Genealogia das mulheres do Feminismo Radical da Diferença

Introdução à Primeira Conversa das Feministas Lúcidas, 7 de outubro de 2017

Fêmea Brava
QG Feminista
14 min readMar 7, 2019

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Texto original de Andrea Franulic. Tradução Fêmea Brava.

Introdução à Primeira Conversa das Feministas Lúcidas, 7 de outubro de 2017

Dizem que coincidências não existem, e eu acho que isso dá mais liberdade ao viver. Quando eu ia pensar que, ao falar sobre o feminismo radical na Faculdade de Beauchef na Universidade do Chile, conheceríamos, com Jessica Gamboa, que me acompanhou naquele dia, o jovem ímpeto rebelde que depois formaria conosco as Feministas Lúcidas? Eu vim de uma ruptura política brutal que removeu toda a minha existência dos últimos 16 anos. Eu não fui a primeira ou a última mulher a ter vivido algo assim em um grupo feminista; com efeito, um dos importantes aprendizados de toda essa experiência tem a ver com as dificuldades que experimentamos quando fazemos política juntas. Mas, ao mesmo tempo, conhecemos o prazer da relação entre mulheres e a experiência única de se sentir parte da História; não há como voltar atrás para esse desejo. É por isso que este encontro com essas jovens e com outras que chegaram mais tarde, todas ansiosas por aprender sobre o feminismo radical, significou algo grande e belo para mim.

Assim, as Feministas Lúcidas se formaram no ano de 2014 como um grupo de estudos ou, como nós o chamamos, coloquialmente, clube de leitura. A cada 15 dias nos encontramos, nas tardes de sábado, em rodízio nas casas, de acordo com a oferta que surge durante a semana, e as portas estão sempre abertas para as mulheres que querem chegar. Acompanhados, muitas vezes, de comida vegana, lemos e conversamos o que lemos sobre os escritos das pensadoras do feminismo radical e da diferença. Nós não apenas dialogamos entre nós, mas também com elas. Assim, as palavras de Adrienne Rich, Virgínia Woolf, Kate Millet, Audre Lorde, Sheyla Jeffreys, Carol Hanish, Carla Lonzi, Julieta Kirkwood, Milagros Rivera, Christine de Pizan, as Mulheres da Biblioteca de Milão, despertaram nossas consciências. Shulamith Firestone, as autônomas chilenas e latino-americanas, Andrea Dworkin, entre tantas outras.

Nossas reuniões fazem parte da política das mulheres. Trata-se de um fazer político que nada tem a ver com política com poder (María Milagros Rivera, 2005) ou com o apelo às massas. Ao longo do tempo, as mulheres se reuniram em pequenos grupos para pensar e intervir no mundo, descobrir suas antecessoras, despertar consciência crítica e falar de si mesmas (Maria Milagros Rivera, 1994), promovendo transformações significativas nelas e na sociedade. Por exemplo, as mulheres do chamado Movimento das Preciosas abriram seus salões, durante o século XVII, para realizar reuniões políticas e intelectuais. A partir delas, surgiram as ideias mais brilhantes que levaram, um século depois, à Revolução Francesa (María Milagros Rivera, 2005). Ou antes, no final da Idade Média, encontramos o Movimento das Beguinas, composta de pequenas comunidades de mulheres celibatárias, que revolucionou a espiritualidade na Europa no século XI (Maria Milagros Rivera, 2014).

Olhando para a história recente, vemos mulheres dos anos setenta reunindo-se nos grupos de tomada de consciência, a partir dos quais acabaram emergindo uma teoria feminista genuína, ou seja, um amplo e profundo conhecimento sobre a nossa experiência como mulheres na civilização patriarcal. Esta prática política também ocorreu em países da América Latina durante as ditaduras nos anos 1980. No Chile, Julieta Kirkwood deu seus Feminários no Círculo de Estudos de Mulheres de 1978. Em 1984, ela formou, juntamente com Margarita Pisano e outras mulheres, a Casa de la Mujer La Morada, onde muitas oficinas, palestras e cursos foram realizados sobre as necessidades e desejos que nos afetam. No início dos anos 1990, se organizou em nossos países o feminismo autônomo, em resposta à esmagadora institucionalização dos movimentos sociais.

