As Muito Tardias Reconsiderações Sobre Skyrim

Doc — 19 de Dezembro de 2017

Gabriel Thomé
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11 min readDec 23, 2017

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O texto a seguir é uma tradução não oficial de “Skyrim’s Long Overdue Reappraisal”, originalmente escrito por Doc. Para ler o texto original clique aqui

Skyrim conquistou os corações de jogadores por anos por uma boa razão.

Para qualquer jogador experiente, The Elder Scrolls V: Skyrim talvez não represente a receita do sucesso. A maioria dos jogos vende por causa de seus gráficos, e os gráficos de Skyrim sempre tiveram aparência datada, mesmo no seu lançamento em 2011. Pergunte a qualquer gamer por que ele(a) compra RPGs, e ele(a) provavelmente dirá que compra RPGs por causa da história e personagens. A história genérica de “O Escolhido” de Skyrim e seus personagens fracos e chatos estão muito distantes de obras-primas do RPG como The Witcher 3: Wild Hunt. Apesar disso, Skyrim vendeu 30 milhões de cópias mundo afora. Como pode um jogo com tantas falhas tornar-se um dos maiores sucessos dos vídeo games de todos os tempos?

Alguns gamers não dão muita bola pra Skyrim. No seu lançamento, lembro de um amigo bravando porque o jogo era muito mais casual do que seu antecessor, Morrowind, já que ele não possuía mais uma árvore de habilidades inteiramente dedicada à adagas. Desde então, tenho lido críticos que argumentaram que o jogo tinha uma direção de dublagem fraca, vi gamers falarem o quão melhor era o design de missões de outros RPGs, e ouvi a incontável jogadores que frustraram-se porque o jogo simplificou vários dos seus sistemas.

Ainda assim, Skyrim é, segundo várias métricas, um sucesso estrondoso. Seria fácil documentar as falhas de Skyrim, e muitos o fizeram, mas eu acho que algumas das melhores conquistas de Skyrim foram ignoradas. Tem umas decisões de design brilhantes nele, coisas que muitos gamers e desenvolvedores ignoraram.

Mais do Que Só Escalar Uma Montanha

Tradicionalmente, os jogos são comercializados pelas suas características pontuais. Os desenvolvedores programam elementos como trajes planadores ou arpões, e o marketing vende essas características pontuais como motivos para os jogadores comprarem o jogo. A abordagem da Bethesda é um pouco diferente disso. Todd Howard, diretor de jogos na Bethesda Studios, acredita que jogos devem ser projetados pensando na experiência desejada, como ele disse na DICE Summit Keynote em 2012. “Não descreve seu jogo como uma lista de particularidades”, Howard disse à plateia, compartilhando seus princípios de design. “Seja quem quiser, e vá fazer o que quiser”. Em Skyrim, as mecânicas do jogo todas funcionam em razão da experiência como um todo. Observando a popularidade e sucesso da Bethesda, essa abordagem de design de sensação em primeiro lugar, parece ecoar em muitas pessoas.

Os trailers de Skyrim, tanto os dentro do jogo quanto os live-action, focam na fantasia de ser alguém que luta com dragões. É um objetivo simples e fácil de alcançar, e está em todo o game design e marketing do jogo. Essa clareza faz dele fácil de se vender até pros consumidores mais céticos, e é parte da razão da atratividade tão ampla de Skyrim. A Bethesda trabalhou duro para fazer com que tudo fosse originado de uma fantasia única; toda mecânica e escolha artística é pra tentar te fazer viver a experiência de Skyrim.

Fazer trailers de jogos eficientes é uma forma de arte, e pouquíssimas publicadoras são boas nisso. A maioria só recorre a um misto de música “épica” de trailer, asserções genéricas como “CUMPRA SEU DESTINO”, e uma montagem frenética dos momentos roteirizados mais energéticos e mortes brutais. Trailers e teasers melhores às vezes darão o seu melhor para transmitir as mecânicas do jogo. Em Skyrim, a Bethesda só diz “Aí, você luta com dragões”. Se alguém dizer “cumpra seu destino”, é difícil saber o que querem dizer. Quando alguém diz “você pode lutar contra dragões”, é mais fácil de entender.

