O que o Empreendedor pode aprender com o underground do rock

Michel Zetun
PunkMetrics
Published in
6 min readNov 26, 2018

As incríveis similaridades da cultura do rock underground com o empreendedorismo como estilo de vida

Por volta de 1992 crescia em mim o gosto pelo rock extremo. Como muitos adolescentes na época eu me deparei com 4 heróis nacionais. Max, Igor, Andreas e Paulo estavam fazendo história e viriam a colocar o Brasil no mapa das bandas de metal mais influentes de todos os tempos, e eu estava lá, em todos os shows possíveis, com o punho ao alto gritando: SEPULTURA! SEPULTURA! SEPULTURA!

Sepultura, em 1991, Max, Igor, Paulo e Andreas da esquerda pra direita

Você pode não gostar, o que é natural dado que esse não é um estilo popular, mas é impossível deixar de reconhecer a impressionante trajetória de 4 rapazes do 3o mundo, em uma época pré internet onde o Vinil ainda imperava.

A possibilidade de ter uma banda e expressar as próprias ideias através da música era empolgante e fui recrutado por amigos para ser o baterista de uma nova banda do colégio. Detalhe, eu não sabia tocar nada.

A banda durou 2 anos e eu aprendi muito. Bandas autorais são difíceis, é preciso conciliar gostos e objetivos. Se você quer gravar ou se apresentar, planejamento é fundamental, e isso não é tão trivial quando você tem 17 anos.

Em 1996 eu iniciei minha segunda banda, ou talvez meu primeiro empreendimento (embora eu não soubesse), o Fúria Tribal.

Nessa época a influência do metal ainda era grande, mas crescia em mim a influência do Punk e de sua principal derivação, o Hardcore, especialmente de Nova York de bandas como Madball, Sick of it All, Agnostic Front, dentre outras.

Madball, "the hardcore kings from NY". Clip gravado em São Paulo com a música 100% por membros da comunidade hardcore de São Paulo : HCSP

O que particularmente me inspirava era que o Hardcore era um estilo de vida, onde imperava a filosofia do DIY (do it yourself).

O show business não é para amadores, muito menos para produtos de nicho. O movimento Hardcore começou a crescer na década de 80 e no Brasil, bandas como Ratos de Porão (sim, aquela do João Gordo, mais conhecido por sua temporada na MTV), Cólera, Inocentes, lideravam esse movimento.

Para estes, havia muito pouco espaço nas gravadoras, afinal o público era pequeno e com pouco potencial financeiro. Nesse cenário, o DIY passou a fazer parte do estilo de vida do Hardcore e depois se multiplicou para outros estilos e gêneros, o que chamamos de bandas independentes atualmente.

Nessa cena, você e a comunidade a seu redor grava os álbuns, produz os shows, confecciona os adesivos e camisetas e vende os produtos nos shows e lojas especializadas. As bandas trocavam material entre si e vendiam material umas das outras garantindo assim maior giro.

Eu nunca fui de fato Punk, mas a influência do Hardocore nas letras e na atitude de palco associada a um som mais caracteristico do metal eram uma forte caracteristica nossa e de outras bandas. Hoje essa mistura foi batizada de MetalCore, um estilo de rock extremo que traz essa mistura e tem expoentes como Hatebreed, Walls of Jericho, dentre outros.

Em meados de 2000 depois de mais de 100 shows, 2 demo tapes, participação em coletâneas e gravação do EP ""Sistema Nervoso" com 6 faixas, tudo produzido por nos, a banda deu um tempo e apesar de algumas tentativas não mais voltou a ativa como antes.

Esse ano marcava minha formatura em Engenharia e início de minha jornada no mundo dos dados, business intelligence e posteriormente do empreendedorismo, aquilo tudo parecia ter ficado para trás na minha nova versão em terno e gravata.

Nos últimos anos, o empreendedorismo me aproximou do mundo das startups e scale-ups como diz a Endeavor. Trabalhei e interagi em eventos com multiplas organizações digitais, principalmente SaaS, Mobile Apps, eCommerces e Agências de Marketing Digital. Nesse processo, para meu espanto, notei uma imensa similaridade com o underground do rock que vivi tão intensamente.

Camisetas

Marcel, meu irmão e vocal, em show no RJ, com camiseta da banda UpsideDown.

