Como um -1 me fez +1 QA

Gabriel Jundurian
SiDi QA
Published in
5 min readDec 28, 2022

Existem pessoas no mundo, nas mais diversas áreas, que só de olhar, de ver o que a pessoa faz, o primeiro pensamento que temos é: ela nasceu para fazer isso. Como Roger Federer no tênis, Lionel Messi no futebol, e Steve Jobs na tecnologia.

Em um nível um pouco menor, existe também o pensamento de que “tal pessoa leva jeito para a coisa”. Ela pode não ser um destaque absoluto, mas percebemos que ela faz, e muito bem, aquela atividade.

Em ambos os casos, a depender de todo ambiente em torno da pessoa (e de outras coisas também), pode ser que a chance para que a pessoa entre na área apareça muito facilmente, ou pode ser que ela caia de gaiato e se descubra.

Eu considero que, tratando-se do mundo de QA, levo jeito para encontrar falhas (e fazer com que devs sintam raiva de mim); e que essa chance apareceu sem eu ter planejado, sem sequer saber que essa área existia.

Nesse texto vou comentar como entrei em QA e qual foi, dentre todas as falhas que encontrei, a que me marcou mais e a que me fez perceber que poderia levar jeito para a coisa.

Como comentei, eu não tinha planejado entrar na área. Estava entrando no último ano da faculdade, precisava de um estágio, pois era uma disciplina obrigatória, não sabia bem o que queria da vida (a essa altura já tinha mudado de curso uma vez e, ao chegar no final, tinha percebido que tinha errado outra vez), e estava atirando para tudo quanto é lado.

Quando consegui o estágio na área, em outra empresa que não o Sidi, eu nunca tinha visto um celular Android na vida. No meu primeiro dia, me mostraram um e eu fiquei boquiaberto “Nossa, isso é Android?!”. Novato total.

Mas, já no primeiro dia, meu primeiro bug. Quando você acessava a internet sem o 3G ativado, o celular não informava nada para o usuário. Nem lembro se o bug foi pra frente, mas lembro que isso gerou uma discussão no time e fui para casa com uma sensação boa.

Com o tempo o meu time começou a fazer sessões de teste exploratório (não sabia na época que era isso que estávamos fazendo). Todo time se juntava em uma sala, um desenvolvedor participava para ajudar, e nós “atacávamos” uma parte do celular, parte essa que era a especialidade do desenvolvedor, por isso a presença dele.

Em um determinado dia, numa dessas sessões, encontrei um crash, um force close: o aplicativo fechou sozinho. Entrego o celular para o dev olhar os logs. Ele olha pra mim, me pergunta se conseguia reproduzir, eu falo que sim e ele fala: “vem comigo”. Me levou para a baia do chefe dele.

O diálogo foi mais ou menos assim:

-Chefe, vou te falar um número: -1

O chefe ficou com uma cara surpreso

-Como assim?

-Te mandei um log pelo computador. Da uma olhada.

Ele olhou, e quando viu o número -1 no log do crash, na causa do crash, ficou absolutamente surpreso e me falou, já todo empolgado:

-Cara, a gente está de olho nesse crash faz tempo. Sabemos dele, mas nunca tínhamos conseguido fechar o cenário para corrigir, pra achar esse -1. Muito obrigado MESMO! Merece até um prêmio!

Eu lembro de ter voltado para a sala com o resto do time com um sorriso no rosto e o dev todo empolgado também.

Lógico que, se você me perguntasse logo depois disso, anos atrás, eu não diria “Agora sim, encontrei meu lugar”. Na época eu encarei como um belo incentivo, uma demonstração de que eu estava fazendo bem meu trabalho. Um dos meus primeiros feedbacks mais positivos talvez.

E segui.

Os anos se passaram e o tempo demonstrou que, por mais que a nossa área tenha mudado, por mais que eu tenha mudado, a minha sensação, e comprovação, de que eu estou no lugar certo, só aumentou.

Em QA nós passamos de testes basicamente apenas manuais para quase totalmente automatizados. De projetos “puramente” mobile, web, backend, para projetos com muito mais tecnologia e complexidade, hoje inclusive temos projetos até com IA, onde um dos entregáveis do projeto, nosso alvo de teste, é uma inteligência artificial. Toda essa evolução, toda essa mudança, poderia ter mudado minha opinião.

No âmbito pessoal, naquela época eu era um estagiário. Como disse antes, eu não sabia o que queria da vida e tinha agradecido aos céus pelo estágio. Sem querer generalizar, mas como era o primeiro emprego, a gente no geral fica bastante assustado com tudo, com medo de fazer bobagem e tudo ir por água abaixo — Depois de 1 mês de estágio as duas pessoas que trabalhavam comigo saíram da empresa e eu tive que assumir todos os testes e ainda ensinar quem entraria no lugar deles. Quão assustador e propenso a erros e algumas bobagens o ambiente se tornou pra mim?

Com o tempo, e juntando tudo isso, tive diversos novos desafios e responsabilidades que poderiam ter feito com que essa sensação se mostrasse errada.

Mas não.

Mesmo tendo ou não causado outra vez aquela empolgação em um desenvolvedor, ao longo do tempo fui percebendo que as pessoas confiavam em mim, no meu trabalho, em como eu podia ajudar. Eu nunca fui de jogar aos 7 ventos as coisas que eu sei fazer, de mostrar que sei isso ou aquilo, eu simplesmente fazia o melhor que eu podia. E nunca também me importei de não receber abertamente um feedback para o time todo ouvir. Um reconhecimento interno, só entre mim e a pessoa, ou sempre me considerar quando precisassem de ajuda, já é reconhecimento suficiente.

E isso eu vejo até hoje. O que me faz ter certeza que aquela sensação é real.

Após isso encontrei diversos outros bugs, outras falhas, mas esse foi o que mais me marcou até hoje, o que me lembro mais vividamente.

Vendo em retrospectiva, isso foi o que me fez perceber que eu poderia virar um bom QA. Meu ponto de virada. O que me fez seguir em frente. Se hoje eu continuo estudando para tentar ser melhor, para tentar ver como nossa área evolui e tentar acompanhar tudo, se até hoje eu não desisti, é em razão dele.

Não estou dizendo que para ser um bom QA, para saber que você é bom no que faz, precisa passar por algo exatamente como eu passei. Cada um é cada um, e encara os acontecimentos de formas diferentes e é marcado de formas diferentes. Mas realmente acredito que se vocês estão aí, sendo QAs, algo aconteceu que te deu uma sensação parecida, de que você pode estar no lugar certo.

Comigo, foi tudo graças a um -1.

Qual foi o seu?

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