Gabi Coêlho: “Tenho como intenção atravessar o outro”

Em exposição na Galeria de Artes do Teatro Deodoro, a fotógrafa e artista visual comenta sua trajetória no autorretrato e fotoperformance

laryssa andrade
PUNHO
4 min readAug 11, 2023

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“É feia, mas é uma flor”, da série Lírios, Rosas e Outras Flores, 2020 | Fotografia: Laryssa Andrade / Punho Coletivo

No livro Escute as Feras (2021), da antropóloga francesa Nastassja Martin, ela relata a sua vida após um acontecimento marcante: ser atacada por um urso. Os longos dias isolada dentro de quatro paredes do hospital a fazem enxergar a vida, de fato. Esse olhar diante da solidão particular, cabe na construção de Imensidão Íntima, a exposição da maceioense Gabi Coêlho.

Com trabalhos voltados à fotografia, Gabi explora diversas vertentes, dentre elas o autorretrato e a fotoperformance. Diante da câmera, assume simultaneamente o papel de sujeito e objeto da sua obra. Em Imensidão Íntima, cada imagem é uma janela para a alma da artista, provocando o espectador a também mergulhar em suas próprias emoções.

Fotografia: Laryssa Andrade / Punho Coletivo

“No meu caso, sobretudo, que tenho como intenção atravessar o outro, é nesse momento que eu encontro sentido”, conta Gabi durante a nossa conversa.

Com curadoria de Karla Melani, a Mostra está dividida em dois espaços da Galeria de Artes do Deodoro. Na entrada, somos surpreendidos pelas cores vibrantes da série Lírios, Rosas e Outras Flores que ocupa o primeiro piso. Em seu texto de apresentação, Gabi explica que Lírios surgiu em um segundo momento da pandemia, e que o uso da tinta nas obras possui uma relação estreita com a poesia, buscando um contínuo encontro com quem a vê.

No térreo, as obras compõem cenários que fazem parte de uma casa. Os retratos ficam dispostos ao lado de móveis, definindo uma habitação particular para cada sentido que as ocupações provocam. “É uma casa simbólica, uma tentativa poética de dissecar a própria intimidade em perspectiva dupla, de imensidão e contenção do desconhecido”, traz Karla Melani em seu texto curatorial.

Quando questionada sobre o seu interesse de se autorrepresentar nas artes visuais, Gabi responde:

“Eu fotografo famílias desde 2014. Daí ali em 2018, eu senti vontade de trazer um temperinho para o meu trabalho de família; algo que deixasse meu trabalho mais autêntico, mais autoral. Entrei num curso de autorretrato conceitual e dei uma pirada. Nas primeiras aulas eu passei bem mal, mas bem mal mesmo. Eu não tinha esse contato todo com arte contemporânea e foi tudo um grande choque. Eu suava frio, sentia que era inapta a aprender algo sobre, mais ainda para produzir. Essa sensação se desfez no momento em que houve a proposta de ir para a frente da câmera e construir uma história.”

“Eu vi que eu poderia assumir personagens. Falar de mim sem falar de mim. Ou escolher simplesmente falar do outro, de questões outras, de poéticas outras”.

Fotografia: Laryssa Andrade / Punho Coletivo

Em um segundo momento, o segundo piso da galeria recebe Breus, a segunda série da artista. Representada por um único cômodo silencioso e escuro, o quarto, somos convidados a nos apoiar em paredes e observar as criações por frestas. Esse momento íntimo evoca o mistério transmitido por borrões e sombras presentes nas fotografias que estão ali.

Produzido no primeiro momento da pandemia, esse encontro com o desconhecido parece encontrar uma parte nossa durante a visita. Se tratando de uma produção feita em um período doloroso, Breus consegue despertar o que está mais profundo em nós através da escuridão.

Fotografia: Laryssa Andrade / Punho Coletivo

“Eu não sei se eu conseguiria juntar toda a experiência que tem sido expor e que foi montar em uma palavra só”, responde Gabi sobre os sentimentos dela ao ver a exposição.

“Por um lado, eu poderia ainda (sob efeito do cansaço) dizer que sinto medo, angústia, ansiedade, pois foram sentimentos que me acompanharam ao longo das últimas semanas. Não foi e não é fácil. Por um outro lado, eu poderia dizer que está sendo poético, mágico, imenso, pois é essa conexão com o público fora da virtualidade que traz a dimensão real do aproveitamento da produção artística”.

A exposição da artista nos faz reparar a nossa Imensidão. O silêncio, a potência, aquilo que não cabe e vai ocupando espaços muito além de nós.

Imensidão Íntima pode ser visitada até 28 de agosto, de segunda a sábado, das 8h às 18h, domingos e feriados das 14h às 17h, com entrada gratuita, na Galeria do Complexo do Teatro Deodoro. Mais informações podem ser lidas no perfil da Gabi Coêlho, no Instagram.

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laryssa andrade
PUNHO

fotógrafa que escreve cotidianos e outras memórias.