1987 foi um ano agitado

A briga entre Sport e Flamengo pelo título brasileiro, decidida neste ano pelo STF, ofusca uma das temporadas mais movimentadas da história do futebol no País, com direito a final sem vencedor, tapetões, discussões intermináveis e uma Seleção Brasileira que ganhou títulos, deu vexame e usou até camisa com patrocínio. Presente em vários desses momentos, o ex-zagueiro Ricardo Rocha relembra como foi estar no olho do furacão no ano que mudou sua vida.

Puntero Izquierdo
Puntero Izquierdo

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Por Fernando Cesarotti

São 13 minutos do segundo tempo da prorrogação. O time vence por 3 a 2 e a bola vem alta em direção da área, disparada da outra intermediária com um chutão. O zagueiro se prepara para afastá-la, mas o meia adversário se antecipa e escora em direção à ponta esquerda, onde o centroavante aparece pronto para disparar um petardo indefensável e empatar a partida.

“O Guarani tinha um grande time e foi uma pena ter perdido o título, mas no vestiário o nosso sentimento era de orgulho, pois tínhamos feito um grande campeonato”, conta Ricardo Rocha, o zagueiro que perdeu a cabeçada citada acima para Pita. Careca empatou a partida no Brinco de Ouro e, nos pênaltis, o São Paulo conquistou o título brasileiro de 1986, já na madrugada de 25 para 26 de fevereiro de 1987. “E o juiz não deu um pênalti claríssimo pra gente, no tempo normal, quando o jogo estava 1 a 1. Mas paciência, o São Paulo tinha um timaço, o Careca no auge”, completa Ricardo, citando uma penalidade de Wagner Basílio em João Paulo não marcada por José de Assis Aragão e até hoje recordada com dor pelos bugrinos.

Com a camisa 8 do Bugre, naquela noite, estava um jogador alto, magro e, segundo Ricardo Rocha, sempre “com ponderações muito inteligentes”. Seu nome era Adenor Leonardo Bacchi, vulgo Tite. “Ele não falava que queria ser técnico, mas ali no vestiário sempre falava de forma muito sensata, além de ser um ótimo jogador. Acabou virando um excelente técnico, como todo mundo sabe.”

Campeão brasileiro em 1978, o Guarani, que sempre fora famoso por revelar craques, viveu de fato um grande momento: disputaria outras duas decisões nacionais no intervalo de menos de um ano a partir daquela noite. Não venceria nenhuma delas, mas se tornaria símbolo de uma das grandes injustiças esportivas da história do futebol brasileiro: ficar de fora da Copa União, o torneio que seria criado pelos grandes clubes do país com critérios populista-econômicos e não técnicos, e que futuramente seria visto como uma oportunidade perdida de organizar e profissionalizar o esporte mais popular do País.

“A gente reclama hoje que o futebol brasileiro é desorganizado, mas não se lembra do que era trinta anos atrás. Aquilo era uma bagunça, velho”, avisa Ricardo, que viu de perto boa parte dessas confusões.

Uma dessas decisões, por exemplo, terminou sem vencedor: a do Módulo Amarelo, disputada entre o Guarani de Ricardo Rocha e o Sport Recife. No primeiro jogo, em Campinas, o Bugre venceu por 2 a 0. Na volta, na Ilha do Retiro, o Leão marcou 3 a 0. Como o saldo de gols não era critério de desempate, a decisão foi para os pênaltis. Após 12 cobranças de cada lado, com o placar em 11 a 11, os dirigentes dos dois clubes decidiram dividir o título. Ricardo Rocha relata: “Entraram em campo, falaram que não ia mais ter pênalti e que o título seria dividido. E ficou assim mesmo. Eu falo que era uma bagunça…”

Carlos Fenerich/Placar 918–18.12–1987/Reprodução

O Módulo Amarelo foi a competição criada pela CBF como disputa paralela à Copa União, o torneio criado pelo Clube dos 13, criado pelos clubes mais populares do país após a CBF afirmar que, sem dinheiro, não teria como organizar o Brasileiro de 1987. Na ordem alfabética, os criadores do Clube dos 13 foram: Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco. Auxiliados pela Rede Globo e com apoio da grande imprensa, especialmente da Editora Abril, que publicava a então relevante Placar, os clubes conseguiram bons parceiros, como Varig e Coca-Cola, que topou patrocinar todos os times envolvidos — nos anos seguintes, apenas Corinthians e Flamengo não ostentariam a marca do refrigerante em suas camisas. Escolheram o nome “Copa União”, como símbolo da mudança fora de campo. Mas seria impossível fazer um campeonato com 13 times, então foram buscar mais três “amigos” para arredondar. E a escolha foi, claro, comercial: buscaram um time no Paraná, o Coritiba, campeão nacional de 1985, um em Pernambuco, o Santa Cruz, e outro em Goiás, o Goiás.