As feministas autônomas, com expoentes como Sandra Lidid, Ximena Bedregal e outras, combinavam, no pequeno grupo, reflexão e denúncia pública. Em 1997, cheguei para as conversas convocadas por Margarita Pisano, como feminista autônoma, em sua casa no Barrio Bellavista, para falar sobre a história das mulheres, sobre a obrigação do amor, autonomia política, maternidade, sexualidade e lesbianismo. Neste instante, eu vivia, entre outros no futuro, a minha primeira tomada de consciência, que significou algo tão elementar, tão primitivo, como me dar conta de que sou uma mulher.

Esta breve análise dá conta de perceber que somos parte da história ou, em outras palavras, de uma genealogia, o que torna claro que as liberdades, rebeldias e ideias políticas das mulheres não são expressões isoladas de poucas audazes e atrevidas, senão que devemos umas às outras, sempre e enquanto nos reconhecermos e nos nomearmos como parte de um fio histórico que é, ao mesmo tempo, contínuo e descontínuo, subterrâneo e visível, frágil e firme, mas sempre presente. Como dizem as autoras do Pensamento da Diferença, a História é uma só, como é um só o mundo, mas os sexos são dois. Portanto, a História é também a História das Mulheres, e não apenas aquela que corre em paralelo ou, menos, outra de natureza compensatória (María Milagros Rivera, 2005).

No entanto, a História que estabelece conhecimento com poder, por exemplo, nas escolas e universidades, nos deleta. Nossa presença não existe, ou, aparece de maneira secundária e, quando surge como protagonista, é porque os homens escolheram uma ou outra ‘mulher excepcional’ (Adrienne Rich, 2010), cuja vida distorcem. Acontece assim, porque esta História está relacionada com a unilateralidade que o patriarcado instala como uma ideologia, isto é, do ponto de vista de um único sexo que foi definido, para si mesmo, como todo-poderoso.

Nós mulheres temos vivido na sombra dessa desistoricização. Mais ainda a partir da modernidade, isto é, a partir do século XVII adiante, dos quais o auge se expressa nos totalitarismos do século XX. Após o genocídio silenciado, conhecido como a ‘Caça às bruxas’, que destrói a população feminina durante quatro séculos (desde XIV ao XVII, aproximadamente), se impõe, na cultura ocidental, o princípio da igualdade dos sexos, o que acentua a absorção do feminino pelo masculino. A mais vívida consequência de tudo isso que vivemos é que fomos, mais do que nunca, sem ordem simbólica feminina, quer dizer, sem palavras próprias, incorporadas em uma genealogia reconhecível de mulheres, para fazer sentido, dar significado e realidade às nossas relações e experiências: por mais que olhemos e procuremos, não nos encontramos em lugar nenhum; nós colidimos com a impossibilidade de dizer ao mundo e dizer-nos a nós mesmas, porque só nos deixam à mão a linguagem androcêntrica, outra, que nos aliena (1).

Esta mudez existencial manteve-nos sujeitas às fantasias, medos e desejos dos homens, encontrando nas perversas projeções masculinas referências vazias de memória e pensamento, corpo e linguagem. Expressado de outro jeito: encontramos apenas estereótipos femininos, codificados pela ordem patriarcal (María Milagros Rivera, 1994). E, em resistência ou oposição a estes, nos oferecerem como a única saída para o reconhecimento com os homens a armadilha da igualdade ou da equidade, o grande triunfo da era moderna, que acrescenta, insisto, mais alienação às nossas vidas. Como diz Andrea Dworkin (1981: s/ p): “Quero sugerir que se comprometer a alcançar a equidade (…) com os homens, ou seja, a alcançar uma uniformidade (…) é comprometer-se a tornar-se rico em vez de pobre, o estuprador em vez da estuprada, o assassino em vez da assassinada”.

