Sonic, o Ouriço Mais Sincero do Mundo

Amir al-Aaser — 18 de Novembro de 2017

Gabriel Thomé
Published in
8 min readMar 13, 2018

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O texto a seguir é uma tradução não oficial de “Sonic, the Most Sincere Hedgehog in the World”, originalmente escrito por Amir al-Aaser. Para ler o texto original clique aqui. Para visualizar a campanha de apoio coletivo do autor use este link. Para mais conteúdo e informação sobre esse autor, visite seu canal no Youtube e sua conta no Twitter.

“Não fique aí parado desperdiçando seu tempo precioso. Quando quiser fazer algo, faça logo. Faça enquanto pode. É a única maneira de viver uma vida sem arrependimentos.”

Você já chegou a amar algo querençosamente quando criança? Algo que carregava por aí e que te confortava. Daí chegou a hora de crescer e deixar de lado as coisas de criança, hora de largar os brinquedos.

Quando criança, eu amava Sonic the Hedgehog. Tive contato com os jogos através de pirataria, coleções baratas para pc e emulações defeituosas, mas isso nunca tirou a graça do jogo. Sonic foi minha porta de entrada para música quando adolescente — uma coisa que fazia muito era segurar o gravador de áudio em frente à TV pra gravar a música do Hang Castle e acumulei uma volumosa coleção de canções antes mesmo de adquirir meu primeiro CD.

Sonic determinou pra mim o que são jogos, minha relação com comunidades de fãs e até mesmo minha estética. E apesar de me prender a vários outros apegos “infantis”, deixei o Sonic para trás na minha tentativa de ser adulto.

Sonic, pelo que me diziam, era um lixo. Uma série infantil que falhou em fazer a transição para o 3D. Seus esforços narrativos eram juvenis, a jogabilidade, fraca e é possível que ele nunca tenha sido bom pra começo de conversa.

Tava na hora de crescer e jogar jogos de adulto, jogos sobre armas nucleares bípedes, terrorismo e geopolítica. Tava na hora de jogar jogos artísticos sobre o seu primo imigrante que não para de te chamar pra jogar boliche. Jogos que você apunhala monstros de pedra na cabeça para salvar a sua namorada, ou jogos que você protege sua filha adotiva, ou os que você protege sua filha adotiva que é na verdade sua filha biológica, daí sente O Fardo do Homem Branco e abre portais para realidades alternativas onde revoluções de escravos são tão ruins quanto a escravatura em si.

E por um tempo, eu fui assim. Eu fui o missionário dessa mídia, que dizia a todos que quisessem — e a vários que não queriam — ouvir o quão valiosas são as conquistas artísticas dos games. Maravilhei-me diante da ideia de poder refletir sobre os jogos de forma mais profunda que pontuações numeradas para gráficos/jogabilidade/história/som. Chegou uma hora que eu refleti tanto que meus pensamentos me encurralaram. Então eu observei meus arredores e me perguntei “onde eu estou?”.

“O Sonic corre pelos campos verdes. O Sol corre pelo céu azul cheio de nuvens brancas. O seu coração é como o sol. O Sonic corre, dorme e se recompõe; O Sol nasce, brilha se põe. Não amarele para o Sol. Não deixe o sol rir da sua cara.”

Alguns anos atrás eu comecei a escrever sobre jogos. Eu até escrevia antes disso, mas recomecei com garra, levando a coisa a séria e pretendendo me destacar nisso. Um efeito colateral de ser um escritor é que você começa a revirar tudo que acontece na sua vida em busca de uma história. Toda visita, toda memória. Comecei a refletir mais, não só sobre jogos, mas também dos lugares que eles se valem e do lugar que eu tenho dentro deles.

Li mais. Achei a redação de Zolani Stewart sobre Sonic Adventure e me perguntei se, na euforia de me tornar um crítico, eu estaria propenso a escrever sobre algo de maneira a fazer parecer muito mais interessante do que eu achei de fato. Questionei-me se teria deixado passar algo importante para mim.

“Temos que Manter o Sonho Vivo: Cartões postais de Sonic R”

Então eu dei uma chance a todos os jogos que ignorei e revisitei os que eram importantíssimos para mim. Eu meditei naqueles lugares. Fotografei-os. Escrevi sobre isso.

Um passeio pela Seaside Hill e no Ocean Palace do Sonic Heroes

Tudo isso me fez valorizar tanto a série quanto o personagem. A ironia é que retornar ao Sonic me ensinou a ir mais devagar. A apreciar as paisagens e me familiarizar como as locações se conectavam de maneira esquisita.

Aprender a jogar um Sonic é como jogar um jogo que é metade pinball, metade de corrida. Existem conceitos que são conhecimento comum, mas toda vez que joguei precisei me familiarizar com as regras e o que exatamente elas queriam de mim. Partindo daí eu pude estudar o mapa e praticar ele até aperfeiçoar meu trajeto.

O estilo de Sonic foi influenciado por artistas populares como Eizen Suzuki (à esquerda). Arte promocional de Sonic the Screensaver (à direita).

