A Busca pelo Inalcançável: Beleza Americana

Letícia Kling
PULPLACE
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3 min readSep 5, 2017

Um dos filmes mais celebrados da história, aclamado como o mais perto da perfeição cinematográfica que já chegamos e indiscutivelmente um clássico obrigatório, foi a estréia do diretor britânico Sam Mendes e conta com o talentoso Kevin Spacey no papel principal. Incontáveis análises já foram feitas sobre o filme, mas sinto falta de uma análise do próprio título, “Beleza Americana”, uma vez que todo o significado do filme é encontrado nele.

O filme é introduzido com a problemática do funcionamento da masculinidade na sociedade média americana, vale lembrar que no fim do século XX a vaidade masculina era encarada de uma maneira diferente da que fazemos atualmente (mesmo que ainda exista uma série de preconceitos quanto a isso, talvez isso seja minha versão dentro da bolha falando, mas isso é assunto pra outro texto), em 1999, quando o filme foi gravado, o desejo do personagem principal de alcançar a beleza verdadeira era visto até mesmo como uma “falha” dessa masculinidade imposta socialmente, que afeta não apenas o indivíduo que recebe essas informações, como este passa para que está ao seu redor; quando assistimos Lester ir atrás de seu sonho (que no fundo também é o nosso) percebemos que tudo em sua vida começa a desmoronar, prova disso é a rosa, que aparece constantemente no filme, cada vez mais despedaçada, as pétalas soltas.

Mas mesmo assim, o que torna o filme uma demonstração da beleza americana? Qual é a crítica que ele deseja passar?

É a manipulação do que é bonito, é o fato de sacola só ser bonita pois foi capturada por uma câmera e está sendo exibida em uma televisão. Se nos deparamos com uma sacola voando com o vento no nosso cotidiano, na “vida real” levamos isso como um fato banal, nem nos damos ao trabalho de prestar atenção nessas peculiaridades, há quase uma idealização, uma fetichização do material na tentativa de fazer como que um objeto X se torne um poema. E chamo de manipulação exatamente pelo fato de a cena ser exibida por um televisor, é a beleza inalcançável, a beleza americana, algo com que a possibilidade de interação inexiste é o que a torna bonita, isso é mostrado no filme em outros momentos, como a necessidade de Lester de demonstrar seu afeto por Angela e não poder fazê-lo, e isso segue até a morte dele, quando seu corpo ensanguentado é encontrado por Ricky, este tem uma imediata expressão de prazer, explicitando o quanto a impossibilidade de interação é o atrativo da coisa, a frase de Nietzsche encaixa perfeitamente nisso, “amamos o desejo e não o desejado”. Esse mesmo conceito foi aplicado no filme “Closer” de 2004:

“É mentira. É um monte de estranhos tristes fotografados lindamente, e … todos que apreciam a arte dizem que é lindo porque é isso que eles querem ver. Mas as pessoas nas fotos estão tristes e sozinhas … Mas as imagens tornam o mundo parecendo bonito, então … a exposição é reconfortante, o que a torna uma mentira, e todos adoram uma grande mentira.”

Podemos nos aprofundar ainda mais nesse tema, consigo fazer uma ligação dessa manipulação com o crescimento constante do individualismo. É assustador pensar que a vida em sociedade é baseada inteiramente em imagens, no que desejamos transmitir não só no cara a cara mas principalmente nas redes sociais, onde a vida transmitida por imagens tem significado literal e se mostra cada dia mais como uma problemática. Tudo é mais bonito por trás de uma lente, idealizamos que nossa vida seja tão bonita quanto todos aqueles feeds do Instagram, que os relacionamentos sejam tão perfeitos como pareçam ser no virtual, e vejo esse como o motivo do acúmulo de frustrações na vida das pessoas, a busca pelo irrealizável é fonte somente disso.

Para mim, Beleza Americana é uma fonte prazerosa de reflexão, e é para isso que precisamos do cinema, para nos fazer refletir, criticar, evoluir intelectualmente, assim como qualquer outra forma de arte, e não ter puramente propósitos estéticos e ser um tapa buraco temporário do nosso vazio existencial.

Nota 10 (sério).

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Letícia Kling
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