser afetado pelo olhar alheio é justamente travar um contato visual duro. Ao olhar com olhos prontos para desviar ou com olhos endurecidos, não temos que lidar tão diretamente com a maneira como os outros consideram a nós e aos nossos gestos. Perdemos uma parte importante da medida do nosso efeito sobre os outros e de como eles nos afetam.

“Este seu olhar quando encontra o meu fala de umas coisas que eu não posso acreditar” — Tom Jobim

É difícil olhar nos olhos quando esta troca de olhares desperta alguma emoção que pode nos desestabilizar, inclusive a ponto que os outros percebam. Por exemplo olhar nos olhos de alguém que nos desperta um forte desejo, alguém que temos medo que descubra que somos muito menos do que mostramos ser ou de alguém que não suportamos mas temos que conviver. Também pode ser angustiante olhar nos olhos daqueles que são indiferentes às nossas emoções, como uma autoridade que segue com uma punição, alguém excessivamente crítico, alguém que nos agride ou alguém que é e será indiferente aos nossos apelos.

O que define o tipo de olhar — amoroso, incisivo, curioso, ausente, esperto — o quanto ele se demora, a intenção que ele carrega, o tipo de curiosidade que se quer saciar, as expectativas que se tem, as emoções que o guiam e que se revelam por meio dele. Olhares profundos se demoram mais que os rasos, olhares curiosos são mais ágeis e expressivos que olhares desinteressados.Os olhos pode revelar, por exemplo, se um sorriso é verdadeiro ou falso. No sorriso verdadeiro os olhos se apertam enquanto no falso eles não se modificam muito. O sorriso falso é aquele que nos convida a respondermos com um sorriso educado, mas não atiça um sorriso que brota no rosto naturalmente.

Alguém carinhoso para conosco pode manter os olhos em nós com uma expressão relaxada que se modifica de acordo com o que vamos contando. São olhos que nos dizem “estou confortável em estar aqui com você e o que você diz me toca e é importante para mim”. Já um ensimesmado, tem um olhar perdido, que não está repousado sobre nada específico, ou um olhar para o alto. Quando seguimos o rastro desse olhar para buscar o que o outro vê não encontramos nada — porque o que o outro está vendo é, no máximo, seus próprios pensamentos. Esse olhar perdido, ou um olhar que muda rapidamente de direção sem se fixar a nada, também pode indicar que a atenção do outro está em fazer algum raciocínio.

Podemos não conseguir sempre descrever esses detalhes, mas inevitavelmente reagimos à eles. Prestar atenção ao olhar de alguém torna a realidade alheia mais presente e, portanto, somos mais afetados por ela. Portanto, manter contato visual com alguém com interesse verdadeiro pode levar a uma aproximação ou, em alguns casos, à uma intimidação. Esta experiência é uma chance para se permitir viver o que o olhar do outro provoca, conhecê-lo e conhecer o que é possível de se sustentar diante dele.

Quando estamos atento ao olhar alheio, também passamos a conhecer o que chama a atenção destes olhos. Podemos descobrir coisas curiosas senguindo a direção deles e nos perguntando tudo o que já viram. Podemos nos indagar como esses olhos enxergam a vida e quais lições estão impressas neles.
Inclusive podemos passar a adotar um ponto de vista diferente, ou seja, o lugar no mundo em que pisamos para ver se torna outro. Podemos adotar o mesmo ponto de vista daquele que nos ensinou a ver — ou encontrar com essa pessoa um ponto de vista no meio do caminho.

“Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção”
—Antoine de Saint-Exupéry

Estar atento ao olhar de alguém e permitir essa troca de olhares pode incitar emoções e percpções das mais diversas. E se aguentarmos a angustia e ficarmos, a partir desse encontro de olhares somos convidados a experimentar aspectos de nós mesmos que não conheceríamos não fosse essa presença.

— esse texto não se aplica à todas as culturas, pois existem diferenças culturais na interpretação do contato visual

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