Além do Guarani, vice-campeão nacional, foi barrado o América do Rio, semifinalista da edição anterior, eliminado pelo São Paulo. E que bateu o pé e não quis saber de migalhas: escalado pela CBF para jogar o Módulo Amarelo, abriu mão de participar e deixou o torneio “capenga”, com 15 times.

Para completar, a cobertura da imprensa era mínima: enquanto a Copa União ganhava páginas e páginas nos jornais e revistas e tinha até três jogos por rodada exibidos na Globo, os times do Módulo Amarelo só tinham espaço na mídia regional. A estreia do Guarani, vitória por 1 a 0 sobre o CSA em Maceió, no dia 13 de setembro, rendeu uma linha em Placar: a do resultado do jogo no Tabelão, cujo espaço maior era ocupado pelos jogos da Copa União com ficha técnica completa e notas valendo para a Bola de Prata. Nas páginas de reportagens, mais de 30 páginas abordavam a primeira rodada do torneio, com seções especiais de fotos em página dupla.

Mas Ricardo Rocha, lá em Campinas, só pensava em jogar sua bola.

“Não tem como dizer que não era segunda divisão. Vão dizer que não, que eram dois módulos, o Amarelo e o Verde, mas dá uma olhada em um grupo e em outro e você vai ver. Então pra mim era a segunda divisão. Mas aí eu falo da força do elenco: o grupo era muito bom, nós jogamos para valer. Se era para jogar o Módulo Amarelo, íamos jogar da melhor maneira possível. Tínhamos um grande time”, conta o zagueiro.

Pela Seleção: o “Ricardo do Guarani”

Fonte: cbf.com.br

A bola segura e limpa que jogava na defesa do Bugre já lhe havia rendido durante o ano, afinal, a oportunidade de estar em La Paz, Glasgow, Córdoba e Indianapolis com a camisa amarela da Seleção Brasileira.

Nos tempos em que “data Fifa” era um termo tão futurista quanto “pen drive”, a Seleção ficou mais de nove meses sem entrar em campo — entre a eliminação para a França, na Copa de 1986, na tarde de 16 de junho, em Guadalajara, e o amistoso contra o Uruguai, em 28 de março de 1987, no Mineirão. O lugar de Telê Santana foi ocupado por Carlos Alberto Silva, e dos 22 que estavam no México apenas dois apareceram em Belo Horizonte: o goleiro Paulo Victor e o meia Valdo.

Tratava-se de uma tentativa de renovação, já que a geração de Zico, Sócrates e Falcão era dada como página virada após mais um fracasso mundialista. Mas era também a força do regulamento: a primeira missão da Seleção naquele ano era o Torneio Pré-Olímpico e as normas de então não impunham limite de idade, mas vetavam a participação de jogadores que tivessem participado de jogos da Copa do Mundo, inclusive Eliminatórias. Como o veto era apenas para quem tivesse entrado em campo, Paulo Victor e Valdo, reservas no Mundial do México, no ano anterior, poderiam jogar.

O time que enfrentou o Uruguai teve Paulo Victor; Zanata (Denilson), Pinga, Ricardo Rocha e Nelsinho; Bernardo, Douglas e Bebeto; Sérgio Araújo, Evair e João Paulo (Valdo).

“O Carlos Alberto me conhecia, foi por indicação dele que cheguei no Guarani. Mas em seguida ele foi para o Sport. E eu dei sorte porque eles contrataram o Lori Sandri, que tinha trabalhado já comigo no Santa Cruz. Então eu consegui me firmar no Guarani. E quando o Carlos Alberto foi para a Seleção, como ele já conhecia bem o meu futebol, me convocou”, relembra Ricardo Rocha.