Os últimos dois RPGs da Bethesda tiveram problemas em suas introduções. Fallout 3 e Oblivion, ambos levam eras pra pegar no tranco, mas Skyrim, ainda bem, não enche linguiça. Ele começa numa carroça; você é um prisioneiro, a caminho de ser executado. Assim que você fica confortável no cepo de madeira, pronto para ser decapitado, um dragão desce do céu e começa aterrar fogo por todas as partes, oferecendo-lhe uma oportunidade de fuga. Skyrim revela o dragão imediatamente, ao invés de esperar horas pra chegar na coisa boa.

Você então é apresentado a uma decisão: juntar-se aos representantes do Império que iriam te matar antes da coisa toda dos dragões, ou escapar junto com os Rebeldes. Pra mim, a escolha foi fácil. Eu fugi com o cara que não tava tentando me matar. Depois de alguns rápidos tutoriais sobre coisas tais como arrombar fechaduras e andar sorrateiramente, você está por conta própria. O jogo te diz onde ele quer que você vá–a um vilarejo próximo para pegar umas missões–mas daí por diante, você é livre para fazer o que quiser.

Os designers da Bethesda são inteligentes o bastante pra saber que um mapa aberto gigantesco onde você pode fazer o que quiser é meio que intimidador, então eles te dão um objetivo simples: ir à cidade mais próximo para obter ajuda. A maioria dos RPGs transformaria isso numa experiência de combate extensa, onde você luta a caminho da segurança na cidade mais próxima. A Bethesda escolhe fazer deste caminho um dos lugares mais seguros do jogo. Claro, se você vagar longe demais do caminho imposto, você pode achar uma mina cheia de bandidos ou uma matilha de lobos, mas no geral, a viagem é segura. Você está livre para capturar borboletas e colher frutas a esmo, o que é uma boa mudança de ritmo depois de fugir de um dragão e guardas de prisão raivosos.

Skyrim quer que você relaxa neste momento, vagando por aí, se situando, e sentindo-se parte do mundo. Enquanto a maioria dos RPGs são jogados numa perspectiva de terceira pessoa, Skyrim é na primeira pessoa. E como resultado, muitos RPGs como The Witcher 3 coloca o máximo de informação na tela possível, tipo assim:

Skyrim, por outro lado, deixa as coisas simples e claras.

Você notará que os únicos elementos de interface na tela são a retícula, que te ajuda a mirar, e a bússola, que te ajuda a navegar e a tomar decisões. Skyrim está tentando te desarmar, te fazer esquecer dos RPGs com gameplay estereotipado focado em lista de afazeres. A maioria das bússolas de jogos existem para te dar um senso de direção e apontar pro objetivo mais próximo, mas a bússola de Skyrim serve a um terceiro propósito: distração.

Na maior parte do tempo, quando você está jogando Skyrim, se você fica em um lugar e olha ao redor, você achará no mínimo três pontos de interesse na bússola. Esses pontos de interesse podem incluir cavernas, fortes e vilas, e a intenção deles é te distrair do objetivo vigente. Por exemplo, no meu caminho para a cidade de Ivarstead, eu vi uma ruína na minha bússola e caminhei à ela, onde fui atacado por necromantes. Se tivesse ignorado o ponto na bússola, minha viagem à Ivarstead seria menos conturbada.

