Isso (Não) É Uma Análise De Dishonored 2

Doc — 17 de Abril de 2017

Gabriel Thomé
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24 min readDec 22, 2017

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O texto a seguir é uma tradução não oficial de “This Is (Not) A Review Of Dishonored 2”, originalmente escrito por Doc. Para ler o texto original clique aqui

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Dishonored 2 é o jogo que te dão quando uma equipe dos criadores mais talentosos do mundo no pico do seu potencial põe seu coração e alma dentro de algo. Isso é um jogo que, durante toda minha jogatina, nunca parou de me surpreender e deleitar. Eu não sabia o que “não posso dizer com palavras” significava até jogar Dishonored 2. Se eu tivesse um sistema de análise com nota, daria Dishonored 2 um 10 de 10, porque é um jogo que qualquer pessoa interessada em ótimos jogos deveria jogar.

Tem um bilhão de análises por aí, então não quero perder tempo demais repetindo o que eles disseram. Dishonored 2 é um jogo de ação no modo stealth. As fases Dust District e A Crack in the Slab são um brilhante dueto sequencial em termos de level design, mas pra ser sincero, não consigo pensar numa única fase ruim ou trivial no jogo, talveeeeeeez com exceção da batalha final. O stealth é bom, as mecânicas são empoderadoras no melhor dos sentidos, os inimigos são espetaculares e o coração continua sendo uma das minhas mecânicas de jogos favoritas de todos os tempos.

Se você gostou de Dishonored, você ficará feliz em saber que Dishonored 2 é tão bom que faz o primeiro Dishonored parecer Superman 64, sendo que Dishonored é um dos melhores jogos da geração Xbox 360 inteira. Dishonored 2 é uma Material Muito Do Bom, uma melhora estratosférica na maioria dos aspectos de um dos meus jogos favoritos de todos os tempos.

Por que?

Primeiro, você tem a perspectiva da narrativa. Um monte de jogos foca em Coisas Que Não Importam, tipo lore ou coisa do tipo. Bastantes desenvolvedores ficam obscecados com os detalhes errados; eles querem te dizer como a economia funciona, ou as relações políticas entre as várias facções e coisinhas mais. Eles ficam ocupados demais tentando ser o George Lucas nas prequels de Star Wars pra se importar com o que é realmente importante: drama e motivação.

Dishonored 2 foca nas coisas importantes. O jogo começa, imediatamente, com uma tentativa de golpe. Você está feliz, tudo está bem e aí um usurpador aparece, transforma alguém em pedra. Se você escolher ser o Corvo, o Lorde Protetor e protagonista do último jogo, significa que você quer salvar a Emily de ser petrificada. Se você escolher ser a Emily, a Imperatriz, você quer salvar o Corvo de ser petrificado.

Eu tava jogando o Mass Effect 2 da Bioware recentemente e aquele jogo é tipo “cacilda, ferrou tudo. Agora você precisa recrutar pessoas para uma missão suicida contra um inimigo invisível que está matando humanos por algum motivo.” A Bioware espera que você se importe porque as pessoas que está salvando são da mesma espécie que você. Dishonored 2 traz a relação pai/filha elaborada no primeiro jogo para dizer: você quer salvar o membro da sua família, porque ele é um membro da sua família.

Você também está na sala do trono quando é deposto, fazendo toda a coisa de “traga o governante legítimo de volta ao trono” mais atraente porque você pôde ver o que perdeu. Eu joguei um monte de jogos que tiram-lhe algo sem te dar a chance de se afeiçoar com esse algo. Eles não são tão envolventes quanto Dishonored 2. Ah, e a Delilah, a impostora no trono, é um mistério, logo descobrir quem ela é te dá outra motivação ótima.

Então cá estamos, perdidos ao vento, lutando para sair do palácio e entrar num barco, vulneráveis e sós. Você tem dúvidas que precisam ser respondidas e você quer vingança. É um ótimo jeito de se começar um jogo.

Cada fase é incrivelmente densa da melhor forma possível; elas são pequenas no sentido que um jogo tipo Skyrim ou GTA V é bem maior, mas essas fases são tão cheias de detalhes! Eu completei a primeira fase em mais ou menos uma hora. Um amigo meu gastou horas lá, explorando literalmente tudo que é canto. De acordo com a super útil tela pós-missão, eu passei reto por muita coisa naquela fase. Esse é um dos melhores recursos de Dishonored 2, a propósito, porque Dishonored é uma série sobre fazer planos, e permitir que você saiba que deixou algo pra trás é uma ótima maneira de te incentivar a começar a formular novos planos. Ele te dá muitas ferramentas e te posiciona no lugar certo para te dar um monte de oportunidades para fazer planos executá-los.

