Não sou o Di Marzio, mas sou o Marcelo Bechler

Repórter que cravou a saída de Neymar do Barcelona rumo ao PSG relata os bastidores do furo que enlouqueceu o futebol

Puntero Izquierdo
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5 min readAug 9, 2017

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Por Marcelo Bechler

Já são 22 dias. Ainda não acabou. O que virou minha missão desde o dia 18 de julho só terá encerramento quando Neymar entrar em campo pelo PSG. E eu sinceramente torço para que seja logo. As três semanas inteiras sem folga, que serão quatro até terminar a cobertura da partida contra o Guingamp, me cansaram física e mentalmente, mas também me ensinaram e talvez tenham reaberto uma discussão sobre o jornalismo. Dá para dizer que valeu a pena. A parte derrotada nisso tudo levou 222 milhões de euros. Foi bom para todos.

Tudo começou na segunda-feira, 17 de julho, com informações de que Neymar estava insatisfeito em Barcelona. Eu não havia visto a notícia do ChuteiraFC de que o PSG esperava só o sinal verde do jogador para começar sua operação. Em todo caso, algumas mensagens disparadas na segunda e o tom era o mesmo: “Neymar não se move antes da Copa”. Uma das mensagens tinha dois traços azuis e não tinha resposta. Até a noite daquele dia.

Do outro lado da linha, a conversa começou com a pergunta: “Você acha que a TV vai te enviar para Paris?”. Engasguei alguma coisa e a voz continuou: “Sim, isso mesmo. Está feito”. E então começou a falar. Toda a história. O desejo de Neymar ter um time ao seu redor, a confiança nos brasileiros do PSG, a pressão que cairia sobre a diretoria do Barcelona, o ótimo salário que o acompanharia. Lembrei a ele que já passavam das 11h da noite na Espanha e eu precisaria ainda discutir com a TV como trataríamos o tema.

Decidimos buscar mais informações. Na terça, dia 18, contatos na Espanha e na França. A mesma história contada sob outros pontos de vista, com mais ou menos detalhes. Tínhamos quatro fontes, todas contavam que Neymar queria jogar no PSG e tudo já estava avançado.

Não falamos tudo que sabíamos, protegemos as fontes ocultando algumas informações. Momentos antes de entrar no ar, lembrei de algo que me comentaram.

“Se quiser, pode cravar que ele vai sair. Você vai sofrer por 15 dias porque todos vão negar, mas acredite em mim: está feito”.

Com essa frase dei bom dia ao vivo e contei a história. O boom mundial foi instantâneo. Quatorze entrevistas no primeiro dia, mais de 40 até aqui. E olha que se passar de 60 entrevistas não me surpreendo. De rádio universitária, passando por jornal do interior de SP e chegando à CNN, com o sonho de falar com José Trajano e receber os parabéns de Tino Marcos. E, ainda, críticas e ofensas de milhares.

Sim. Milhares. Em mensagens privadas ou comentários em página do Facebook ou Instagram. Não contei o número de tuites ofensivos, irônicos, ou que desacreditavam na informação. Realmente era difícil de acreditar. Daí a ser chamado de mentiroso, péssimo jornalista, desempregado ou farsa era um pouco além da conta.

Assim como agora me chamam de mito, vidente, melhor do planeta. Me pedem informações de Coutinho, Dembelé, Dybala, Bale. Basicamente pensam que posso informar sobre qualquer coisa que se mexe. Claro que isso é muito melhor do que as ofensas e claro que é reconhecimento pelo trabalho, mas não sou o Di Marzio (aquele jornalista italiano que se dedica a falar sobre transferências e normalmente vai bem).

A cobertura começou com a informação do sim de Neymar ao PSG e os motivos de sua mudança para a França no dia 18. Ampliamos com os contatos com os jogadores do time de Paris, com a tática do PSG para pagar a transferência, com a ida de Neymar para a China e o motivo de seu silêncio (os compromissos comerciais que ainda tinha com o Barcelona), a comissão dos envolvidos, a presença dos advogados em Barcelona.

A cobertura teve plantão no escritório de Neymar por mais de uma semana, todas as tardes das 16h às 19h. Teve ligações para os hotéis 5 estrelas de Barcelona procurando por intermediários que estavam na cidade. Monitorando o Whatsapp e os últimos onlines de pessoas que diziam estar no Brasil, mas ficavam online às 0h30 de Barcelona e depois somente as 9h25 da manhã. Para isso, dormi com o celular despertando de meia em meia hora por uma semana, conferindo o comportamento da pessoa do outro lado e constatando que estava na Europa todos esses dias.

Ao mesmo tempo, seis entradas ao vivo por dia, algumas às 5h da manhã, após algum jogo em horário menos pornográfico no Brasil. Cheguei a comprar uma pizza gigante para servir de comida por três dias, porque eu sabia que não teria tempo de ir ao mercado e muito menos de cozinhar qualquer coisa.

Um dia, baixei Candy Crush no celular. Era madrugada, eu precisava esperar uma mensagem porque deveria respondê-la no ato. No Twitter só se falava de Neymar, no meu Instagram só havia ofensas, na TV espanhola Neymar, no Facebook, adivinhem… no Facebook tinha Bolsonaro. Voltei para as ofensas do Instagram. Liguei o videogame e fui jogar FIFA. Neymar. Desisti. Me arrependi de ter visto House of Cards na semana anterior. Baixei Candy Crush e cheguei quase à fase 300 em um dia. A mensagem chegou, eu respondi, a fonte respondeu outra vez, a madrugada virou dia, e era impossível dormir.

Piqué havia postado que Neymar seguiria e parecia ser algo oficial. Horas antes as coisas estavam avançadas em Paris, me comentaram. Aquela foi a madrugada do Candy Crush.

O desgaste físico e mental foram e ainda estão presentes. Passei meu aniversário sozinho em Paris, em um restaurante qualquer e pensando que nenhum daqueles parisienses nas outras mesas quer que Neymar estreie mais do que eu quero.

Muita gente não me conhecia antes disso tudo. Tenho 31 anos, moro há quase três em Barcelona. Trabalhei na Rádio Inconfidência, TV Horizonte, Rádio Globo e CBN em BH, Rádio Globo em SP, Sportv, Estado de Minas. Hoje estou no Esporte Interativo, Itatiaia, Rádio Mix e Lance. Onze anos de carreira, mas sei que estou começando.

Não sou o Di Marzio, mas sou o Marcelo Bechler. E se você ainda não me conhecia, muito prazer.

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