Os fãs frequentemente alegam, com certa dose de orgulho, que eles apenas ignoram a rota de missões principal da Bethesda e seguem seus próprios objetivos, mas isso é tudo parte do plano. Skyrim pode apresentar a seus jogadores uma aventura épica sobre lutar com dragões, mas ele na verdade quer te dar distrações. A colocação “Vê aquela montanha? Você pode escalar ela”, vinda de qualquer outro desenvolvedor seria apenas uma característica pontual, mas em Skyrim, ela não é tanto sobre de fato escalar a montanha quanto é sobre a montanha ser um objetivo que você pode traçar por conta própria. Você pode ignorar o caminho principal e escolher escalá-la, ao invés disso.

Essa ênfase na distração transforma Skyrim num playground, um lugar de constante fascínio. Você se prepara para atira num alce, mas ele corre e você o caça. Daí você tropeça numa conjunto de ruínas e o explora, só pra achar uma pista que te leva a uma missão pelo mundo. Talvez você chegue lá, ou talvez você aviste à distância um minério que precise, e enquanto você mineira, um dragão aterrissa e vocês dois lutam.

Enquanto outro jogos focam em objetivos concretos de ir a algum lugar e obter um objeto e retorná-lo, Skyrim sabota seus próprios objetivos intencionalmente. Quando jogava Dragon Age: Inquisition, eu constantemente me via vagando pelo mundo, eventualmente matando multidões de inimigos genéricos, só pra completar um objetivo e voltar a quem me deu a missão. Tem bastante inatividade enquanto você não está tomando decisões, só andando entre dois pontos. Parte disso é porque as distrações de Inquisition são simplistas, como cravar uma bandeira ou pegar cristais brilhantes, e parte disso é porque nada em Inquisition tem a sensação de ser dinâmico.

Um Mundo Dinâmico

Enquanto a distração é um poderoso elemento da filosofia de design da Bethesda, ela não é a coisa toda. Outro elemento essencial é a ênfase da Bethesda em fazer seu mundo parecer natural. Todos os jogos, a menos que sejam simulações totalmente precisas, apresentam algum grau de simplificação. Quando você visita uma cidade em Skyrim, não é uma representação totalmente precisa de uma cidade, é uma abstração de uma cidade. Seis casas são descritas como uma metrópole agitada, o que objetivamente não é, mas fingimos que é pelo bem da experiência geral.

RPGs são construidos em cima de abstrações. Na vida real, melhorar na luta de espadas, você pratica até desenvolver memória muscular e conhecimento tática para se tornar um mestre. Em um RPG tradicional, esse processe é abstraído: lute contra um inimigo, ganhe 50 de XP. Lute com bastantes inimigos e irá subir de nível, o que significa que a sua habilidade de dar dano com a espada ficará melhor. É fácil de entender e parece um progresso real e palpável porque você recebe um alerta dizendo “você praticou, logo você é bom nisso agora.”

Skyrim borra essa linha. Ao invés de dar ao jogador uma recompensa exata em XP por completar tarefas, você sobe de nível executando uma habilidade numa quantidade de vezes indefinida. Esfaqueie inimigos suficientes com uma arma de uma mão para melhorar seu uso de armas de uma ama. Crie itens suficientes para melhorar sua criação de itens. Você sente o progresso de maneira mais natural. Isso pode irritar jogadores old-school que querem uma abstração granulosa, mas para maior parte das pessoas, isso ajuda a experiência do jogo ser mais crível.

Fazer jogos de mundo aberto num geral pode ser difícil, e desenvolvedores frequentemente recorrem a repetir o conteúdo em busca de poupar tempo. É ótimo para os desenvolvedores, mas para os jogadores, pode ficar parecendo desnatural. Arrancar exatamente três torres com um quebra-cabeças sudoku espacial em todos os planetas em Mass Effect Andromeda antes de entrar num reator pressionando um botão, e escapando em todas as vezes, era chato porque era previsível. Parecia uma coisa tão gamificada de se fazer.