Queremos continuar vagando, confusas, no meio da escuridão, do desespero e da insegurança sem nome? Queremos continuar sendo incluídos em uma civilização predatória de tudo o que está vivo, alimentando-a com nossas energias criativas? Podemos viver perpetuando negação e desprezo em relação a nós mesmas? Para pôr fim a tudo isso, a descoberta e produção de uma ordem simbólica feminina, que não pode ser separada da recuperação genealógica, constituem a política fundamental das mulheres deste século; é a única maneira que encontramos, e acreditamos que é possível, para dizer-lhes basta! de crueldade e violência patriarcais (1).

As reflexões que desenvolvo aqui, assim como as autoras que mencionei, pertencem a certas correntes do pensamento feminista. Dizer que o feminismo não é um só constitui, neste momento, um lugar comum; embora, para mim, o feminismo deva ter um único resultado: criar uma nova cultura. E esse propósito eu acho em algumas expressões do radical e da diferença. Tenho chamado de feminismo radical da diferença a intersecção de ambos (Margarita Pisano & Andrea Franulic, 2009). Os dois surgem em grupos de tomada de consciência, onde as vozes das mulheres são ouvidas, conversando com seus corpos, em primeira pessoa, a partir de si mesmas, em seu próprio idioma, que o feminismo radical chamará de ‘idioma comum’ das mulheres (Mercedes Bengoechea, 1993); e o feminismo da diferença, chamará de ‘idioma materno’ (Luisa Muraro, 1994).

Além disso, o amor para com as mulheres, junto ao ‘eu’ e à coletividade políticos, o feminismo radical sintetizará como o conceito de ‘experiência comum’ das mulheres; enquanto o feminismo da diferença será na idéia de ‘entre as mulheres’ (María Milagros Rivera, 2001). Estes termos, tanto os que se referem à língua como os que aludem à relação entre as mulheres, não guardam o mesmo conteúdo, mas compartilham a necessidade urgente de estabelecer a confiança entre nós, tanto para viver como para fazer política, em vez de sanções e competições insalubres, que constituem a maneira pela qual a ideologia patriarcal intervém em nossos laços (2).

Além disso, para essa fusão, a radicalidade contribui para a nitidez da análise, questionando a institucionalidade patriarcal desde seus fundamentos; enquanto o feminismo da diferença contribui com o desprendimento necessário para continuarmos a participar na guerra contra o patriarcado e, assim, ser livres para indicar o sentido de ser mulheres, abandonando homens e sua cultura como ponto de referência. Cada feminismo é um contrapeso ao outro para alcançar o equilíbrio.

Pelo contrário, à medida que que cada um se afasta, gradualmente, desta intersecção — até o ponto de encontrar manifestações contrárias aos seu sentidos genuínos — aterrizam, tanto o radical quanto o da diferença, em práticas políticas que restituem as bases da supremacia masculina: do lado da radicalidade, uma ancoragem excessiva no inimigo impede o fazer feminismo sem ter, como força centrípeta, o patriarcado, permanecendo apenas na denúncia e resistência. No lado da diferença, um descolamento excessivo, com uma visão idealizadora da política de mulheres, faz-nos esquecer que existe dominação androcêntrica e que, desta, são os homens os principais responsáveis: autores e atores.

