Feminismo Radical

Tradução do artigo de Susan Hawthorne para a Revista Labrys — Estudos Feministas

Furiosa
QG Feminista

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(Tradução livre deste artigo de Susan Hawthorne para a Labrys 27.)

Resumo

“O pessoal é político” é uma máxima que exemplifica o feminismo radical. Eu exploro a forma como minhas vidas pessoal e política entrelaçaram-se com o desenvolvimento de minha análise política. Desde o começo de minha politização em 1972 quando eu tinha pouco mais de vinte anos, eu defendo que o feminismo radical se encontra no centro do feminismo, e apesar de sermos frequentemente jogadas à margem, no final ideias feministas radicais são abraçadas — mas pode demorar 50 anos! O feminismo radical também é inventivo e imaginativo, e ao colocar mulheres em seu centro é a única postura política que luta por mais da metade da população mundial, as mais pobres dentre os pobres: mulheres.

Palavras-chave: radical, político, feminismo.

O feminismo radical salva vidas

O motivo principal pelo qual o feminismo radical se sobrepôs ao feminismo socialista ou marxista é a centralidade nas mulheres. Fazia sentido intuitivamente para mim. No começo, eu não tinha uma análise muito sofisticada. Eu também não estava mergulhada em ideias políticas. Essas se formariam durante as décadas seguintes. Para adotar uma postura política, é necessário ter um tipo de reação visceral, um sentimento profundo, paixão. Ativismo não é feito de apatia, mas de crenças fortemente carregadas e crenças que correspondem à experiência da pessoa.

Parte de chegar ao feminismo radical foi minha experiência em grupos de conscientização. Eles foram uma forma de conquistar o entendimento de nossa opressão coletiva. Não tínhamos um manual; simplesmente começamos a falar. Nós compartilhávamos as histórias de nossas vidas. Nós fazíamos perguntas umas às outras. Cada uma de nós tinha vergonha de alguma coisa. Ter outra pessoa te perguntando por que você se sentia daquela forma era muito importante no processo de compreensão de que aquele sentimento não era necessário.

Numa noite, durante nossas conversas, eu disse às outras que eu sofria de epilepsia. Eu tremia enquanto disse isso. Pensei que todas levantariam e sairiam da sala. Eu esperava abandono. Elas deram de ombros. Eu fiquei chocada porque quando criança me disseram pra nunca falar disso. Eu pensava que o que eu tinha era tão terrível que nem meu pai sabia (de acordo com um breve comentário feito por minha mãe). Então eu carregava esse segredo.

As mulheres em meu grupo de conscientização fizeram possível que eu amadurecesse minha compreensão política porque nós compartilhávamos o que sabíamos sem julgamentos. Nossas vidas se tornaram o centro de nossas análises. Também discutíamos ideias políticas como “o pessoal é político” ou “pornografia é a teoria, estupro é a prática”. Tentávamos refletir se concordávamos com elas ou não.

O feminismo radical é inventivo

Quando olho pra trás, para meus primeiros anos como feminista radical (1974–1978), eu fico muito surpresa com o quanto aprendemos, com o quanto inventamos. Algumas das coisas que inventamos ainda são elogiadas como ideias novas.

Feministas radicais da Austrália inventaram as terras de mulheres. Há várias extensões de terra na parte norte de Nova Gales do Sul que foram compradas nos anos 70. Elas têm sido continuamente habitadas por mulheres, principalmente lésbicas. São terras para mulheres, onde mulheres podem se sentir seguras, podem viver sem homens, podem aprender a se tornar seres humanos por inteiro. Mulheres aprenderam habilidades como construção, pecuária, agricultura, além de criar uma cultura baseada no conhecimento de mulheres.

Feministas radicais inventaram o teatro de mulheres, no qual nossas vidas eram refletidas para nós. As danças de mulheres necessitavam de bandas de mulheres, e o rock de mulheres floresceu.

Vivíamos juntas e o conhecimento que uma mulher aprendia era compartilhado. Muitas de nós aprenderam a ler um mapa astral, a fazer leituras de tarô umas para as outras. Nós lemos sobre medicina com ervas, homeopatia; várias de nós seguiram e foram completar seus estudos formalmente em medicinas alternativas ou em Medicina Tradicional Chinesa. Ao mesmo tempo, líamos sobre as bruxas e mudávamos de ideia sobre o que significaram para as mulheres. Eu abri uma loja de alimentos saudáveis por um ano em 1979, algo que eu nem imaginava ser capaz de fazer em 1973.

O feminismo radical pensa a longo prazo

No final de 1976, eu estava viajando pela Europa. Foi então que eu comecei a aprender sobre a história das mulheres datada de muitos milhares de anos atrás. Eu viajei para Creta e fiquei apaixonada pelo que encontrei lá. Apesar de que eu já ouvira falar sobre a cultura Minoica, eu sabia mais sobre Dédalos e sobre o Rei Minos do que sobre as mulheres daquela sociedade. Ao seguir minha curiosidade por dentre o museu em Herakleion, eu comecei a ver o mundo de uma nova forma. Era como se as escalas tivessem caído dos meus olhos. Ali estava uma sociedade sem fortificações militares; uma sociedade que retratava mulheres não como objetos sexuais, mas como detentoras de poder.

Essa visão de longo prazo das feministas radicais tem persistido. Feministas radicais têm escrito os saberes mais interessantes sobre as civilizações. Isso, eu acredito, é porque nós lemos as entrelinhas. Não imortalizamos o patriarcado, como não o consideramos nem universal nem inevitável.

