De tudo, ficam as memórias que escolhemos narrar

Escrevo este texto inspirada pela quinta sessão do Punho Cineclube, ocorrida no fim de setembro.

laryssa andrade
PUNHO
3 min readOct 19, 2023

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Em 2019, atravessei a cidade para participar de uma série de encontros sobre cinema. Lembro de escrever num bloco de papel como funcionava a montagem cinematográfica de filmes. Esses tempos me levaram a logo querer pesquisar sobre fotografia e cinema, e anos depois eu já estava comovida, escrevendo o roteiro para o meu primeiro documentário sobre memória familiar.

Este breve ensaio surge pensando em cada camada que o tempo me ajudou a observar, inspirada no debate acontecido na sessão de setembro do Punho Cineclube.

Fotografia: Laryssa Andrade / Punho Coletivo

Negativo (2021), Estada (2022), Bem No Fundo das Retinas (2020) e Por Uma Hora a Mais Com Você (2002), partem de um mesmo ponto: a lembrança. A quinta e penúltima sessão da primeira edição do Punho Cineclube direcionou seus espectadores a perceberem essa travessia que o encontro a um passado, ao mesmo tempo, tão continuamente presente, é capaz de provocar. Pudemos observar que esse caminho das histórias narradas é tão unicamente particular que se torna grandioso.

O filme de Larissa Lisboa, Negativo, narra essa impermanência que a imagem significa. Me peguei pensando nos negativos que tenho em casa, e naqueles tantos que a minha família deve ter perdido. O que eles registraram, que não pude alcançar? Larissa abre a sua caixa, e com as mãos cuidadosamente tateia as suas histórias. Alcança as suas lembranças presentes, alcança aquelas que foram levadas por um fotógrafo da sua festa de quinze anos.

Do outro lado, vimos o fotógrafo. As lembranças particulares contadas afetivamente por sua neta, a diretora Mik Moreira. Em Bem no Fundo das Retinas, eu também ousei mergulhar profundo nesse mar que o senhor Laércio nos deixou em vida. Essa compreensão pulsante das cenas que bordam a nossa existência. De tudo, ficam as memórias que escolhemos narrar. O gesto da neta que olha bem no fundo do seu avô. A neta que dá sentido a esse imaginário que não se dissolve com o tempo, muito menos com a partida física do corpo. A neta que faz do filme um encontro consigo, resgatando o gesto do avô. O clique, a câmera, a foto impressa, e o que resta de tudo isso junto. Esses caminhos me atraem, pois entendo que a lembrança alcança alguma coisa que não sabemos explicar, e talvez essa seja a grande questão da memória com o cinema.

Fotografias: Laryssa Andrade / Punho Coletivo

No debate após a sessão, falamos sobre as tantas possibilidades de narrar alguma coisa. Apenas confirmei que o filme mora nessa tentativa de dizer algo para o mundo. Seja em quarenta segundos, como acontece em Estada, seja nos cinquenta e cinco minutos de Por Uma Hora a Mais Com Você, a imagem acontece. Talvez seja essa imensidão que me toca tanto, e que me faz entender a vida que não para de acontecer, quando, mesmo em seu fim, algo vira memória. O que eu quero fazer é falar e lembrar sobre esse cinema.

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laryssa andrade
PUNHO
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fotógrafa que escreve cotidianos e outras memórias.