Vivência artística com a fotógrafa e pesquisadora visual Tayná Almeida
Em um encontro na Biblioteca Pública de Maceió, conversamos sobre imagem, memórias e a sua nova série fotográfica, “De trás para frente”.
“Quando leio de trás para a frente eu lanço, antes, meu olhar pelo todo. Eu vou dos últimos acontecimentos para os primeiros. Curioso, quando me peguei tentando entender a vida de trás para a frente, lembrei da minha estranha necessidade de entender as raízes de minha família. De ter no presente a necessidade de pisar no passado. Será que quem lê de trás para a frente vê a vida do avesso? Eu sei qual o sabor tem não saber o começo das histórias. Será que vovó também lia a vida de trás para a frente?”
Filha de Vanda e Fernando, Tayná Almeida cresceu em Cotia, Zona Oeste de São Paulo. Veio para Maceió em 2015 para estudar Ciências Sociais, área a qual se dedica até hoje, concluindo o mestrado em Antropologia Social ao lado de investigações sobre fotografia, e coordenando o FotoSururu — Encontro de Fotografia Criativa em Maceió/AL, desde 2019.
Nessas buscas, Tayná abraçou a trajetória da pesquisa sobre imagem e memória do folclore alagoano, atuando no acervo fotográfico do Museu Théo Brandão e lançando o seu fotolivro “O Guerreiro dá Força pra Viver”, resultado dessas vivências. Mais recentemente, tem se dedicado a pesquisar a autorrepresentação fotográfica de mulheres em Maceió, Alagoas. As duas pesquisas são desenvolvidas junto ao Laboratório de Antropologia Visual da Universidade Federal de Alagoas (AVAL/UFAL).
De onde vem a sua história com a fotografia?
Eu acredito que minha história com a fotografia começa, antes, na história do meu pai com uma câmera na mão. Cresci com meu pai fotografando e filmando minha infância, os momentos em família. Tenho registros desde os meus primeiros anos de vida. É muito provável que o contato íntimo com a câmera e com os álbuns de família tenha despertado esse interesse.
Embora eu tenha feito um curso básico de fotografia na cidade onde cresci, em Cotia, foi só em Maceió que me aproximei desse campo, possivelmente porque eu estranhei a cidade, era tudo muito novo, o mesmo estranhamento que tenho hoje pelo lugar de onde eu vim. Foi aqui que tive minha primeira câmera e comecei de fato a fotografar. A fotografia foi muito presente no meu processo de conhecer Alagoas e tem sido também no processo de conhecer a mim mesma.
Na primeira pesquisa que desenvolvi com o Guerreiro São Pedro Alagoano, eu me entendia apenas como uma pesquisadora em Antropologia Visual, mas foi incrível como aos poucos eu fui sendo identificada como fotógrafa pelo grupo. Assumi esse papel. Me aproximei ao longo dos anos de grupos que discutem fotografia internos e externos à universidade, e todos esses processos têm sido fundamentais para minha formação. Hoje essa história tem se desenrolado pela aproximação entre gênero e fotografia, já que desde 2020 pesquiso a autorrepresentação fotográfica de mulheres na cena contemporânea de Maceió, Alagoas. Trata-se de uma etnografia visual que considerando a produção masculina dominante que opera em detrimento das mulheres fotógrafas e das mulheres fotografadas, busca compreender como as fotógrafas alagoanas têm produzido o que entendo por “fraturas” na tradição visual, pelo viés da autorrepresentação.
O ativismo do Punho Coletivo é fundamental tanto para o interesse de pesquisa quanto para seu desenvolvimento, e junto a ele, tenho me debruçado especialmente às experiências fotográficas de Gabi Coêlho, Natie Paz, Amanda Bambu e você, Laryssa Andrade.
Como você percebeu que “De trás para frente” estava surgindo? Você já havia se aproximado da colagem antes?
Embora eu não chamasse de colagem, quando eu era criança eu amava recortar figuras de revistas e criar algo novo a partir dali. Ainda na adolescência eu imprimia imagens da internet e personalizava meus cadernos de escola, mas aos poucos eu parei.
Acredito que a colagem tenha voltado pra minha vida durante a pandemia da Covid-19. Nesse período eu me distanciei muito do ato de fotografar, mas aprendi várias outras formas de expressão através da fotografia. Construí uma parceria com um amigo que estava começando a experimentar a colagem digital, o Leandro Ferreira, e a partir da ressignificação de algumas imagens de meu acervo fotográfico pessoal nós criamos a série de fotocolagem “Transcender”. Pela intersecção de nossas vivências enquanto pessoas negras, além da intersecção de nossas artes — a minha fotografia e a colagem dele — , nós construímos um espaço citadino fantástico para pessoas como nós, “onde nem o céu e nem o chão são o limite”.