Desconsiderando sua estética inalienável e trilha sonora fenomenal, Sonic não tem coesão alguma. É uma fonte de deslumbre e frustração infinita. Sonic pode estar condenado a ser para sempre comparado ao mascote bigodudo da Nintendo, mas a série em si tem muito mais a ver com os jogos do Kirby. Tanto o Kirby quanto o Sonic têm um histórico de experimentação radical, graças, em parte, às suas formas arredondadas.

O Kirby já esteve num pinball, num pseudo-golfe, dividiu-se em dez partes, andou de skate voador, virou um fio, virou argila, se meteu em porradaria (várias vezes) e ééé jogou Puyo Puyo.

O Sonic já esteve num pinball, numa continuação do Flicky, andou de skate voador, de carro (várias vezes), se meteu em porradaria (várias vezes) e ééé jogou Puyo Puyo (várias vezes).

Kirby e Sonic têm em comum histórias de experimentação e pinball.

Ao contrário do Kirby, o Sonic não tem um alicerce estável a qual pode retornar e se reafirmar. Existem pouquíssimas ideias que são principais e como a série existe por tanto tempo e ganhou fãs de tantas gerações diferentes que raramente há consenso sobre o que é ou não um bom Sonic.

Sonic é uma discussão ideológica imensurável. Isso não é um problema intrínseco, mas é muito difícil de debater quando os objetos de debate não são unanimemente aceitos. Logo as pessoas não reagirão de forma crítica, mas na base do reflexo. Os jogos mais novos serão desprezados logo de cara e os defensores deles aparecerão. Como ficarão na defensiva, isso será usado de argumento para dizer que quem gosta desses jogos é incapaz de pensar analiticamente.

É um tipo específico de oratória recursiva nutrida nos videogames. Argumentos mal pensados são levantados tão frequentemente que são interpretados como conhecimento objetivo, e difamados por acusações de tribalismo corporativista que só podem ser feitas numa cultura profundamente atada à identidade consumista.

Mas mesmo deixando isso de lado, Sonic tem um erro enorme que se sobressai: Sonic é ridiculamente inocente.

Não necessariamente os jogos, ou as pessoas que os fazem, mas o personagem em si. As primeiras palavras do Sonic em Sonic Adventure são “Uau tá acontecendo!” e como Zolani destaca nos seus textos sobre Adventure e Sonic ’06, o Sonic dissipa a gravidade ou seriedade de uma situação. É geralmente papel dos outros personagens o de preocuparem-se e lembrá-lo da gravidade dos acontecimentos. E mesmo assim, tem chances dele não dar atenção e manter a mesma confiança e ousadia que só um adolescente teria.

Essa é sua melhor qualidade.

Num mundo dominado pelo pensamento pós-moderno, a ironia tornou-se uma das ferramentas mais preciosas dos meios de comunicação atuais. Seja na pintura, comédia, manchetes online ou memes eternos, o mundo moderno nos treinou a interagir com tudo numa postura irônica. Escondemos nossas vulnerabilidades atrás dela, executamos um exercício de desapego para mostrar que somos à prova de ingenuidade. Em um meio como esse, mostrar sinceridade vira algo perigoso. Envolver-se sinceramente de coração aberto é virar um alvo.

Sonic the Hedgehog é dolorosa e maravilhosamente sincero.

Sonic é sincero de uma maneira que só se é na adolescência — onde a originalidade é quem manda e suas expectativas não foram abafadas pelo cinismo da maioridade.

Sonic é uma realidade emocional na qual toda emoção existe no auge de sua vivacidade.

Sonic é exatamente o tipo de personagem que é torturado durante meses e volta fazendo piadas na cena seguinte.

“Para viver uma vida de poder, você deve crer que o que você acredita é certo, mesmo se os outros te dizerem que é errado. A primeira coisa que deve fazer para viver uma vida de poder é encontrar coragem. Você deve se preparar para ultrapassar as barreiras do tempo. E para fazer isso, tudo que precisa é dar o primeiro passo…”

Sonic é tão sincero que faz total sentido a capa do jogo te dizer pra viver o momento, viver uma vida poder — do contrário se arrependerá e verá o Sol rir da sua cara.

Sonic corre até mais rápido quando é impulsionado pelo poder da amizade — que é tão poderoso que faz tocar músicas de roque em todo clímax narrativo.

Sonic tem o poder de Deus e do Anime ao seu lado.

Tente jogar cinismo ou ironia pra cima do Sonic e eles cairão por terra. Sonic se recusa a ser qualquer coisa que senão sincero ou otimista mesmo nas piores horas. Nós não temos tempo pra coisas assim hoje em dia. Elas soam fúteis ou vazias. Mas quando larguei mão desse cinismo e me envolvi com o personagem aberta e sinceramente, descobri que havia esquecido muito do que amava. E ainda descobri que tinha muita coisa que não tinha visto e achei coisas novas para apreciar.

Tem algo profundamente aconchegante em correr pelo mundo do Sonic. Algo cheio de energia contagiante. Para achar esse algo só precisei ser sincero e voltar a me permitir. Acho que o que quero dizer é:

Abra seu coração e verá.

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Gabriel Thomé

Game Designer de papel e caneta, às vezes de mouse e teclado também.