O Brasil venceu por 1 a 0, gol contra de Faral, e o bigodudo defensor do Guarani ganhou cadeira cativa no time nacional: das sete partidas do Pré-Olímpico disputado na Bolívia, só não jogou a última, vitória por 2 a 1 contra os donos da casa, por estar suspenso com dois cartões amarelos. Mesmo com uma campanha modesta, o Brasil terminou com o título e, mais importante, a vaga na Olimpíada de Seul, no ano seguinte. “Não foi nada fácil. A gente jogava a cada dois dias, e as finais ainda foram na altitude, imagina que loucura.”

Sergio Sade/Placar 888–8.6.1987/Reprodução

E Ricardo permaneceu no time. Após bons jogos pelo Guarani na Libertadores e no Paulistão, foi chamado para uma excursão pela Europa, onde a Seleção disputaria a Taça Stanley Rous contra Inglaterra e Escócia, além de três amistosos. “Naquele tempo a seleção inglesa jogava aquele futebol típico deles: qualquer chance e tome cruzamento para a área. Foi um jogo bem complicado, o que eu saltei naquele dia”, recorda Ricardo. O empate por 1 a 1 em Wembley consagrou os defensores brasileiros — ele formou dupla com Geraldão, do Cruzeiro — e o centroavante Mirandinha, autor do gol brasileiro e que meses depois se tornaria o primeiro brasileiro a jogar no futebol inglês, pelo Newcastle.

Dias depois, enquanto o Brasil era derrotado por 1 a 0 pela Irlanda, num amistoso em Dublin, ingleses e escoceses empatavam, o que deu ao time de Carlos Alberto Silva a chance de, na semana seguinte, com uma vitória por 2 a 0 em Glasgow, conquistar a Stanley Rous. Em tempos de vacas magras, título amistoso também é título — e a história registrou o zagueiro Geraldão, o capitão brasileiro, erguendo a taça… vestindo a camisa da Escócia. Ainda houve tempo para vencer a Finlândia e Israel, nos jogos que marcaram a estreia e os primeiros gols de Romário pela Seleção. O “Ricardo do Guarani” já era então intocável como titular, deixando na reserva o xará “Ricardo do Fluminense” — em tempos de apelidos, eles levariam ainda dois anos para virar Rocha e Gomes.

O próximo desafio do Brasil de Carlos Alberto Silva era a Copa América. Quatro anos após a última disputa, quando o time treinado por Carlos Alberto Parreira perdera a decisão em ida e volta para o Uruguai, o torneio voltava naquele ano ao formato antigo, com país-sede — e a Argentina ganhava a primazia de receber as 10 seleções do continente.

Seriam três grupos com três seleções cada, e os uruguaios se juntariam na semifinal aos vencedores das chaves. Na estreia, em 28 de junho, o Brasil goleou a Venezuela como era praxe até então: 5 a 0. Dois dias depois, o Chile também bateu os venezuelanos, 3 a 1, deixando os brasileiros com a chance de jogar pelo empate.

Pois, na noite de 3 de julho, o estádio Chateau Carreras, que futuramente seria batizado com o nome do herói local Mario Kempes, viu o que seria um dos maiores vexames da história da Seleção, talvez o maior até um certo jogo de 2014 no Mineirão: Chile 4 x 0 Brasil. Dois gols de Ivo Basay, dois de Juan Carlos Letelier.

“Foi um dia em que não deu nada certo. Inclusive pra mim, que saí machucado no primeiro tempo”, conta Ricardo, que, enquanto esteve em campo, viu o Brasil sofrer apenas um gol, em jogada aérea.

Naquele dia, a dupla com Geraldão, frequente desde o início do ano, fora desfeita para a entrada de Júlio César, o jovem e brilhante zagueiro que, na Copa, tinha deixado o veterano Oscar no banco, encantado os mexicanos com suas bombas de mais de 100 km/h e sido eleito um dos melhores zagueiros da Copa. Relevado no mesmo Guarani de Ricardo Rocha, Júlio havia ido para o Brest, da França, não foi liberado para jogar os amistosos na Europa e se apresentou na Argentina com panca e pose de astro. Entrou mais por pressão do que por bola. E ficou marcado: Júlio César brilharia com as camisas de Juventus e Borussia Dortmund, mas jamais faria história pela Seleção.