Bandas literalmente vestem a camisa. Produzem, utilizam e vendem camisetas da banda para fãs mostrarem seu apoio. No mundo das startups, camisetas coloridas com o logo da empresa apresentado com orgulho são quase que um uniforme em eventos.

Vestir a camisa significa na prática estar comprometido, suportar algo ou simplesmente expressar quem você é através de um símbolo. As Startups cada vez mais atuam com propósito e transformação do que realmente importa, trabalham com impacto e isso engaja tanto funcionários como fãs da empresa.

Adesivos

Como eu era batera, meus adesivos ficavam no rack dos pratos, mas eu duvido que você encontre alguma guitarra de uma banda de rock underground que não tenha muitos adesivos. Assim como no caso das camisetas, os adesivos demonstram seu apoio ao simbolo que a empresa representa.

Fabricio, vulgo Japones, em show em Camboriú, SC, provavelmente em 1999, com guitarra lotada de adesivos

No mundo das Startups os adesivos ocuparam os laptops dos nômades digitais que andam com suas mochilas pra cima e pra baixo.

Coopetição

O mundo corporativo é conhecido pela competição feroz e muitas vezes agressividade como no mercado de bebidas, onde é inadmissível um funcionário consumir o produto de um concorrente.

No mundo das startups a competição acontece, mas existe algo diferente. As dificuldades em empreender, o espirito desbravador aproxima os empreendedores e os times criando uma comunidade. Nele há muito mais colaboração entre as empresas na troca de informações em grupos de WhatsApp ou em mesas de bar.

O mesmo acontece no underground, o gosto pela música aproxima as bandas, e apesar de uma certa competição, a troca ocorre de forma frequente e muitas vezes fomenta a geração de novas bandas com os integrantes de bandas que se acabam, o que ocorre também no cenário das Startups.

Shows

Mostrar o trabalho dá uma satisfação enorme, mas no underground muitas vezes você toca só pras bandas mesmo. Uma vez marcamos um show no Garage no Rio de Janeiro, eramos 5 bandas do ABC Paulista que alugaram um ônibus rumo ao estrelado, e chegando lá, tcha tcha !!! 1 pagante :-/

Eu, Show no Garage, RJ, provavelmente em 1998

Mesmo assim era sempre legal assistir as bandas com quem compartilhavamos a paixão por tocar, e darmos o nosso melhor quando fosse a nossa vez.

No mundo das startups, é nos eventos, meetups e mentorias que o empreendedor mostra o seu trabalho. Quanto mais cotado o empreendedor para compartilhar seu conhecimento, maior a sua reputação e de sua empresa. Ser um bom apresentador é quase sinônimo de bom empreendedor, além disso, esses eventos rendem também muito networking e oportunidades de negócio.

Aprendizados

Essa energia, a energia dos rebeldes, daqueles que querem fazer diferente, dos desafiantes, acendeu em mim novamente a chama do Hardcore.

A paixão por empreender é muito mais próximo da paixão em ter uma banda e tocar, do que de ser um executivo. Propósito é mais importante que dinheiro, pessoas são mais importantes que política corporativa, cliente satisfeito é motivo de orgulho, não apenas métrica de retenção.

Empreender é estilo de vida e a cultura do DIY nos mostra que o BootStraping pode ser mais valioso do que você pensa, pois te força a se concentrar no que de fato te permite dizer que você tem uma empresa: clientes pagantes. Isso não significa que usar capital externo para acelerar o crescimento não seja válido, mas investimento é uma ferramenta de crescimento, não um indicador de sucesso como muitos acreditam.

Trate bem todos os seus concorrentes, conheça-os, respeite-os e aprenda com seu trabalho, amanhã eles podem vir a se tornar seus sócios, funcionários ou empregadores.

Na medida do possível de preferência a utilização de produtos de startups, seja um early adopter, dê feedback sobre o produto e não tente conseguir tudo de graça pela camaradagem, eles estão também batalhando como você =)

Por fim, não se esqueça de suas raizes, você é hoje o acumulado de todas as suas experiências, valorize-as e também aos que estiveram ao seu lado durante esse jornada.

Afinal, a vida é um palco e todos somos os atores nessa existência…

Fúria Tribal, em 1996

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Michel Zetun
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