A intervenção e a manipulação da percepção

Michel Zetun
PunkMetrics
Published in
6 min readMar 5, 2018

Minha percepção de como a mídia utiliza "data visualization" para direcionar a opinião e obter o apoio popular à intervenção militar no RJ

Meses atrás no metrô de São Paulo, mais especificamente na estação paulista da linha 4 amarela, notei o uso inteligente de informação para direcionar o fluxo de passageiros para os vagões mais vazios. Naturalmente, trabalhando há quase 20 anos com business intelligence, esse tipo de coisa me chama a atenção.

A foto mostra uma ilustração do quanto cada vagão do próximo trem está ocupado em relação a sua capacidade total, usando um esquema intuitivo de cores que vai do mais cheio (vermelho) ao mais vazio que dispensa explicação, bem como o tempo restante para o próximo trem.

Foto tirada em 20/09/2016 na estação Paulista da Linha 4 — Amarela, do metrô de São Paulo

Essa imagem representa bem o que defendemos na PunkMetrics que é o uso de design junto com informação para atacar o chamado Job to be Done, ou seja, o trabalho que precisa ser executado e não sair fazendo painéis com gráficos porque seria legal ver determinada métrica. Aqui o consórcio que administra a linha gera uma experiência melhor para o usuário pois naturalmente as pessoas irão se direcionar para os vagões mais vazios ao mesmo tempo que reduzem a ansiedade ao saber em quanto tempo o próximo trem irá chegar.

Isso funciona pois cada um de nós tem sua rede neural treinada (também conhecido como cérebro) para compreender esse padrão visual e a partir da informação toma uma ação em relação a ela.

Legal né ? muito, só que tem um problema… isso também pode ser usado contra nós…

Em 2016 a Revista Veja publicou a seguinte capa:

Um fim de semana no Rio: 1 Morte a cada 2 horas. O cenário é lamentável e absolutamente triste para o Rio de Janeiro, mas no ano seguinte em 2017 o Diário de Pernambuco publicou uma reportagem sobre a triste liderança do Brasil em homicídios no mundo, reportando em 2016 nada mais nada menos que 61.600 homicídios .

Se fizermos as contas, temos no ano cerca de 8.760 horas (24h x 365 dias) e se dividirmos o número de homicídios pela quantidade de horas chegamos a alarmantes 7,03 mortes por hora no Brasil em 2016 (61.600 homicídios / 8.760h), ou seja, 3,5x maior que o número dessa capa sobre o Rio Janeiro. Isso indica que no Brasil há outros lugares bem mais violentos que puxam esse número pra cima.

O ponto importante aqui é a nossa responsabilidade em criticar o número e não aceitar simplesmente porque ele é posto por um veículo de informação conhecido.

Qual a intenção da revista ao fazer isso ? sensibilizar ? abastecer um ser pensante com dados e análises coerentes ou influenciar os que preferem apenas repetir o que leram nas conversas de bar ?

Vamos pegar um fato mais recente, que ao meu ver , usa um mecanismo um pouco mais sofisticado de influência.

Ontem, folheando uma revista ISTOÉ cuja capa mostrava a foto de militares e tratava do uso do Exército para intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, me deparei com esses gráficos, baseados nos números do ISP (Instituto de Segurança Pública) e acabei tirando essa foto:

Revista ISTOÉ de 21/2/2018

Se colocarmos os números do primeiro gráfico que trata de homicídios dolosos numa tabela eles pareceriam assim:

2015 — 4.200
2016 — 5.042
2017 — 5.332

Os números em si são alarmantes, mas queria chamar sua atenção para a relação entre a variação dos números em si e a distância deles para a base do gráfico. Para isso é importante considerar que:

Somos bichos que confiam muito na visão para interpretar e tirar suas conclusões sobre os fatos que estão a nossa volta e a representação gráfica de informações tem o papel de auxiliar esse mecanismo pois transforma números em informação espacial.

Os números apontam que houve um crescimento de 26,95% entre 2015 e 2017 nos homicídios dolosos, obviamente esse número é péssimo, mas observe que, o que o gráfico de fato comunica é uma percepção que esse número é muito maior !

Nosso grande Huxley Dias, Data Product Designer da PunkMetrics fez um mapeamento da distância em pixels entre a base do gráfico e os números apresentados.

Para 2015, quando houve 4.200 homicídios, temos 30pixels, para 2017 a distância para a base do gráfico foi colocada com 146pixels, ou seja, 486% maior. O que o gráfico está comunicando para a maioria da população é que esse indicador de violência aumentou mais de 3,87 vezes em 2 anos, quando na verdade aumentou 0,26 vezes (5.332 -4.200 = 1.132… 1.132 / 4.200 = 0,26).

De novo, não estou dizendo que as coisas no RJ estão tranquilas, mas porque a revista faria isso ? Alguns vão argumentar que isso não é importante ou que foi um erro, mas ai você olha o último gráfico, o de Total de Ocorrências.

Aqui a situação é inversa. O total de ocorrências, que é gigantesco, caiu de 777.356 para 750.608, uma queda muito leve de 3,44%. Nesse caso, olhando a diferença entre os pixels, notamos que foi plotado uma queda visual equivalente a 17,89%, ou seja, visualmente uma queda bem maior o número total de ocorrências.

Agora, observe o título e sub-título da chamada:

Violência crescente
Roubos de carga, homicídios dolosos e a taxa de letalidade violenta vem aumentando desde 2015

O que está sendo dito é verdade, mas fica evidente que o objetivo é demonstrar como os crimes violentos estão "aumentando drasticamente" mesmo com o total de ocorrências "em queda", em outras palavras, é hora de atitudes drásticas. O gráfico de "Letalidade violenta" passa a sensação que esse índice era quase zero e que cresceu drasticamente apenas nos últimos 2 anos, quando na verdade já era bem alto.

Será que o time de jornalismo da ISTOÉ é mesmo ruim de gráfico ou está tentando te influenciar ? se for o último qual o seu objetivo ?

Pra te ajudar a ter uma melhor percepção desses números montamos 2 gráficos que começam com zero no eixo X, não deixam espaço entre os anos e usa cores diferentes para eles.

Gráficos reproduzidos com os mesmos números e escala automática começando no zero.

Note que os números são exatamente os mesmos, mas e sua percepção, ela é a mesma ou mudou ?

Da mesma forma que a visualização de informações nos direciona instintivamente a pegar o vagão mais vazio, ela também pode ser utilizada para manipular nossa percepção sobre a realidade. A visualização de informações é uma poderosa ferramenta de comunicação que pode nos ajudar ou atrapalhar, é importante estar atento aos detalhes.

Na dúvida, faça as contas =)

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Michel Zetun
PunkMetrics

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