Pera. Não. Isso… bem, é verdade, mas não muito.

Dishonored 2 é um jogo sobre perguntas.

Você começa uma fase observando uma área. Imediatamente, você começa a se perguntar “…será que eu posso…” e a verificar se pode ou não. Você analisa as armas que estão a seu dispor, tanto as que você trouxe contigo, tanto as que não trouxe. Ás vezes, as perguntas são narrativas: quem é esta pessoa? Outras, são sobre resolução de quebra-cabeças; ouvir furtivamente uma conversa que te fala sobre algumas pessoas suspeitas e começar a se perguntar quem são elas e onde encontrá-las.

Ás vezes, é só o jeito que a fase esconde as coisas de vista. O que essa alavanca faz? Como isso aparentava ser no passado? Como posso invadir aquele lugar? Para onde aquele caminho me leva? Que barulho foi esse? Ás vezes, é só as mecânicas. Se eu fizer isso com esse cara, o que aquele lá vai fazer? Será que eu posso colocar essa mina de lâminas aqui e distrair uma das bruxas ali…

Deu pra entender, né?

E a melhor parte é que o jogo tem perguntas de pequena e grande escala. Você pode se perguntar o que tem naquela porta no ressalto e, tcharan! Você usa o blink pra ir pra lá e segue caminho. Ou você pode ter perguntas maiores e mais travessas, como gastar uma hora tentando resolver o Quebra-Cabeça da Zebra.

Talvez não seja justo dizer que Dishonored 2 é sobre perguntas.

Dishonored 2 é sobre drama.

Drama é basicamente isso aqui: o protagonista quer algo, mas alguma coisa o impede, então o protagonista precisa envolver-se em conflito para alcançar seu objetivo. Você quer ir do ponto A ao B, mas tem guardas no caminho, então você precisa chegar lá furtivamente. Delilah roubou o trono, então você precisa achar um jeito de tirá-la de lá para devolvê-lo.

A motivação é o ímpeto, o drama é o combustível. Então você tem um level design incrivelmente envolvente, ótima mecânica que funciona bem dentro dele e uma constante série de grandes e pequenas perguntas que precisam de resposta. Você está sempre indo pra frente; nenhum momento parece em vão.

A cereja do bolo é que as fases são todas únicas de certa forma. Sempre tem algo de interessante que te fisga. Vários jogos tem algo para diferenciar as fases de si mesmas–antigamente, os jogos tinham a fase da caverna, a fase da água, a da lava e a fase stealth, por exemplo–mas Dishonored 2 é esperto. Ao invés de só ter locações visualmente distintas, ou quebrar a jogabilidade com uma seguimento obrigatório onde as regras mudam (como um seguimento de corrida forçado), cada fase concede uma oportunidade de de usar as ferramentas em situações diferentes.

Numa fase, a geometria da mesma muda. Em outra, você escolhe quem você gostaria de assassinar. As ferramentas e habilidades permanecem as mesmas, mas o contexto em que você as usa muda. Eu amo Doom, mas suas batalhas enjoavam porque o contexto raramente mudava: era um ciclo de combate perfeito numa série de locações diversas, mas quando aprendi a jogar, nada mudou. Eu amo Ratchet & Clank, mas não por seus seguimentos de hoverboard forçados; é uma maneira totalmente diferente de jogar o jogo que é meio que empurrada guela abaixo pela metade do jogo.

A maioria das análises fala sobre gráficos. Realmente, há um tempo, um desenvolvedor fez uma pesquisa e descobriu que gráficos eram a coisa mais abordada nas análises. Já que isso aqui é o meu blog e posso falar das coisas do jeito que quiser, vou evitar de falar dos gráficos para que eu consiga evitar ser igual a todo mundo. Tudo que irei dizer é que: cacete, essa é a melhor água de jogo da história, e eu tava tão ocupado jogando o jogo que não pude parar para tirar fotos da sua arte, o que é ruim, porque a arte desse jogo é fenomenal. Ele teve a melhor arte visual de 2016 e eu não consigo ver nenhum outro título desse ano que possa chegar perto. Eu estava ocupado demais contemplando o jogo para conseguir tirar fotos do jogo.