O significado primário da radicalidade da diferença reside na irredutibilidade de nossa diferença sexual, isto é, no fato evidente de termos um corpo sexuado: um corpo sexuado em um corpo feminino, no nosso caso. Esses dados irredutíveis são radicais, porque a palavra “radical” significa etimologicamente “raiz”, que podemos interpretar como “origem”. Além disso, não é um mero fato biológico, mas, principalmente, semiológico — isto é, permite criar signos — , o que implica que corpo e palavra são inseparáveis, como o ar que serve tanto para respirar quanto para falar. Expresso de outra maneira, é com nosso corpo sexuado que damos sentidos à realidade, porque a espécie humana é essencialmente animal simbólica, considerando que as palavras são o símbolo mais importante. Nessa perspectiva, a diferença sexual é riqueza para o mundo, pois cada sexo cria diferentes significados com o próprio corpo, que é o trabalho exclusivo de nós mulheres por causa de nossa capacidade, exercida ou não, de procriar (3).

No entanto, este corpo é configurado em uma cultura matricida, mortífera, cujos limites nefastos as feministas conhecem muito bem: a cultura patriarcal, cultura universal e de existente há milhares de anos, com base na supremacia masculina, projetando a diferença sexual, especialmente as mulheres, como uma ausência, como um NÃO masculino. Ou seja, a nossa diferença é definida por uma negação e absorvida como este limite negativo, o que se transforma na condição de existência do masculino em seu complemento na hierarquia, o que ele necessita para estabelecer-se como o representante da humanidade, o Homem (Patrizia Violi, 1991). E a feminilidade é devolvida para nós maneira distorcida, ou seja, deformada em um estereótipo, muito conveniente para os homens, porque lhes serve para apagar e desprezar nossas contribuições para o mundo, ao mesmo tempo em que nos roubam.

Disto se desprende o segundo sentido da radicalidade da diferença, que é recuperar a potencialidade e a presença visível e verbalizada da nossa diferença sexual para criar uma nova cultura, juntamente com a eliminação da cultura vigente, com suas ideologias, instituições, valores e símbolos, porque a consideramos fracassada (Carla Lonzi, 1978). O fracasso se baseia, justamente, no fato de esconder a diferença como princípio existencial e valida a unilateralidade inclusiva, que só pode representar e ser desequilíbrio e poder.

Neste espaço entre os dois conjuntos, o feminismo radical e o feminismo da diferença, eu coloquei as ideias-chave que moldam esta proposta, ou melhor, este modo de vida (Maria Milagros Rivera, 2014). Por isso, uma das ideias-chave deste feminismo é rejeitar o pedido por direitos e leis à política com o poder dos homens, uma vez que isto implicaria legitimar e reformar sua cultura através de nossas demandas, sugerindo, junto com isso, que direitos e leis constituem uma linguagem neutra e não ideologicamente marcada pelo viés patriarcal. Além disso, em coerência com o radical, a transformação cultural e civilizacional passa por questionar as raízes dos problemas, por desmantelar as bases das estruturas estabelecidas, que se relacionam entre si para dominar, controlar e reprimir nossas vidas, tanto pessoal quanto no âmbito público: família, amor romântico, heterossexualidade compulsória, o casamento, o casal, a maternidade, e também o estado, o exército, a educação, a igreja, os meios de comunicação, etc., fazem uso de nossa força de trabalho e nossas energias sexuais, emocionais e pensantes para o funcionamento de sua ordem social.

Assim mesmo, em coerência com esta profundidade, a transformação passa por descolonizarnos nós mesmas e nossas formas de relacionamento em uma contínua revisão e auto-consciência, com erros e acertos, contradições e elucidações, buscando mais liberdade do que libertação. Que, de acordo com María Milagros Rivera (2005: 29), são distintas: porque a libertação “…tenta erradicar toda a constrição histórica sofrida por um ser humano”. Por outro lado, a liberdade consiste na “… capacidade de transformar a relação com as restrições históricas que não se pode ou não se quer erradicar”. Eu procurei por libertação por um longo tempo, e isso não correu muito bem para mim. Hoje estou interessada em ser uma mulher livre e não, precisamente, uma mulher liberta. O movimento político, então, vai de dentro para fora e de baixo para cima. Por esta razão, nós também nos tornamos funcionais para o desastre civilizatório se reproduzimos, com orgulho, estereótipos femininos, projetados para nós com os dispositivos de literatura, cinema, publicidade, filosofia, religião, ciência, pornografia, estética e moda, etc.

