Crianças trans.

Realidade ou mais um mito pós-moderno?

Clara Dantas
QG Feminista

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Em meio ao falatório sobre identidade de gênero, discursos sobre a transgeneridade infantil estão cada vez mais populares. Materiais que contam a história de meninos e meninas que “se sentem errados” em seus corpos são compartilhados em redes sociais, com narrativas apelativas (imagem abaixo) que visam sensibilizar o público.

Quem será que deu essa justificativa? A criança pensou sozinha ou alguém moldou seu pensamento?

Bem, antes de apontar minha opinião sobre esse assunto, vou falar um pouco sobre minha própria infância (final da década de 90/anos 2000):

Quando criança, eu costumava vestir as roupas dos meus primos — camisetas, bonés, bermudas e até mesmo sandálias “mais masculinas”, maiores que meus pés. Reclamava sempre que tinha que usar vestido e, claro, detestava rosa.

Ainda pequena, fui levada para uma aula experimental de balé. Na saída, depois que minha mãe perguntou se eu havia gostado, pedi para aprender karatê (desejo não realizado, infelizmente).

Outra vez, no Dia das Crianças, ela me levou para uma loja de brinquedos, onde a vendedora imediatamente nos encaminhou para a sessão feminina. Saí de lá direto para o setor dos meninos e voltei trazendo o “Kit do Popó”, que continha luvas de boxe, um saco de pancadas e um cinturão. Minha mãe, nem um pouco surpresa, comprou e me deu de presente.

Eu, em 1997

Em aniversários ou datas comemorativas, quando ganhava bonecas, maletas de maquiagem e afins, eu guardava e passava adiante para minhas primas. Preferia brincar com carros, motos, bonecos, animais ou dinossauros de plástico.

No recreio, andava com os meninos, pois nenhuma brincadeira das meninas me agradava. Enquanto minhas colegas falavam sobre filmes da Barbie ou Polly Pocket, eu estava ansiosa para ver a transformação de Goku em Super Sayajin 3.

Lembro também de uma situação específica, no sítio, em que meus primos não queriam me deixar brincar com eles, dizendo que apenas meninos podiam participar. Irritada com a ideia, gritei para todo mundo que a partir daquele dia eu não era mais menina, e que meu nome seria Max. Eu tinha uns 8/9 anos.

Provavelmente, se isso acontecesse nos dias de hoje, eu seria considerada uma criança trans. Simplesmente porque, ao ver da sociedade, meu comportamento era “típico de um menino”. Para alguns ativistas e “especialistas”, Max seria meu nome social, uma identidade a ser respeitada.

Fonte: Feminismo Radical Didático

Nesse sentido, o transativismo e o patriarcado se assemelham: ambos reforçam estereótipos. Perpetuam a ideia de que a feminilidade é uma condição natural para a mulher, em vez de uma imposição social; que a masculinidade é intrínseca ao homem; e que os sujeitos é que devem se ajustar à sociedade, em vez do contrário.

Seria muito mais revolucionário que as pessoas, em vez de se adaptarem, pondo suas vidas em risco e encaixando-se em outros rótulos, dissessem: “Sou homem e não sou masculino” ou “Sou mulher e não sou feminina”. Obviamente, esta não é uma tarefa fácil.

Se uma menina diz que quer ser menino, não significa que ela deva se preparar para inundar seu organismo com medicamentos, a fim de inibir os efeitos da puberdade. Em vez disso, ela precisa saber que pode fazer o que quiser, que o fato de ela ser uma fêmea não vai impedi-la de seguir seus sonhos. Da mesma forma, se um menino diz que quer ser menina, não deve ser submetido a tratamentos estéticos e farmacêuticos irreversíveis — o que gera lucro para várias empresas, diga-se de passagem.

Meninas podem jogar bola. Meninos podem brincar de casinha. Não há problema nisso. O erro está em impor determinada educação à criança, de acordo com o seu sexo. Em insistir que meninas devem se divertir com brincadeiras que enfatizam seu “dever” como futuras mães e donas de casa; e em ensinar que “homem não chora”, instruindo meninos a serem fortes, destemidos e isentos de sensibilidade.

Não existe criança trans. O que existe é uma sociedade carregada de estereótipos e normas patriarcais, intimamente ligadas ao conceito de gênero. Todos nós — não só as crianças — devemos ser livres para agir conforme nossa vontade, sem que o fato de sermos mulheres ou homens cause algum constrangimento.

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