É como arrancar um pedaço

Maya Falks
QG Feminista
Published in
4 min readDec 17, 2016

Até que aconteça com você, você não saberá como é

Você já sentiu como se arrancassem um pedaço de você? E se esse pedaço fosse fundamental para sua existência, você consegue imaginar como seria?

Diariamente pipocam nas redes não apenas notícias de mulheres que viraram estatística, mas também romantizações sobre a dor que um estupro causa, culpabilização das vítimas (ah, mas ela também não era santa) e mensagem de apoio no melhor estilo de filosofia de botequim. Até novos hábitos alimentares indicam para “dar a volta por cima”.

Mas quantas vezes você já parou para escutar o que uma vítima de estupro tem para dizer? Não me refiro a relatos ou entrevistas, sequer sobre o próprio depoimento dessas mulheres; me refiro às entrelinhas.

Um relato de estupro pode causar o mesmo efeito da leitura de uma obra de ficção, que pode ir do choque à indiferença, ter a capacidade de perceber as abstrações contidas naquele relato pode mudar a forma como você enxerga não apenas essa violência, mas sua vida.

O estupro vai muito além, mas muito além, dos horrores descritos pelas vítimas — o que, para pessoas desprovidas de uma boa capacidade de empatia, se resumo e um “sexo não consentido” — um estupro é uma pequena morte. Ninguém se recupera completamente de um estupro, porque o estupro não é “apenas” a invasão de corpos, mas o dilaceramento da dignidade.

É como arrancar um pedaço de você. Um pedaço que não pode ser substituído por um transplante ou uma prótese. É como abrir um rombo a ferro e fogo na sua alma, transformar você em papel picado que jamais voltará ao seu estado original. É como trancar a porta do inferno com você dentro.

Uma vítima de estupro será para sempre uma pessoa marcada, mesmo que ela aparente ter dado a volta por cima. Ela ganha mil sentimentos conflitantes que se tornam insistentes vozes em sua cabeça para o resto da vida. Ela ganha medos que você, pessoa que nunca passou por um estupro, nem sabe que existem.

Ela se perde de si mesma. E mesmo que ela consiga se recuperar, ela precisa fazer força todos os dias para conseguir se manter como um ser humano completo e digno.

Um estupro é uma pequena morte, e não é de se estranhar que muitas mulheres, em zonas de conflito, prefiram abraçar a morte a encarar o inevitável destino do estupro. Não há maldade maior contra um ser humano do que um estupro. Um estuprador não é — e não é MESMO — um homem incapaz de resistir a um impulso, um estuprador é um assassino de almas, de sonhos, de amores-próprios, de perspectivas de vida.

Um estuprador não “faz sexo forçado”, ele mata senão toda, pelo menos parte da própria essência de vida daquela vítima. Ele suga sua energia vital e a devolve um combo completo de traumas, medos, fobias e dores.

Lady Gaga, vítima de estupro, fez uma música que ajuda a compreender um pouco mais:

“ATÉ QUE ACONTEÇA COM VOCÊ

Você diz que vou me sentir melhor com o passar do tempo

Você me diz que eu vou me recompor

Vou me recompor, que vou ficar bem

Me diga, o que você sabe? o que você sabe?

Me diz como é que você pode saber? Como pode saber?

Até que aconteça com você

Você não sabe como é, como é

Até que aconteça com você, você não saberá, não será real

Não será real, não vai saber como é

Você me diz para manter a cabeça erguida

Manter a cabeça erguida e ser forte

Pois quando você cai, precisa levantar

Precisa levantar e seguir em frente

Diga-me como você pode falar isso? Como pode falar isso?

Pois até você andar por onde andei

Isso não é brincadeira

Até que aconteça com você

Você não sabe como é, como é

Até que aconteça com você

Você não saberá, não será real

(Como você pode saber?)

Não, não será real

(Como você pode saber?)

Não vai saber como eu me sinto

Até que o seu mundo queime e se desmorone

Até que você esteja no fim, no fim da sua corda

Até que você esteja no meu lugar

Eu não quero ouvir nada de você, de você, de você

Pois você não sabe

Até que aconteça com você

Você não sabe como é, como é, como é

Até que aconteça com você

Você não saberá, não será real

(Como você pode saber?)

Não, não será real

(Como você pode saber?)

Não vai saber como é

Até que aconteça com você

Aconteça com você

Aconteça com você

Aconteça com você

Aconteça com você

Aconteça com você

(Como você pode saber?)

Até que aconteça com você

Você não saberá como eu me sinto”

Não, prezado leitor, um estupro não é tão ruim quanto parece, um estupro é muito pior que isso.

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Maya Falks
QG Feminista

Escritora, publicitária, jornalista e caçadora de nuvens.