Atuando em paz, crise e conflito: a Infantaria de Laís Santos Araújo

Diretora e roteirista alagoana fala sobre seu segunda curta de ficção, que obteve reconhecimento nacional e internacional.

Vitória de Alencar
PUNHO
6 min readSep 13, 2023

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Nos bastidores: Laís e Francisco Nunes, que interpreta Dudu (Foto: Renata Baracho)

É final de janeiro e estou no apartamento de Laís, onde estamos fazendo uma consultoria de roteiro para o meu primeiro curta documental. Ela me faz perguntas que me ajudam a enxergar melhor meu filme e o que eu quero dele. A gente conversa, troca ideia, ela me provoca, me indica referências. Laís é ótima.

Sempre a admirei muito e seu primeiro filme, o curta-metragem documental Cidade Líquida, foi uma das referências para o meu TCC em Jornalismo. Lembro de quando assisti seu primeiro curta de ficção, Como ficamos da mesma altura, em 2019, na Mostra Sururu. Naquele dia eu me vi na personagem Laura, largada no sofá, do mesmo jeito que eu passava minhas férias na casa da minha avó em Palmeira dos Índios.

Lá em janeiro, Infantaria vinha de uma série de passagens por festivais de cinema brasileiros e colecionava alguns vários prêmios. Estreando em Curitiba, no Olhar de Cinema, o filme seguiu para o Festival de Vitória (onde ganhou o Prêmio da ABD de Melhor Curta-metragem); CineCeará (premiado em Melhor Direção pelo Júri Oficial e Melhor Filme nas categorias Prêmio da Crítica e Prêmio Imprensa); CineBH e FestCurtasBH; Circuito Penedo 2022 (recebendo Menção Honrosa de Melhor Curta-metragem); 13ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano (levando seis prêmios e uma menção honrosa); Curta Cinema (Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro); e o Festival de Cinema de Tiradentes. E esse foi só o começo.

Quando fala do reconhecimento nacional e internacional, Laís destaca a importância de sua equipe. “É bom demais ver um trabalho andando por aí, e ver o reconhecimento do trabalho de uma equipe que fez muito pelo filme” conta.

Alguns dias depois da nossa consultoria, Laís embarcou para Berlim, na Alemanha, onde Infantaria foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Berlim, o Berlinale — e também ganhou o prêmio do júri oficial de Melhor Filme Curta-Metragem da Mostra Generation 14plus.

Pethrus Tibúrcio (assistente de direção), Laís Santos Araújo (diretora) e Pedro Krull (produtor) após ganharem o prêmio de Melhor Filme Curta-metragem da Mostra Generation 14plus do Berlinale (Foto: Divulgação Berlinale)

Quando questionada sobre a inspiração para criar Infantaria, Laís conta que apesar de ser sua segunda ficção, o filme é desdobramento de um dos primeiros roteiros que ela escreveu para cinema, em 2016. “Era um filme de estrada que curiosamente terminava na Barra de São Miguel, local onde gravamos Infantaria”, lembra.

“Antes disso, como jornalista, havia feito um hotsite especial sobre o aborto no Brasil para o Diário de Pernambuco. Nesta matéria, entrevistei todo mundo: quem já tinha abortado, quem realizava aborto, li os materiais do Ministério da Saúde, entendi sobre a objeção de consciência e seu uso errado e, enfim, mergulhei em diversos protocolos e dados. Essa pesquisa em si já vinha de um desejo que tinha de tratar do tema, e isso se estendeu para o cinema”, explica a diretora.

“Esteticamente, é um filme que experimentei meu desejo por um certo artificialismo cenográfico baseado no real nordestino, que brinquei com uma certa fluidez entre o realismo e o fantástico, e os significados que são possíveis de serem incluídos no quadro cinematográfico.”

Laís ainda comenta que quis tratar sobre o aborto e saúde reprodutiva de mulheres sem transformar o filme em algo rígido moralmente ou impossibilitado de ter desdobramentos “negativos” por causa do assunto abordado — nisso ela não anda muito interessada. “Também quis trabalhar com a mistura de um excelente elenco jovem e sem experiência com a Ane Oliva, grande atriz, e brincar de juntar uma certa violência com o bonito, o mágico”, relata.

