Sensibilidade é reagir ligeiro ao mundo
Todo mundo conhece alguém a quem se refere como “sensível” “Fulano é muito sensível, não da pra falar nada pra ele que ele já se magoa”. “Cicrano é muito sensível, toca piano que é uma maravilha”.
O fulano tem uma grande capacidade de se magoar, o cicrano de tocar piano, mas numa coisa eles são muito parecidos: os dois são cobra criada para perceber contrastes. Pequenas variações não escapam à nenhum deles. Fulano, durante uma conversa, facilmente capta uma mudança nas expressão das sombrancelhas, uma mudança no timbre da voz ou no padrão com o qual é olhado. Cicrano percebe que um trecho daquela peça é melhor tocar mais forte e, aquele outro permitindo que o som quase suma. Além disso ele faz isso de maneira tão minuciosa que a peça que ela toda ganha uma outra qualidade.
Rimsky-Korsakov é conhecido por suas orquestrações coloridas, cheias de contrastes entre timbres e alturas (graves e agudos). Ele percebia as nuances dos sons e brincava com eles como um pintor que adora contrastes percebe a nuance das cores.
Sensibilidade é, em parte, a possibilidade de reagir à mudanças e contrastes. Quanto mais sutis forem os contrastes percebidos, mais chamada de sensível é a pessoa. Para perceber é necessário haver uma alteração veloz em quem percebe. Quem é sensível corporalmente à música, rapidamente começa à sentir os quadris querendo se mover quando começa uma bela batucada. Já o sujeito monoblóquico, duro, não sente essa urgência. Se os dois forem colocados num duelo de batuque já podemos imaginar o resultado: aquele que tem o quadril que reage mais ligeiro às mudanças de ritmo e intensidade das batidas provavelmente será o campeão. Daí a sensibilidade para sentir anda junto com a de criar.
Todos nascemos extremamente sensíveis, captando e reagindo à qualquer nuance do ambiente. Bebês são muito sucetíveis as variações de seu entorno, vivendo-as como grandes eventos corporais: um barulho alto e súbito é um pavor no corpo inteiro, rever a mãe é uma excitação que os agita, o tom de voz que muda quando os adultos falam de algo grave faz uma agonia que da vontade de chorar. Eles reagem rápida e intensamente as mudanças ao seu redor, o mundo os afeta profundamente. Neles está completamente preservada a capacidade de espanto: um pé que pode ser levado à boca, um bicho curioso, uma pessoa estranha, uma outra que sempre pega os objetos que se atira ao chão. Tudo pode ser digno de assombro. Não à toa, os bebês têm uma imensa capacidade de aprendizado e adaptação.
Viver em si as variações que ocorrem no mundo também exige uma capacidade de se regular. Há de se voltar ao normal depois de um susto, há de se centrar depois de um riso, há de se suspirar após uma doída comoção e assim por diante. O sensível melindroso é aquele que é profundamente afetado e não consegue se reorganizar por ter a estrutura muito frágil. É a diferença entre o nosso amigo fulano e um sujeito bom de papo, que também percebe facilmente as mudanças de humor e interesse de seu interlocutor. mas tem a confiança de que irá acha um caminho.
Um sujeito monoblóquico, talvez um parente daquele que perde de lavada no duelo de batucada, também pode ter uma estrutura frágil, mas é possível que ele lide com isso tornando-se insensível ao seu entorno. É necessário um contraste maior para que ele reaja e, mesmo assim, seu tempo de reação é mais lento. E reagindo a menos mudanças ele torna-se menos perceptivo. Uma conversa entre ele e cicrano, o pianista lá do começo, poderia dar um resultado bem interessante.
Sensibilidade é a capacidade de viver (e reconhecer) uma mudança em si mesmo acompanhando uma mudança no mundo
Dizem que os esquimós tem não sei quantos nomes para a cor branca, porque percebem nuances que uma pessoa que não vive num ambiente cheio de neve não perceberia. Sensibilidade, ou seja, a capacidade de viver uma mudança em si mesmo acompanhando uma mudança em algo no mundo, pode ser treinada – “refinada ”, como alguns dizem. A capacidade de ser afetado pelo mundo também pode mudar: quem sabe o fulano melindroso não pode virar um sujeito muito bom de papo também, aprendendo a discriminar com minúcia outras nuances de estar com os outros.