Dishonored 2 nunca quebra as regras que define. Invadir a oficina do Jindosh ou a mansão do Stilton significa ter que pensar em usar as mesmas ferramentas que você dominou de maneira diferente. Manter um conjunto consistente de regras ao longo do jogo ajuda ele em ser ótimo.

Já que isso teoricamente é pra ser uma análise, vou tentar evitar os spoilers. Esse jogo é ótimo. Você deve jogá-lo. Ele cumpre tudo que se propõe a fazer com uma perfeição de cair o queixo. É um jogo que, meses depois do seu lançamento, ainda me faz pensar nele. Poderá o próximo jogo da Arkane, Prey, corresponder as altas expectativas estabelecidas por Dishonored 2? Espero que sim, porque eu quero tudo fosse tão bom quanto Dishonored 2.

“Mas Doc,” você pode estar perguntando, “me disseram que o jogo tinha vários problemas técnicos!”

Eu não achei nenhum, então não posso realmente falar sobre eles além de dizer que, é, parece que mais ou menos um terço das pessoas teve problemas sérios no começo. Esses problemas, se não me engano, têm sido resolvidos com atualizações. Você deve comprar o jogo aqui e agora. É melhor que a maioria das coisas que já saíram até então. Gente, eu gosto dele mais do que de Zelda: Breath of the Wild (e eu tenho bem mais problemas de performance em Breath of the Wild, também!).

Eu tenho problemas com esse jogo? Sim.

Esses problemas podem ser divididos em duas categorias: a primeira são problemas reais que eu tive com o jogo e a segunda é o que eu queria que o jogo fosse e como me senti quando ele não correspondeu. A primeira categoria são de reclamações legítimas. A segunda categoria é mais sobre mim. Então. Mantenha isso em mente.

Quanto aos problemas reais que eu encontrei durante o jogo, duma perspectiva de jogabilidade, senti que os inimigos me detectavam um pouquinho rápido demais. Tipo… várias vezes, me encontrei numa situação onde os inimigos começavam a me detectar, mas não conseguia despistá-los sem ter que ficar me movendo devagar pela fase. Eu poderia levantar e correr, movendo-me depressa, o que me faria com certeza ser pego, ou poderia continuar a me mover devagar, ocasionalmente sendo pego antes de conseguir sumir de vista. Eu não acho que tive esse problema em Dishonored, então experienciar isso na continuação foi uma fonte de frustração.

Algumas vezes, eu matei pessoas acidentalmente. Um alvo fazia aparecer uns insetos toda vez que eu a nocauteava com dardos. Os insetos matavam ela e eu nunca conseguia descobrir como nocauteá-la furtivamente e levá-la ao objetivo não letal que eu queria.

Algumas falas não são muito bem entregues. Eu fiquei decepcionado com o trabalho do Stephen Russell nessa parte. Tem uma fala que ele tá tipo “Eu vou matar todos vocês” com uma voz grossa e potente, “… e salvar a Emily”, ele complementa, quase como uma pós consideração. É uma entrega esquisita. Eu tive um problema parecido com o último jogo; eles tinham um monte de talentos da voz, mas os atores frequentemente soavam entediados e estranhos. É melhor no Dishonored 2, mas ainda não tá lá.

No fim do jogo, eu peguei o pior final possível e achei que não merecia. Existem algumas razões pra isso: Eu matei algumas pessoas que o coração me disse serem más. Tipo, tinha um cara que era um homicida irredutível então eu matei ele, porque ninguém mais conseguiria pará-lo e ao fazer isso, salvei vidas. Pra mim, isso é sem dúvidas algo bom.

Meu pensamento foi, ei, eu era um assassino mágico na Alemanha Nazista, talvez eu mataria alguns Gestapos. Não seria melhor matar Amon Goeth (o personagem do Ralph Fiennes em A Lista de Schindler) do que deixá-lo viver? Isso é o que eu achei que o Corvo estava fazendo quando ele matava, e eu me certifiquei que ele faria isso com moderação. Aqui estou eu, lutando uma guerra de um homem só contra uma força invasora.

Em uma cena do jogo, Corvo está afirmando que ele não sabia quão ruim as coisas tinham ficado em Karnaca e ele resolve melhorar a situação depois de salvar o império. Daí, poucas fases depois, o jogo acaba, e aparentemente Corvo decide governar a mão de ferro. Não fez o mínimo sentido pra mim.