A potencialidade da diferença sexual como princípio de existência implica, como afirma Carla Lonzi em 1970, que nenhum indivíduo ou grupo deva ser definido por outro indivíduo ou grupo. Daí que as feministas radicais da diferença — e esta é uma outra ideia-chave fundamental — apostam em um sentido livre de serem mulheres e mulheres lésbicas, abandonando aos homens, suas ideologias e cultura como nosso falso reflexo e complemento, e encontrando nas outras mulheres, conscientes de si mesmas, o espelho que precisamos para que cada um seja quem quer que seja.

As autoras da nossa genealogia, que hoje apresentamos — Carla Lonzi, Christine de Pizán, Virginia Woolf e Audre Lorde — nos dão pistas para esse sentido livre de ser mulheres, bem como para a criação de uma outra cultura, que anda de mãos dadas com a produção de uma ordem simbólica feminina. Situamos estas quatro pensadoras na intersecção, como parte do feminismo radical da diferença: Carla Lonzi (1978) nos convida a aproveitar a nossa diferença, que é baseada, segundo ela, em termos sido ausentadas da narrativa da História com o poder durante milhares de anos, portanto, baseia-se na nossa exclusão e, em conjunto com isso, pergunta quantos séculos mais precisaremos para nos libertar do novo jugo, moldado pela busca da igualdade com os homens, a desejada emancipação. Em outras palavras, a civilização androcêntrica foi construída às nossas custas, mas sem nós e, diante disso, vamos lutar para sermos integradas, incluídas, em sua desumanização? Ou, como expressou esta voz lúcida, podemos tirar proveito desta imigração radical, temos que criar outra sociedade mais livre e feliz?

Christine de Pizán, em 1405, liberta-se das opiniões masculinas para ser ela mesma, confiando no que seu corpo sexual e sua experiência comunicam a ela, confiando em outras mulheres, em uma genealogia feminina, e não no pré-julgamento dos outros. Assim como Lonzi (1978) percebe que não estamos na História, Pizán (2013) percebe que não existimos na filosofia, e rejeita toda a tradição do pensamento, já que todos os filósofos, tanto da antiguidade quanto da na meia idade, falam mal de nós, isto é, suas exposições são sustentadas em uma misoginia recalcitrante. Por seu lado, a poeta Audre Lorde (2003: 118) herda a poderosa ideia de que “as ferramentas do mestre nunca desmantelam a casa do mestre”.

Portanto, se permanecemos com igualdade e direitos, com suas regras de jogo, para fazer política feminista, nem sequer subvertemos a ordem social, ao contrário, a renovamos. O mesmo acontece se analisarmos o sistema a partir de uma perspectiva de gênero, utilizada na academia pelo feminismo da igualdade e também pelo pós-feminismo e transfeminismo com suas práticas transgressivas pretendidas; ou se tentarmos gerar mudanças a partir das ideologias da esquerda, que não abandonam a luta dialética mestre/ escravo, opressor/ oprimido. Também, se usamos as palavras androcêntricas para interpretar o que vivemos, acima de tudo, nossos medos e fantasmas, o que precisamos trazer à luz, é impossível com uma linguagem que, para nós, constitui o limite da palavra e um convite ao silêncio. Em suma, todos esses aspectos são muito bem armazenados na caixa de ferramentas do mestre.