A Bethesda repete conteúdo o tempo inteiro, também, mas dá o seu melhor para garantir que cada cenário tem a sensação de estar vivo, até quando ele recicla assets ou texturas. Quando você encontra uma ruína, é provável que ache um espaço de criação, alguns baús de tesouro, e algumas pessoas para lutar. Frequentemente, a Bethesda inclui um pouco de narrativa ambiental; uma vez eu achei um necromante fazendo algum tipo de ritual perto de uma pedra que amplificava o poder de necromancia. Depois deu derrotá-lo, descobri que as pedras davam poderes davam às pessoas poderes de necromante. Esse cenário atiçou a minha imaginação. Eu me perguntei como ele descobriu tal lugar e que ritual ele queria fazer antes de ser interrompido por mim. É bem mais natural que “isso é um objetivo de jogo genérico e repetido, por favor aperte o botão de interação, receba XP e continue.”

Em Dragon Age: Inquisition, quando você luta com um dragão, você lutará numa arena de dragão específica. Em Skyrim, dragões podem aparecer a qualquer momento, levando a momentos de surpresa e êxtase. É legal esgueirar-se num acampamento de gigante na esperança de roubar queijo de mamute, só pra assistir horrorizado um dragão descendo com força e se metendo numa luta época com os gigantes. Esses momentos são totalmente dinâmicos, o que faz o mundo parecer bem mais vivo do que seria num RPG em que cada interação é completamente planejada pelos seus designers.

Esse gameplay dinâmico é ainda mais aprimorado pela abordagem única da Bethesda em relação à física. Na maioria dos RPGs, itens não são objetos físicos. Na expansão Blood and Wine de The Witcher 3, você pode colocar espadas pela sua casa, mas só em estantes feitas para armas. Em Skyrim, por tudo ser um objeto físico, você pode encher a sua casa de, digamos, queijos bola, ou paralisar um troll e usar um grito de dragão para fazer ele voar de um penhasco. Essa liberdade mecânica te deixa tratar o mundo como um espaço real, o que aprimora a sensação de presença que Skyrim exerce. Traçar tantas interações físicas não é trabalho mole, e frequentemente faz com que o jogo quebre, mas é algo que ninguém mais na indústria faz. Sem essas interações físicas, Skyrim fica bem menos natural.

Claro, essa abordagem naturalista não é perfeita, e pode não funcionar pra todos. Pode ser difícil sentir-se imerso quando os dubladores soam tão entediantes, ou você começa a reconhecer os assets de outro lugar do jogo, ou um bug estraga seu jogo. Nada funciona para absolutamente todo mundo.

Tem A Sensação de Estar Em Casa

O sucesso de Skyrim começa com o seu foco em uma única fantasia. Ao invés de particionar seu gameplay em fatias fragmentadas de características pontuais descritas na parte de trás da caixa do jogo, ele direciona tudo a uma motivação única de criar uma experiência específica. O mundo por si só é construido em cima da ideia de distração, e enquanto tudo em Skyrim pode ser sobre retratar uma única fantasia, o mapa e as missões são feitos para te ajudar a se perder no mundo.

Para ajudar a vender o mundo, Skyrim convida os jogadores a pensarem sobre ele naturalmente. Nós tratamos os objetos como se fossem reais, coisas físicas, ao invés de abstrações de vídeo game. Até mesmo mecânicas como subir de nível são abordadas com viés naturalista. Nós resolvemos quebra-cabeças como faríamos na vida real.

Em outras palavras, Skyrim é sobre preparar-nos para aceitar seu mundo como um lugar que podemos visitar, um lugar em que nós existimos. Ele acaba com as nossas defesas, nos encoraja a tratá-lo como se fosse real. Skyrim é um lugar que você pode se perder porque a Bethesda fez com que se pareça com um lugar real, ao invés de um jogo a ser jogado. A maioria dos RPGs se contentam em manter certa distância de você, pra te lembrar que eles são jogos. Skyrim quer que você esqueça tudo e se perca na sua euforia invernal.

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Gabriel Thomé
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Game Designer de papel e caneta, às vezes de mouse e teclado também.