Parte do motivo pode ser que eu matei todas as bruxas do jogo. Creio que essa foi a melhor decisão a se tomar. Um amigo ficou Extremamente Chateado comigo por causa disso, coisa que me surpreende, então vou explicar o meu raciocínio.

Bruxas são mulheres as quais foram dados poderes sobrenaturais. A resposta universal delas a isso é torturar, mutilar e matar literalmente qualquer um que elas veem e que não é uma bruxa. E o pior de tudo, elas parecem gostar. Digo, quando entro num museu e descubro que os funcionários foram horrivelmente assassinados e que bruxas estão rindo disso, meu instinto é pará-las. O negócio das bruxas é que elas têm poderes, e até onde sei, não tem como tirá-los delas, encarcerá-las ou colocá-las sob julgamento.

Ter poderes faz delas perigosas. Usar esse poder para matar pessoas faz delas más. Apreciar o ato de matar faz delas monstros.

Então é claro que matei todas elas. Dishonored 2 te mostra sistematicamente os efeitos do poder delas e não houve situação alguma em que eles eram retratados como coisa boa. Tudo bem, então colocaram uma das bruxas para casar com um cara que ela não queria. Ela teve uma vida triste. Eu entendo isso. É uma bosta. Pessoas já abusaram de mim. Pessoas já tentaram me matar. Pessoas já tentaram fazer um monte de coisas horríveis comigo. Mas cê quer saber? Se alguém me viesse me oferecer super poderes para que eu matasse várias pessoas inocentes, eu não acho que eu seria uma boa pessoa se aceitasse. Não acho que conseguiria justificar isso jamais.

Então é isso.

Corvo, o Lorde Protetor do Império, o único protetor da lei que restou no mundo, eliminou diversos monstros terríveis que sacrificaram sua humanidade em troca de dizimar inocentes. Eu agi de acordo com o papel dele enquanto personagem e acredito ter feito a decisão moralmente correta. Porque a única opção restante era deixar elas viverem e matarem mais pessoas inocentes. Como eu poderia proteger as pessoas se deixasse que elas matassem as pessoas?

Claro, seria bom se tivesse algum tipo de cura mágica–uma inimiga pode ser curada da loucura dela–mas o jogo não me deu as ferramentas para tomar essas decisões. Então eu matei todas as bruxas e o jogo me puniu por isso.

Nebuloso.

Então, está me acompanhando, pode falar que “Estou exagerando demais” e você está certo. Estou exagerando demais. Eu acho que o jogo deveria tratar bruxas como ratos e que a detecção no stealth deveria ser um pouco melhor. Com esses dois ajustes eu acho que Dishonored 2 seria essencialmente perfeito.

Mas aí a gente chega no… “Eu gostaria que fosse…” que existe em mim. Eu só tô falando isso porque eu gosto de ruminar sobre os jogos. Isso não transparece tanto em Dishonored 2 ou na Arkane quanto transparece em mim. A análise acabou. Se você gostou do que leu acima, por favor compre o jogo, apoie-me no Patreon, faça o que quiser.

Se quer mais, bem… lá vamos nós.

Eu acho que a maior fraqueza de Dishonored em ambos os jogos é o seu sistema moral. Os jogos são envolventes e brilhantes porque te encorajam a planejar. Mas se você está constantemente pensando “bem, se eu fizer isso ou aquilo, eu posso pegar o pior final”, você está pensando em gamificar o sistema e tratando o jogo como um jogo. Quando você está totalmente absorvido pelo mundo, fazer decisões partindo do que você acha que o personagem faria, é muito mais satisfatório.

Tenho um problema parecido com jogatinas totalmente furtivas em jogos de stealth. Quando eu foco em passar um caminho totalmente desapercebido num jogo e eu estrago tudo, e eu imediatamente recarrego o jogo pra um momento anterior para conseguir uma performance perfeita, eu estou tratando o jogo como um jogo, e não sou mais parte da experiência.

No cinema, essa ideia é chamada de sutura. O público e o filme assinam um contrato implícito. Ambos tratarão a experiência como real no decorrer da duração da obra. É por isso que sentimos emoções poderosas quando os personagens fazem coisas–se nós pensarmos em avançar algo ou sabermos que o ator não morreu de verdade naquela cena, o filme para de parecer real, e o poder da experiência se perde.