A partir desses saberes vieram muitos trabalhos de pesquisa importantes. As “Suppressed Histories” de Max Dashu, por exemplo, fornece milhares de imagens de mulheres de cada continente e através dos milênios. A profundidade da história, a gama de artefatos desde de artesanato em cavernas ou feitos em pedra até a cerâmica e o trabalho com metais, assim como com tecidos e fios. Nos períodos mais arcaicos, pouquíssimas imagens de homens ou de meninos são encontradas. Em contraste, milhares e milhares de imagens de mulheres; a Vênus de Willendorf é apenas a mais famosa delas.

Na Itália, no começo de 2014, visitei um museu em Ancona, o Museu Arqueológico Nacional da Merche, que abriga um artefato extremamente antigo — La Donna Lupa Paleolitica. Ela é a mais velha loba que existe, datada de 300.000 a.C.. Sua casa atual é um quartinho nos fundos do museu. Não há placas, quase nada para distingui-la das rochas e dos sílex nas caixas de vidro que a rodeiam. Isso reflete o status das mulheres.

O feminismo radical é imaginativo

Monique Wittig, com sua novela Les Guérillères, criou um dos mais imaginativos trabalhos de ficção do século XX. Ela imagina uma sociedade futura em que mulheres estão lutando contra o patriarcado assim como criando uma nova forma de sociedade em que não há guerra: uma sociedade mais semelhante àquela das Minoicas ou da loba de 300.000 anos.

Suzanne Bellamy retrata isso em um de seus trabalhos artísticos. Trabalhando com porcelana, ela representa um pequeno grupo de mulheres com telescópios e computadores bisbilhotando o espaço de forma a observar o “trânsito do patriarcado”. Como Wittig, Bellamy une o passado remoto com o futuro distante. Lilla Watson, uma filósofa indígena de Queensland disse em 1981, “para pessoas aborígenes, o futuro se estende à frente tanto quanto o passado para trás. Isso significa um plano de 40 mil anos.”

Eu acredito que feministas radicais e muitos outros povos do mundo inteiro estão no mesmo planeta. Esse é nosso único planeta. Quem está fora de órbita são os capitalistas e os lordes de guerra, os cafetões e os incorporadores.

O feminismo radical tem um futuro

Meu próprio trabalho é focado em pensar para o futuro. Nos últimos vinte e cinco anos minha companheira Renate Klein e eu tocamos a Spinifex Press, uma casa de publicação feminista radical. Sabemos que estamos anos à frente da curva social, não só em nosso pensamento político mas em nossa criatividade. Frequentemente tivemos a experiência de publicar um livro, apenas para descobrir que dez ou vinte anos depois outra pessoa está levando todo o crédito pela mesma ideia. A pessoa creditada frequentemente apresenta uma versão diluída da ideia, ou, se não, a pessoa é um homem. Ideias são tão mais seguras quando saem de bocas masculinas!

Apesar disso, eu tenho otimismo a longo prazo pelo feminismo radical. Na maioria dos casos nossas ideias avançam, de fato, apesar de às vezes demorarem cinquenta anos para soarem “normais” ou “aceitáveis”. No meio tempo, somos taxadas de “extremistas”, quando, na verdade, isso é um exemplo do que a filósofa feminista radical Mary Daly chamava de reversão. Os reais extremistas são aqueles que não se importam se o planeta é destruído; desde que lucrem com isso, não se importam: se pessoas morrerem de fome ou se mulheres forem assassinadas e estupradas em suas casas. Sabemos há muito tempo que as mais pobres dentre os pobres são o grupo “mulheres”. Colocar mulheres no centro de nossa análise significa reconhecer que nenhuma análise política vale alguma coisa se não torna as vidas das pessoas mais pobres melhor.

Meu outro foco para o futuro é a poesia. A poesia consegue carregar ideias através de gerações, e eu já assumi a persona de animais, vacas, ovelhas e lobos para transmitir essa mensagem. Uma vaca que canta um poema de amor a outra faca é bem menos ameaçadora que uma lésbica que faz o mesmo. Até os fazendeiros, dentre os quais eu cresci, podem aceitar tal poema. Essa vaca, Queenie, atravessa a galáxia, a lua e os períodos míticos da Terra. De forma similar, meus lobos e cordeiros choram sobre a tortura que têm suportado através dos tempos, independente de suas políticas.

A ‘civilização’, como eles chamam, é a história da misoginia. Somente o feminismo radical a pode contra-atacar.

Referências

Daly, Mary. 1984. Pure Lust: Elemental Feminist Philosophy. Boston: Beacon Press.

Foster, Judy with Marlene Derlet. 2013. Invisible Women of Prehistory: Three Million years of Peace, Six Thousand Years of War. Melbourne: Spinifex Press.

Hawthorne, Susan. 2011. Cow. Melbourne: Spinifex Press.

Hawthorne, Susan. 2014. Lupa and Lamb. Melbourne: Spinifex Press.

Moorhead, Finola. 2001. Darkness More Visible. Melbourne: Spinifex Press.

Thadani, Giti. 2004. Moebius Trip: Digressions from India’s Highways. Melbourne: Spinifex Press.

Watson, Lilla. 1984. “Aboriginal Women and Feminism”. Keynote speech presented at Fourth Women and Labour Conference, Brisbane. July.

Wittig, Monique. 1972. The Guérillères. London: Picador.

Para mais conteúdo feminista radical e materialista, conheça a revista Labrys — Estudos Feministas, organizada pela Profª Drª Tania Navarro-Swain. A revista já está em seu 31º volume, e além de trazer artigos e dossiês de feministas não só do Brasil e da América Latina como do mundo inteiro, traz conteúdos de grandes nomes como Susan Hawthorne, Sheila Jeffreys, Janice Raymond, Saffioti, Luce Irigaray, Christine Delphy, Margareth Rago, Joan Scott e Carole Pateman.

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