“A Cafetinagem da Prostituição”, de Julie Bindel, destrói os mitos do mercado do sexo com detalhes implacáveis

O novo livro de Julie Bindel oferece a mais compreensiva análise das políticas do mercado do sexo até agora.

Mariana Amaral
QG Feminista
5 min readOct 9, 2017

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Por Louise Perry

“Ouça as profissionais do sexo” tem se tornado o lema daqueles que se opõem às restrições legais ao mercado do sexo. Bem, Julie Bindel as ouviu.

A Cafetinagem da Prostituição é composto por cerca de 250 entrevistas, conduzidas em 40 países, cidades e estados. Bindel conversou com organizações de profissionais do sexo que se opõem ao Modelo Nórdico; com políticos, policiais, e especialistas em saúde pública que definem as políticas do mercado do sexo; com proxenetas e cafetões, com madames que tornam meninas e mulheres prostituídas, presas em potencial. Mas acima de tudo, ela ouviu as sobreviventes. Não as “profissionais do sexo” brancas, bem educadas, vindas da classe média e com PhDs, que dominam a cobertura midiática sobre a prostituição, mas com as mulheres que sabem como ela realmente é. Esse é um livro que transborda a voz das mulheres.

Há momentos em que é difícil continuar lendo. A visita de Bindel a um bordel legal em Nevada fica presa na mente. Ela conhece Sindy, uma jovem com deficiência de aprendizado e que foi vendida para o bordel Mustang Ranch pelo pai de seu namorado. A madame que “gerencia” o lugar sabe exatamente que Sindy é deficiente, e a descreve como “uma criança de 9 anos presa em um corpo de adulta”, mas ela aparentemente não vê motivos para não continuar lucrando com o abuso sofrido por Sindy. A madame é perspicaz em representar o mercado do sexo de Nevada como seguro e sanitário — um modelo a ser emulado pelo resto do mundo — e insiste que ela cuida das garotas. Ela explica que quando Sindy “festeja” (isso é, quando um comprador de sexo paga para transar com Sindy) “uma das garotas vai sempre para dentro do banheiro perto do quarto, para garantir que o homem não tire vantagem dela quando perceber o que ela é.”

O opositores do Modelo Nórdico nos fazem acreditar que a prostituição é inevitável. Eles argumentam que mulheres como Sindy vão sempre cair no mercado do sexo, então por que não fazer campanha para melhorar as condições desse “trabalho”? Descriminalizar cafetões e clientes, eles dizem, resulta em uma “redução de danos” — fazer a vida um pouco mais segura e um pouco mais tolerável para mulheres e meninas prostituídas. Esse episódio no bordel Mustang Ranch nos mostra o quão fraca essa abordagem realmente é. “Redução de danos” oferece a mulheres como Sindy nada a além de uma possível testemunha em um quarto ao lado. Nada acontece para reduzir o perigo e o trauma a que ela é exposta porque essas políticas não atingem a fonte — os homens que pagam para abusar sexualmente dela. Como a sobrevivente e ativista Rachel Moran comenta a Bindel, essa abordagem “sugere que a prostituição em si não é o problema” quando na verdade “a prostituição é exatamente o problema.” Diferente dos defensores do modelo da “redução de danos”, abolicionistas não querem apenas mitigar os perigos do mercado do sexo, eles querem acabar com ele completamente.

Relatos como o de Sindy são centrais para a formulação do argumento de Bindel, mas ela vai mais além do que apenas recontar uma série de histórias de horror. No fim de seu prefácio, ela cita Andrea Dworkin:

“Eu passei 20 anos escrevendo esses livros. Se eu quisesse apenas chamar os homens de monstros e gritar, isso teria me levado 30 segundos.”

A Cafetinagem da Prostituição é o relato mais compreensível sobre as políticas do mercado do sexo que eu já li. Ele vai bem além de apenas direcionar o ódio contra os crimes praticados contra mulheres e meninas, mesmo que haja uma boa dose de raiva justificada no âmago deste livro. É uma refutação completa dos mitos vendidos pelo lobby pró-prostituição.

Bindel articula meticulosamente o argumento abolicionista em uma série de capítulos focados no movimento de direitos das profissionais do sexo, nas ONGs de direitos humanos, organizações de caridade para tratamento do HIV/AINDS, ativistas “queer”, e, acima de tudo, acadêmicos. Ela mostra como todos esses grupos ajudaram a cafetinar a prostituição — para sanitarizar e ocultar a realidade do mercado do sexo. Bindel é notavelmente justa em seu resumo desses argumentos, geralmente citando a própria fala dos proponentes. Essa não é uma cortesia estendida aos abolicionistas, que são frequentemente descartadas como odiadoras de homens pudicas, com ligações com os conservadores religiosos. Bindel também frequentemente recebeu respostas negativas ao tentar conversar com pessoas dentro da academia e envolvidas com os “direitos das profissionais do sexo”. Estariam eles com medo do que ela possa descobrir?

Existe uma boa quantidade vilões à espreita e à superfície, como Bindel descobriu por meio de investigações profundas sobre indivíduos envolvidos no lobby pró-prostituição. Ela expõe a relação próxima entre o cafetão Douglas Fox e a União Internacional das Profissionais do Sexo (IUSW), uma organização que clama falar pelas mulheres inglesas envolvidas no mercado do sexo. O traficante de humanos e fraudador John Davies é delatado por ter se passado como um pesquisador acadêmico legítimo, escrevendo defesas à indústria do sexo sob o manto protetor da Universidade de Sussex. Ela traz à luz evidências de que Peter McCormick, outro cafetão, financiou uma campanha fazendo oposição à introdução do Modelo Nórdico na Irlanda. Todos esses homens receberam a respeitabilidade dos “ativistas dos direitos das profissionais do sexo”e seus apoiadores, não apenas na academia.

Acadêmicos anti-abolicionismo vão odiar esse livro. O relato de Bindel sobre sua participação em uma conferência em Viena em 2015 sobre políticas para prostituição é revelador. Praticamente quase todo acadêmico que se pronunciou no evento era contra o Modelo Nórdico, e usaram uma variedade grande de eufemismos odiosos para descrever as realidades do mercado do sexo. A cafetinagem foi descrita como “práticas de negócios”, e os atos sexuais como “serviços afetivos e eróticos”, e o estupro como “quebra de contrato”. “Coagir”, “vítima” e “tráfico” estão apenas em citações chocantes. Essa abordagem é a norma na academia; e esses não são, como Bindel coloca, “indivíduos inofensivos e inefetivos em suas torres de mármore publicando artigos que ninguém lê.” É evidente que acadêmicos desempenharam um papel importante em promover o mercado do sexo e em influenciar políticas governamentais. Eles têm muito pelo que responder.

Ainda assim, apesar de tudo, esse é um livro otimista. O movimento de sobreviventes está crescendo, e um número crescente de países estão adotando o Modelo Nórdico. Bindel finaliza, assim como começa, com o depoimento de sobreviventes que lutam contra a opressão mais antiga: mulheres que “se juntam por meio das políticas feministas e pela força da esperança.” Sim, ainda temos um longo caminho a percorrer, mas existem razões para se acreditar.

Louise Perry é uma escritora feminista que vive em Oxford, UK. Ela está atualmente escrevendo um livro sobre a história de se comprar e vender partes do corpo humano.

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