Ao contar-nos que nossas ações influenciarão o resultado do jogo, e lembrar-nos disso durante a narrativa, os Dishonoreds rasgam a sutura, e eu, pessoalmente, gostaria que eles não fizessem isso. Você pode achar diferente.

Também tem o fato de que minha moral não necessariamente reflete a moral do jogo. Eu acho que matar Gestapos durante uma invasão é a coisa certa a se fazer em uma situação onde não há opção melhor (como a prisão). Pra mim, a Resistência Francesa durante a segunda guerra mundial é um grupo de heróis. Eles mataram pessoas. O posicionamento de Dishonored parece ser “matar pessoas, não importa o por quê, é errado”, e… meio que é uma postura válido de se tomar, mas sinto que ela ignora a realidade.

Anos atrás, me disseram que o BTK, um matador em série que estava em atividade da decada de 70 até os anos 2000, visou matar minha família antes de ser pego. Eu ainda penso sobre o que poderia ter acontecido caso ele não tivesse sido pego. Eu gosto de pensar que eu teria revidado. Se ele tentasse nos matar, e eu me defendesse dele, e matasse ele, eu seria tão mau quanto ele? Não. Ele matava por um prazer sexual. Eu o mataria por legítima defesa.

Pra mim, ao sugerir que todas as mortes são iguais, Dishonored não está apenas rasgando a sutura, mas está recorrendo à Falácia do Cinza, que é a ideia de que duas pessoas que fizeram o mal estão igualmente erradas. Uma pessoa que disse “você é um babaca” para um assaltante que a esfaqueou e roubou sua carteira é tão culpada quanto o assaltante.

Sendo mortes o fator principal para determinar se o final do jogo será bom ou ruim (e que fique claro, o jogo tem um inúmeros finais baseados em todas as suas ações; Dishonored é um jogo super responsivo ao que você faz! Isso é só um único aspecto específico que eu não gosto!), Dishonored, principalmente Dishonored 2, está assumindo opinião de que toda morte é moralmente equivalente.

Matar é ruim, não matar é bom.

Uma das razões que me fizeram amar Dishonored foi que, frequentemente, não matar alguém era um destino pior que a morte. Vários jogos têm mortes não letais, que são funcionalmente identicas a uma morte. Poucos jogos verdadeiramente ótimos, como Bioshock 2, permitem escolhas não letais que mudam a sua relação com personagens no jogo, o que é brilhante.

Dishonored te permite cumprir a justiça. Tipo, olha só, aqui tem um cara que está usando as instituições religiosas de Dunwall para ferir as pessoas, então taxe-o de herege para que ele saiba como é estar na pele das pessoas que ele veio perseguindo esse tempo todo. Alguns destinos não são tão crueis: Eu poupei Daud, o assassino. Outros destinos são piores: Lady Boyle foi entrege ao seu stalker. É um destino nojento e aterrorizante e nós poderíamos debater sobre se ela merecia isso ou não, mas pra mim, isso é o que fez o jogo ser tão interessante.

Muitos desenvolvedores fazem jogos onde você pode ser letal ou não letal, e o final não letal é tratado como a opção invariavelmente moralmente superior, não importando os resultados disso. Dishonored requer que você pense na escolhe correta; A Lady Boyle merece morrer? Ela merece ser entregue a esse homem horrível?

Subverter a tradição do “não letal é bom, letal é mau” foi parte do que me fez achar Dishonored um jogo ótimo, mas em Dishonored 2, as opções não letais são um tanto… sempre boas? Falando de cabeça agora, você pode ou matar uma pessoa ou curá-la da doença mental que faz dela uma pessoa má. Você pode matar um cara, ou você pode nocauteá-lo, o que impede ele de ir numa coisa, ou você pode deixá-lo ir e ele fica maluco. Você pode remover os poderes de uma bruxa. Não mandá-la pra prisão, não impedi-la de ajudar a Delilah. Só… tira os poderes dela, o que é uma porcaria, mas não o fim do mundo.

Parece que Dishonored 2 é muito mais bonzinho com seus vilões. Matá-los é ruim, salvá-los é, bem, bom pra eles, mas não está ligado a justiça ou misericórdia. Só te faz se sentir bem consigo mesmo por não ser um assassino. As escolhas difíceis foram poucas e dispersas. E pra mim, aí que tá o problema. Para as outras pessoas, tenho certeza que não é nada demais. Tudo que posso fazer é ilustrar a minha própria posição.