Outro dia, peguei umas revistas velhas aqui em casa e criei uma colagem manual, que nunca publiquei. Ela foi baseada no livro “A Queda do Céu — Palavras de um xamã yanomami” de Davi Kopenawa e Bruce Albert. E por fim, minha última experiência com a colagem veio através de você, Laryssa, de sua arte.
Conheci seu trabalho logo no início da pandemia, não demorou dois segundos para eu saber que queria pesquisar sobre. Juro. Nesse período a pesquisa com autorrepresentação já havia começado e eu estava em um processo de “aprender na prática” com as fotógrafas daqui de Maceió. Acompanhei seu trabalho ao longo dos últimos anos até nossa primeira entrevista, on-line. Ali, eu acredito que nossas primeiras afinidades surgiram, porque, assim como você, tem me importado muito saber de onde eu sou, do lugar que somos, fazendo referência ao seu filme documentário.
Eu já havia te proposto pensarmos juntas como eu poderia aprender algo com você, pensando o método que utilizo na pesquisa como forma de compreender sobre as fotógrafas, mas foi incrível como naquele mesmo dia já saímos da reunião com tudo no esquema. Falamos muito sobre “ausência” e “memória”, principalmente no contexto da história familiar, você me sugeriu fazermos juntas uma “construção sentimental entre colagem, fotografia e palavra”. “De Trás para Frente” começou ali.
Uma das suas sugestões foi que eu ficasse à vontade para imprimir imagens de meu interesse e registrar em palavras o que senti ao vê-las. Em nosso encontro presencial nós sairíamos desse lugar ao criar as colagens. Nesse momento eu estava em São Paulo e já comecei a revisitar os álbuns de família, a escrever intuitivamente sobre. Guardei algumas imagens na mala e quando voltei para Maceió, era como se esse resgate da ancestralidade familiar já houvesse começado.
Como foi para você unir fotografia, escrita e colagem ao contar a sua história?
Bom, embora a fotografia, a escrita e a colagem já tivessem me atravessado antes, elas nunca haviam me atravessado juntas e, muito menos, a partir de uma produção intuitiva, que parte de dentro, na qual eu pudesse me expressar sem pestanejar, ou mesmo sem a intenção de falar sobre um outro.
Eu venho de uma trajetória de pesquisa com a fotografia documental, etnográfica, o que fez com que eu me debruçasse muito mais à alteridade em minhas produções do que a mim mesma. Não que falar sobre o/a outro/a não seja falar também sobre si, mas esse foco não havia me afetado tanto antes. Eu confesso que previamente senti medo, medo de a produção não ficar boa o bastante, medo de estragar o nosso encontro, medo de perder o material selecionado por nós, uma loucura! Na primeira imagem que começamos a colar, lembro que brincamos com o fato de eu estar tremendo com a tesoura na mão e eu brinquei: “criar tremendo é complicado”, fazendo referência a um texto escrito por você. Mas é isso, como tenho aprendido com as fotógrafas alagoanas,
o ato de criar para nós mulheres vem sempre com essa insegurança, esse medo, mas acredito que nós também resistimos a tudo isso, como mostra a série e o trabalho de todas vocês.
Hoje a série está aí, crescendo aos poucos, e por mais que o resultado seja significativo, esse processo de te encontrar, de encontrar minha família e principalmente de me encontrar, é único. Único não só subjetivamente, mas único também porque contesta como a fotografia dominante foi construída, e mesmo a antropologia.
Minibio: Eu sou Tayná Almeida, antes de tudo, filha de Vanda e Fernando. Nasci no ano de 1996 no estado de São Paulo, mas como fotógrafa, nasci em Alagoas. Em Maceió me formei como bacharela em Ciências Sociais e atualmente concluo mestrado em Antropologia Social. Venho de uma trajetória de pesquisa com memória e fotografia no folclore alagoano, em que pesquisei o acervo fotográfico do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, e também da qual o fotolivro de minha autoria “O Guerreiro dá Força pra Viver” é fruto. Atualmente tenho me dedicado a pesquisar a autorrepresentação fotográfica de mulheres em Maceió, Alagoas. Ambas as pesquisas realizadas pelo Laboratório de Antropologia Visual da Universidade Federal de Alagoas (AVAL/UFAL). Desde 2019 coordeno o FOTOSURURU — Encontro de Fotografia Criativa em Maceió/AL.
Conheça o trabalho da Tayná através do Instagram (@ taynalmeidaphoto) e outros links no Linktree (@ taynalmeida).