O massacre de Córdoba fez Carlos Alberto Silva balançar, mas naquele tempo ser técnico da Seleção era uma roubada que poucos pareciam dispostos a encarar, e a falta de nomes melhores fez a CBF manter o técnico. Além de tudo, havia um problema maior: o Campeonato Nacional. A entidade acompanhava de longe a movimentação dos clubes e se encantava com a possibilidade de participar do bolo de dinheiro, mas pouco tinha a oferecer de concreto e organizava seu torneio com os preteridos pelos “grandes” enquanto forçava a barra para dizer que era tudo um campeonato só. E foi nesse pique que a Seleção se juntou para mais um compromisso: os Jogos Pan-Americanos de Indianapolis, nos Estados Unidos.

Além dos problemas de sempre, apareceu mais um: depois de Pré-Olímpico, amistosos e Copa América, alguns clubes estavam fartos de perder seus jogadores para a equipe nacional. Na enxuta lista do Pan, de 18 nomes, dois pertenciam ao Flamengo: o goleiro Zé Carlos e o lateral-direito Jorginho; e três ao Vasco: o goleiro Régis, o lateral Mazinho e o atacante Romário. Pois os dirigentes dos rivais, que decidiriam dali a alguns mais um título carioca, se uniram e conseguiram na Justiça liminares que tiraram seus atletas da Seleção.

“Naquele tempo os clubes tinham poder e eles conseguiram tirar os jogadores de dentro do aeroporto. Conseguiram um mandado de segurança e tiraram os caras ali no embarque”, recorda Ricardo.

Nos EUA, a comissão técnica teve que chamar jogadores da seleção de hóquei sobre patins para completar o time nos coletivos.

Sergio Berezovsky/Revista Placar 900–31.08.1987/Reprodução.

Diz o ditado que a necessidade é a mãe da invenção. Neste caso, a necessidade obrigou Ricardo a um retorno: sem ninguém para jogar na lateral direita, Carlos Alberto colocou lá o garoto pernambucano a quem tinha transformado de lateral em zagueiro ainda no Santa Cruz.

Com jogos a cada três dias, o técnico revezou o time o máximo possível: Ricardo jogou três das cinco partidas da campanha de ouro — nas outras atuou o volante Ademir Kaefer, do Cruzeiro — . entre elas a decisão, contra o Chile: vitória por 2 a 0, na prorrogação. Além do ouro, o Pan marcaria a estreia pela seleção de Taffarel, chamado às pressas pela ausência de Régis e Zé Carlos. “Nunca mais o Brasil ganhou ouro no Pan”, registra Ricardo.

Além da medalha, valeu pela festa ao lado de estrelas de outras modalidades, como Oscar e Marcel, líderes do time que venceu os EUA e ficou com o ouro na histórica decisão do basquete masculino. “A gente ficava todo mundo em um pavilhão, e toda noite a gente se encontrava, a turma do futebol, do basquete, do hóquei. Todos se encontravam ali embaixo. Era uma experiência única de se misturar com outros atletas. E tu sabe como é brasileiro, né? Era o único pavilhão que tinha de 100 a 200 pessoas ali toda noite, contando piada, tocando violão. E aí a turma de outros países também vinha, atraída pela festa. É uma grande lembrança que eu tenho.”

De volta ao Brasil: uma maratona na bagunça

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A decisão contra o Chile seria a última partida de Ricardo pela seleção naquele ano. A partir de setembro, o zagueiro pôde se dedicar totalmente ao Guarani, que lutou bravamente no Módulo Amarelo e conseguiu uma vaga nas semifinais. No primeiro turno, o Bugre e o Atlético-PR empataram na liderança do Grupo A, com 9 pontos. Num jogo extra, em Curitiba, o Furacão venceu por 2 a 0 e garantiu a vaga nas semifinais. No segundo turno, o Bugre superou o Criciúma por um ponto, 10 a 9, e se classificou para enfrentar de novo o Atlético-PR. Fui uma verdadeira batalha sem gols nos 180 minutos iniciais — 0 a 0 em Curitiba, 0 a 0 no Brinco de Ouro. Na prorrogação, um gol de Marco Antonio Boiadeiro levou o Bugre a nova decisão, aquela que não teve vencedor após 24 cobranças de pênalti.

Envolvido no duelo contra o Sport, Ricardo perdeu a chance de participar de mais um momento histórico naquele ano: a primeira — e única — vez que uma seleção disputou um jogo válido para as estatísticas da Fifa com a marca de um patrocinador estampada. No caso, a onipresente Coca-Cola, que já havia sido objeto de uma punição à CBF meses antes, por pintar seu logo nos gramados dos jogos da Copa União. A essa altura, entidade e empresa já haviam entrado em acordo, e o logo vermelho com letras brancas ocupou barriga e costas da camisa amarela em mais um duelo contra, vejam só, o Chile.