Eu não sou uma daquelas pessoas que quer que tudo tenha o mesmo tom de cinza, beleza? Eu odeio quando os jogos me dão opções, e ambas levam a resultados igualmente ruins. Mas ao mesmo tempo, eu gosto de tomar decisões difíceis, e com Dishonored 1, senti que devia poupar algumas pessoas e matar outras. Com Dishonored 2, eu tentei poupar as pessoas sempre.

Isso inclui a própria Delilah. O jogo claramente demonstra que ela é uma pessoa má, mas ele se sabota explicando a história de origem dela. Ele tenta a todo instante fazer dela uma pessoa simpática–ela sempre foi uma filha bastarda do Imperador. Pode-se argumentar que o trono pertence a ela. Ela foi muito injustiçada.

Mas você tem que lembrar que ela também matou muita gente, arruinou o império, torturou pessoas, destruiu a economia local e arruinou vidas e assim por diante. Viver nas mãos delas é ruim. Mas o jogo meio que deixa isso como plano de fundo. Quando ele fala da Delilah, fala da Delilah vítima, a Delilah mulher que tomou o poder pra si. Ele mostra timidamente o que ela fez, mas se envergonha de dizer explicitamente “essa é a Delilah de verdade. Ela é um monstro.”

Como alguém que já passou pelo inferno, eu acredito veementemente que você é a pessoa que escolhe ser. A Delilah é desprezível porque ela escolheu ser um monstro, mas eu senti que Dishonored 2 ficou tentando empurrar um “bem, não é exatamente culpa dela que ela é uma pessoa má, porque um monte de gente foi mau com ela.” Não. Não. Nós não podemos deixá-la se safar de matar, torturar, transformar pessoas em pedra e destruir Dunwall.

(daqui pra frente, todas as capturas de tela serão do primeiro Dishonored; eu não tava brincando quando disse que eu tava ocupado demais contemplando Dishonored 2 pra tirar fotos dele)

Eu acho que eu teria gostado muito mais do jogo se ele não tivesse tentado justificar suas ações. É como jogar um jogo sobre a segunda guerra mundial que tá sempre tentando personificar Hitler nos contando como a infância dele foi difícil, ou explicando como o injusto Tratado de Versalhes fez os alemães ficarem bravos com o mundo, ou qualquer coisa do tipo. Tipo, quer saber? Não importa o quão humanos nós formos, algumas pessoas são simplesmente más. Não temos que ter empatia com elas.

A Delilah não é resgatável. Suas ações são descaradas, mas Dishonored 2 fica passando pano pra ela tentando nos contar do seu passado. Ela trouxe monstros sanguinários ao mundo e transformou tanto Karnaca quanto Dunwall em distopias. Ela não merece ter sua história contada. Ela rejeitou todas as oportunidades de ser perdoada há muito tempo.

De novo, é o problema da Falácia do Cinza. O jogo parece tratar as injustiças feitas a ela como se tivesse o mesmo peso da monstruosidade do seu governo. Ela está literalmente tentando usar magia para destruir todo mundo e o jogo fica “bem, sim, mas ela também foi rejeitado pelo pai e usada por outros sujeitos, então fica quite, eu acho”.

Se você jogou o jogo, talvez tenha sinta algo diferente. De boa. Isso é só como eu interpreto o jogo.

Se você esqueceu o quanto eu amo esse jogo, lembre-se que a minha primeira frase foi literalmente: “Dishonored 2 é o jogo que te dão quando uma equipe dos criadores mais talentosos do mundo no pico do seu potencial põe seu coração e alma dentro de algo.”

Isso com certeza é só um detalhe, mas é complicado, então leva muitas palavras pra explicar. Até escrevendo isso eu me sinto “eita, será que tô sendo negativo demais?” porque volume estrondoso de palavras faz parecer com que tenha mais negatividade do que de fato tem. Sinceramente, se você tem alguma opinião sobre isso, pode mandar uma mensagem pra esse tumblr clicando no “pergunte-nos qualquer coisa” lá encima. Eu vou responder e podemos conversar sobre isso. Falar sobre como os jogos lidam com a moralidade é super interessante pra mim.

Certo, então isso tudo foi a parte moral.

Eu tenho umas reclamações sobre a mecânica, também.

Então, Dishonored 2 é um immersive sim. Uma imensidade de gente de um monte de opiniões diferentes sobre o que isso significa. Tipo, eu te digo que Gone Home não é um immersive sim nem por um baralho, mas Steve Gaynor dirá o contrário (e ele está errado!).