Finalmente, Virginia Woolf, no início do século XX, é muito claro que a sociedade é a sociedade dos homens e que as mulheres experimentam é marginal, e isso transcende as classes sociais, raças e idades. Por exemplo, a guerra é a expressão mais terrivelmente confiável do tipo de sociedade que os homens construíram e organizaram. As mulheres não têm nada a ver com esse desejo destrutivo e competitivo, nem com suas decorações, medalhas e uniformes. Embora desejasse que as mulheres tivessem acesso à educação, a que ela mesma não pode acessar, se sendo irmã e filha de homens educados — como gostava de dizer — não estava interessada na educação deles que, justamente, preparava para a guerra, dada a sua lógica baseada em hierarquias, graus e rankings. Woolf (2016a) quer que as mulheres, a partir de seu anti-convencionalismo, inventem uma nova educação e, em última instância, uma nova sociedade. Virginia meditando sobre suas antepassadas, expressa apropriadamente este desprezo pelas instituições masculinas na seguinte citação: “E eu pensei que o órgão retumbando na capela, e nas portas fechadas da biblioteca e pensei quão desagradável seria ficar de fora; e achei que seria mais desagradável ficar dentro…” (Woolf, 2016b: 35). As feministas radicais da diferença, com o mesmo tom sutil de desprezo, dizem: não, obrigado.

Notas

(1) Para o desenvolvimento teórico em torno da modernidade, a igualdade dos sexos, a perda do simbolismo feminino e o significado atual da política das mulheres, ver Rivera, M. (1994). Nombrar el mundo en femenino. Barcelona: Icaria; e Rivera, M. (2005). La diferencia sexual en la historia. Espanha: Universidade de Valência.

(2) Para a análise de como a ideologia patriarcal, instituições e estratagemas intervêm nos laços entre as mulheres, ver Rich, A. (2001). Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Em A. Rich, Sangre, pan y poesía (pp. 41–87). Barcelona: Icaria.

(3) Para as questões sobre a diferença sexual, sua irredutibilidade e poder, e o corpo como o trabalho da mãe, veja os desenvolvimentos teóricos do Pensamento da Diferença em geral. Em particular, Muraro, L. (1994). El orden simbólico de la madre. Madri: horas e horas. E Rivera, M. (1994). Nombrar el mundo en femenino. Barcelona: Icaria; também, Rivera, M. (2005). La diferencia sexual en la historia. Espanha: Universidade de Valência.

Referências bibliográficas

Bengoechea, M. (1993). Adrienne Rich: génesis y esbozo de su teoría lingüística. Espanha: Câmara Municipal de Alcalá de Henares.

de Pizán, C. (2013). La ciudad de las damas. Madri: Siruela.

Dworkin, A. (1981). Nuestra sangre (Our blood). Tradução não oficial do blog Maldita Femrad, 2017.

Lonzi, C. (1978). Escupamos sobre Hegel. Y otros escritos sobre liberación femenina. Buenos Aires: La pléyade.

Lorde, A. (2003). La hermana, la extranjera. Madri: Horas y Horas.

Muraro, L. (1994). El orden simbólico de la madre. Madrid: Horas y Horas.

Pisano, M. & Franulic, A. (2009). Una historia fuera de la historia. Biografía política de Margarita Pisano. Santiago: Revolucionarias.

Rich, A. (2010). Sobre mentiras, secretos y silencios. Madrid: Horas y Horas.

Rivera, M. (1994). Nombrar el mundo en femenino. Barcelona: Icaria.

Rivera, M. (2001). Mujeres en relación. Barcelona: Icaria.

Rivera, M. (2005). La diferencia sexual en la historia. España: Universidad de Valencia.

Rivera, M. (2014). Teresa de Jesús. Madrid: Sabina.

Violi, P. (1991). El infinito singular. Madrid: Cátedra.

Woolf, V. (2016a). Tres Guineas. España: Debols!llo.

Woolf, V. (2016b). Un cuarto propio. España: Debols!llo.

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Natalia Kleinsorgen | feminista autônoma, abolicionista de gênero, jornalista, antipunitivista e anticárcere