Crédito: site Futebol Nostálgico

O Brasil venceu por 2 a 1 a partida disputada no estádio Parque do Sabiá, em Uberlândia. Batista, do Atlético-MG, e Ricardo “do Fluminense” foram a dupla de zaga, Valdo e Renato “Pé Murcho” marcaram os gols da vitória brasileira de virada; um garoto chamado Ivan Zamorano entrou no segundo tempo no lugar de Basay, um dos algozes de Córdoba. A rivalidade entre brasileiros e chilenos, que havia sido turbinada desde o começo do ano, com São Paulo e Guarani enfrentando Colo-Colo e Cobreloa na Libertadores, chegaria ao auge dois anos depois, nos confrontos pelas Eliminatórias que tiveram Romário amarelado antes do apito inicial em Santiago e Rojas saindo do Maracanã automutilado após o sinalizador lançado pela Fogueteira. Eram tempos loucos, mas esta já é outra história.

Três dias depois, a Seleção empatou por 1 a 1 com a Alemanha Ocidental, no Mané Garrincha, em Brasília, desta vez jogando com a camisa novamente “imaculada”. Os patrocínios a seleções são comuns hoje nos uniformes de treino e nos backdrops de entrevistas, mas permanecem tabu em jogos oficiais e não há nenhum sinal de que a Fifa pretenda mudar de ideia.

O ano de 1987 foi tão doido que nem sequer permitiu a Ricardo e seus companheiros passar o Natal e o Réveillon em férias — era apenas uma folga entre duas decisões, embora eles nem sequer soubessem quantas partidas disputariam e contra quem. Isso porque, embora o Flamengo comemorasse o título da Copa União, conquistado em cima do Internacional, como se fosse o tetracampeonato brasileiro, com direito a festa e Bola de Ouro da Placar para Renato Gaúcho, a CBF insistia que deveria haver um quadrangular entre ambos, mais Sport e Guarani, para decidir quem seria de fato o campeão brasileiro. Afinal, para a entidade máxima do futebol nacional, a Copa União nada mais era do que o Módulo Verde do Nacional.

Ela alegava ter um compromisso por escrito, assinado por Eurico Miranda, então vice-presidente do Vasco e dono de cargo nenhum no Clube dos 13, mas que foi enviado como representante dos clubes a uma reunião na CBF e, nos dizeres deles, os traiu. A história já foi contada e recontada diversas vezes em reportagens, programas de TV e documentários e tem sua versão mais recente no recém-lançado livro 1987 — De Fato, De Direito e De Cabeça, dos jornalistas André Gallindo e Cassio Zirpoli.

Os jogos foram marcados para 24 e 27 de janeiro, mas Flamengo e Inter não apareceram. Guarani e Sport se enfrentaram duas vezes: em 30 de janeiro de 1988, empate por 1 a 1 em Campinas. Em 7 de fevereiro, vitória rubro-negra por 1 a 0, na Ilha do Retiro, em jogo transmitido pelo SBT, com Ivo Morganti na narração e Jorge Kajuru como repórter de campo. O zagueiro Marco Antônio marcou de cabeça o gol do título, a emissora de Silvio Santos estampou na tela “Sport campeão brasileiro”, a CBF indicou os dois clubes para disputar a Copa Libertadores — o Guarani foi o vencedor do Grupo 5, que tinha ainda os peruanos Universitario e Alianza Lima, mas caiu na fase seguinte, contra o San Lorenzo.

O Supremo Tribunal Federal confirmou, em maio deste ano, com quase três décadas de atraso, que o Sport é o campeão — o que não impede que o Flamengo continue se declarando hexacampeão brasileiro, incluindo 1987 na conta. Alheio às discussões dos cartolas, Ricardo Rocha, hoje comentarista do Sportv, campeão do mundo de 1994, sabe que sua vida seria diferente sem aqueles loucos momentos e sente saudade de ver seu Bugre no topo.

“Os meus anos de Guarani foram maravilhosos. O clube me ensinou muita coisa, como profissional e como pessoa. Um clube sério, profissional, que colocava jogadores na seleção brasileira, disputava decisões, disputava Libertadores. Estar lá foi uma lição de vida enorme.”

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