Na GDC, Steve Lee, um dos level designers de Dishonored 2, deu uma ótima palestra (que você deve assistir se puder) que me fez pensar. Uma coisa que ele disse me fez pensar no quão centralizada em ferramentas a Arkane é. Tipo, a abordagem de game design da Arkane é basicamente dar aos jogadores um monte de ferramentas interessantes pra fazer coisas. Essa é a opinião da Arkane sobre o que é um immersive sim.

É uma filosofia que ouvi de muitas pessoas, não só de pessoas falando da Arkane, mas é também uma opinião que não posso fazer nada além de achar errada.

Veja bem… quando joguei Dishonored pela primeira vez, eu levei certo tempo para penetrá-lo. Eu fiquei jogando ele como se fosse um jogo da Looking Glass, e tinha alguma coisa me afastando dele. Só depois de perceber que ele era bastante Focado em Ferramentas do Jogador que ele ficou mais palatável. “Aa tááá, esse jogo é sobre fazer planos e usar as ferramentas para executá-los. Agora tudo faz sentido.”

Far Cry 2 também usa essa abordagem, e eu conheço um monte de gente que acha que Far Cry 2 é um immersive sim, também.

Então, vejam bem, eu sei que sou só um cara sentado no sofá do meu apartamento procurando por um emprego em algum lugar, e não alguém que poderia ser considerado uma autoridade no assunto, mas gostaria de argumentar que essa definição focada em ferramentas é uma interpretação incompleta do gênero. Na verdade, acho que quase todas as definições de “immersive sim” que tem por aí… hm…

Você conhece a história do homem cego e o elefante? Cada homem cego diz que o elefante é uma coisa diferente, porque ele só toca uma parte do animal? Eu acho que um immersive sim é assim.

Muito tempo atrás, eu estava ouvindo um podcast com Paul Neurath. Você talvez o conheça como o cara por trás da Looking Glass, o estúdio que inventou o immersive sim. O cara sabe o que diz quando está falando sobre o gênero. Uma coisa que ouvi ele dizer diversas vezes ao longo dos anos, é como ele quer ter certeza que as pessoas que jogam os jogos dele possam tratar as situações como se fossem reais.

Assista ao vídeo de Kickstarter do último projeto dele, o Underworld Ascendant. Repare que tem um tema comum que fala sobre o jogo ser sobre como você pode estar neste lugar e se relacionar com ele de forma natural.

Quando eu jogo Far Cry 2, estou bem ciente da mão do designer. Cada abrigo é a mesma coisa. Tem uma fórmula aí, uma espécie de repetição. As bases são todas funcionalmente idênticas. Far Cry 2 tem muito essa coisa meio que… discreta, repetitiva que parece artificial. Sim, você tem ferramentas legais e sim, você pode fazer coisas bacanas com as que são surpreendentes e gostosas, mas pelo fato do jogo ser tão gamificado, tudo vira só… você, sentado em frente ao seu computador, brincando com ferramentas divertidas.

Os jogos da Looking Glass eram muito melhores que isso. O Far Cry 2 se mistura nas minhas memórias. Os jogos de Dishonored se destacam mais porque eles têm situações impecavelmente únicas, mas muitas vezes eu fico tipo… eu ainda tô jogando um jogo. O sistema moral é grande culpado disso, e é por isso que passei tanto tempo falando dele. Ele me tira do mundo do jogo, me faz pensar em gameficar o jogo, ao invés de só ser uma pessoa tendo reações naturais no espaço.

Em System Shock, Ultima Underworld e Thief, eu sempre senti que eu estava habitando o meu personagem, fazendo as escolhas que pra mim tinham mais sentido. É sobre estar lá. Quando eu li sobre como a Looking Glass aplicou a lógica de simuladores de voos ao RPG e concebeu o immersive sim… isso fez total sentido pra mim. Eu cresci com simuladores de voo. Durante a maior parte da minha adolescência, simuladores de voo eram os únicos jogos que me permitiam ter. Minhas prioridades pessoal tendem imensamente à simulação.

Eu poderia ser outro homem cego, tateando o elefante, mas eu acho que talvez meu histórico com simulação de voo (quando podia programar, costumava fazer mods para MSFS o tempo todo; até reescrevi o sistema de fumaça do jogo para que eu pudesse atirar nela) significa que eu o “manjo”.