Mulher deitada em cima de uma toalha com estampa de onça, com seu filho e filha, tomando sol à beira do rio.
A atriz Ane Oliva com Francisco Nunes e Ana Luiza Ferreira, seus filhos Dudu e Joana na trama (Foto: Renata Baracho)

Quando assisti Infantaria pela primeira vez, enxerguei várias problemáticas sociais, lembrando de como as coisas são sentidas profundamente quando temos a idade dos protagonistas — e ao mesmo tempo não temos o repertório para nomear esses sentimentos. Por isso, perguntei quais discussões Laís quis abordar e como ela definiria o filme. Ela me respondeu que quis fazer um filme que ela gostaria de assistir.

“E eu curto coisas de pontos de vista totalmente alheios ao meu e que contradizem o que eu penso, mas também há o desejo de se identificar com o que há na minha frente, e foi este o caso do Infantaria. Eu quis abordar as questões miúdas e grandes da etapa de vida da protagonista, Joana. Acabou que tem um bocado de coisa lá: menstruação, primeiro beijo, conflito entre irmãos, pai ausente, gravidez, aborto… é bastante coisa quando se coloca, assim, listado, mas acredito que consegui criar uma narrativa em que isso acontece de modo natural”, reflete a alagoana.

“Eu diria que é um filme de amadurecimento, um drama familiar e juvenil.”

Falando sobre a abordagem, Laís conta que pensou mais no âmbito dos processos que Joana passaria naquela fase da vida e condensou isso no fim de semana em que o filme se passa, do que em termos de discussões. “Mas tenho a consciência de que esses processos, por serem tão anuviados pela forma como os tratamos socialmente, são políticos por si só”, ressalta.

Por fim, um desejo: “tenho vontade, porém, que meu fazer artístico e político não sejam tão indivisíveis, que andem mais em paralelo: quero ver e fazer filmes que existam dentro de seu próprio universo, com as lógicas do universo do filme, e não a lógica do mundo ideal. O final do filme é um aceno a isso”.

Novos passos

Depois do nosso encontro, além do prêmio no Berlinale, Infantaria seguiu para a Competição Internacional do Festival Internacional de Cinema de Dresden (Alemanha); o Ficci — Festival Internacional de Cine de Cartagena de Indias (Colômbia); passando também no Curta Taquary (Garanhuns/PE), onde foi premiado por Melhor Direção de Arte (Lyara Cavalcanti) e Melhor Atriz (Ana Luiza Ferreira).

O filme também foi selecionado para o Vienna Shorts (Áustria) e o Palm Springs International ShortFest (Califórnia/EUA), dentro da sessão Growing Pains, onde ganhou Menção Honrosa de Melhor Filme Internacional. De volta ao Brasil, o filme foi selecionado para a 22ª edição do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, sendo um dos seis finalistas do Troféu Grande Otelo. Agora, Infantaria segue para a Bélgica, representando o Brasil na mostra competitiva do Festival Cut To: Gent, e em outubro realiza sua première asiática, no Kaohsiung Film Festival, em Taiwan.

Laís Santos Araújo (1993) é diretora e roteirista de Maceió, Alagoas. Seu primeiro curta-metragem de ficção “Como ficamos da mesma altura” foi selecionado para o Festival de Rotterdam (2020). Seu roteiro de longa “Marina” recebeu prêmio de desenvolvimento do Hubert Bals Fund (Holanda), de melhor roteiro no Nederlands Film Festival (NFF) e também foi selecionado para o mercado curatorial CineMart (IFFR) e para o laboratório Porto Iracema das Artes, onde recebeu tutoria de Karim Ainouz, Nina Kopko e Sérgio Machado. Ganhou prêmio de desenvolvimento de Novos Roteiristas do Ministério da Cultura (2017). Fundou a Aguda Cinema (2015), onde também atua como produtora de filmes e de projetos de formação, entre eles o Sala de Roteiros. Seu curta documental Cidade Líquida (2015) faz parte do acervo/streaming do Canal Futura, do SPCine e da Conspiração Filmes (Hysteria). Quando estudante, ganhou 5 vezes o Festival do Minuto e participou do Geração Futura (Fundação Roberto Marinho). Atualmente, Laís é roteirista da série Lama dos Dias, junto a Hilton Lacerda, DJ Dolores e Dillner Gomes, e também atua como diretora assistente na etapa de produção (Canal Brasil/Pacto Filmes).

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