Gone Home é um jogo com som não diegético numa casa que não tem sentido naturalístico. Não é um immersive sim, é uma instalação artística. Far Cry 2 é um jogo bem legal com um foco em sistemas bem único, não é um immersive sim. Dishonored 2… às vezes é um immersive sim, às vezes não é. Nos momentos em que estou absorto no mundo, tomando decisões porque tenho que me tornar o Corvo e essas são as decisões que o Corvo toma, ele é sublime. Quando ele me arranca disso, rasgando a sutura, pra que eu saiba que minhas decisões serão somadas no final, eu fico frustrado, talvez mais do que devia.

(como um aparte, acho que o único jogo que alcançou o patamar da Looking Glass foi o STALKER: Shadow of Chernobyl e talvez Clear Sky. Call of Pripyat definitivamente não o fez, porque esse é o jogo em que a GSC Game World decidiu escutar os fãs e gamificar ao máximo, ao invés de criar uma simulação)

Eu acho que ter elementos de simulação é um componente importantíssimo para um immersive sim. Não um simulador, preste muita atenção–não tô falando sobre um jogo chato sobre comportamentos da vida real–, mas sim uma simulação. Acho que quando as pessoas criam um mundo vivo, que respira, onde os habitantes (ele precisa ter habitantes) respondem-lhe de maneira natural, mesmo sendo criaturas fantásticas em um mundo mágico, elas criam um immersive sim.

Ferramentas não são o foco, pelo menos não tanto quanto são componentes necessários da simulação. Breath of the Wild é, de certo modo, o melhor immersive sim em anos. O fogo queima a madeira porque fogo queima madeira. O calor aumenta, porque é isso que o calor faz. Ferramentas existem para aproveitar o naturalismo do jogo. Metal Gear Sold V é outro jogo que segue esse caminho. Ferramentas são meios de aprimorar o naturalismo, e é isso que cria o senso de imersão na simulação, dando-nos o immersive sim.

Tipo, é legal poder virar uns ratos ou teleportar e tal em Dishonored 2, mas eu sinto que um immersive sim leva as coisas mais adiante. Ele é um dos melhores jogos já feitos. Eu defendo isso. Minha paixão por ele não diminuiu. É uma obra prima, uma obra prima literal, mas… sei lá, algo na minha cabeça não quer dizer que ele é um immersive sim? Ainda parece bem pensado. Imaculadamente bem pensado, com certeza.

Eu sou extremamente grato pela confiança que a Arkane põe em mim enquanto jogador. Eu amei eles terem me dado tantas ferramentas incríveis para trabalhar, ao invés de terem exercido controle autoral sobre a minha experiência. Eu literalmente não consigo expressar o quanto eu amo este jogo. Ele é tão bom, que todos vocês, todo mundo devia jogar.

Se ele é ou não um “verdadeiro” immersive sim é uma das coisas que gostaria de discutir com o pessoal num bom churrasco. Eu estou serpeando, eu sei. E eu tenho certeza que muitas as pessoas que jogaram ou fizeram mais immersive sims que eu têm suas opiniões sobre isso.

Ao menos, o que posso dizer é que o que eu pessoalmente mais valorizo em um immersive sim não está aqui no Dishonored 2.

Eu sei que é um pouco deselegante fazer analogia com comida, mas… se Dishonored 2 é o melhor churrasco texano do mundo, tudo que digo é que ele não um churrasco de Kansas City. Sim, ele é churrasco. Sim, ele é literalmente perfeito. Mas tem um pouquinho só de conteúdo a menos do que eu espero quando falo “eu quero um churrasco”. Gente que diz que ele é churrasco não estão necessariamente erradas, mas estamos falando de coisas diferentes.

Então isso é Dishonored 2. Um dos melhores jogos que já joguei, em muitos sentidos. Um jogo que, de uma visão de jogabilidade apenas, é inigualável em sua genialidade. Eu gostaria de ver o próximo Elder Scrolls pegando bastante coisa emprestada do seu sistema de combate, não vou mentir. Eu tenho algumas pequenas implicâncias, mas a maioria delas são pessoais e têm a ver com minhas opiniões sobre moralidade e classificação de gênero.

Isso aqui é uma análise, então. Ei! Compre. Tenho certeza que irá adorar assim como eu.

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Gabriel Thomé
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Game Designer de papel e caneta, às vezes de mouse e teclado também.