Dores do crescimento ( parte 2/8) — O que é a puberdade?

Tradução do artigo de Paul W. Hruz, Lawrence S. Mayer, Paul R. McHugh

Furiosa
QG Feminista
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9 min readAug 11, 2017

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Link para o artigo original, em inglês: aqui.

O que é a puberdade?

Tendo vivenciado a adolescência e as mudanças tumultuosas que ela envolve, a maioria dos adultos é familiar de uma maneira muito pessoal com a puberdade. Mas falar das questões envolvendo intervenções de bloqueio da puberdade para disforia de gênero requer o entendimento de como a puberdade é definida e compreendida na biologia e na medicina. Alguns fatos fundamentais sobre a puberdade ainda são desconhecidos; nas palavras de um livro médico, “introdução ao início da puberdade tem sido um mistério há tempos” [19]. Mas, de forma geral, os principais aspectos da puberdade são bem compreendidos.

O capítulo de um livro de William A. Marshall e James M. Tanner (a partir de quem a escala Tanner, uma medida detalhada dos estágios do desenvolvimento puberal, é nomeada) descreve a puberdade como “as mudanças fisiológicas e morfológicas que ocorrem na menina ou menino em crescimento conforme as gônadas mudam de infantis para o estado adulto. Essas mudanças envolvem quase todos os órgãos e estruturas do corpo, mas não começam na mesma idade nem tomam o mesmo tempo para se completarem em todas as pessoas. A puberdade não está completa até que o indivíduo tenha adquirido a capacidade física de conceber e de criar uma criança com êxito.” [20] Os autores continuam com a lista das principais manifestações da puberdade:

1. O estirão de crescimento adolescente; por exemplo, uma aceleração seguida por desaceleração do crescimento principalmente em dimensões ósseas e em vários órgãos internos.

2. O desenvolvimento das gônadas.

3. O desenvolvimento dos órgãos reprodutivos secundários e das características sexuais secundárias.

4. Mudanças na composição do corpo; por exemplo, na quantidade e na distribuição de gordura em associação com o crescimento do esqueleto e da musculatura.

5. Desenvolvimento dos sistemas circulatório e respiratório levando, particularmente em meninos, ao aumento da força e da resistência física. [21]

A habilidade de fisicamente conceber crianças é possibilitada pela maturação das características sexuais primárias, dos órgãos e das estruturas envolvidas diretamente na reprodução. Em meninos, esses órgãos e estruturas incluem o escroto, testículos e pênis, enquanto que nas meninas elas incluem os ovários, o útero e a vagina. Em adição a essas características sexuais primárias, características secundárias também se desenvolvem durante a puberdade — as características físicas particulares dos dois sexos que não estão diretamente envolvidas na reprodução. Características sexuais secundárias que se desenvolvem nas meninas incluem “o crescimento dos seios e o alargamento do quadril” e, nos meninos, “o aparecimento de pelos faciais e o alargamento dos ombros”, enquanto que outros padrões de pelos corporais e mudanças na voz e na pele ocorrem durante a puberdade em ambos os sexos. [22]

Médicos caracterizam o progresso da puberdade marcando o início de diferentes marcos desenvolvimentais. O evento visível mais precoce, o crescimento inicial de pelos pubianos, é conhecido como “pubarca”; ocorre entre os 8 e 13 anos em meninas e entre os 9,5 e 13,5 anos em meninos. [23] Nas meninas, o início do desenvolvimento dos seios, conhecido como “telarca”, ocorre aproximadamente ao mesmo tempo em que a pubarca. [24] (O sufixo “-arca” nos termos para esses marcos vem do termo grego para início ou origem) “Menarca” é outra manifestação da maturação sexual nas fêmeas, referindo-se ao início da menstruação, o que tipicamente ocorre em torno dos 13 anos de idade e é geralmente um sinal da habilidade de conceber. [25] Grosseiramente correspondente à menarca das meninas é a “espermarca” nos meninos; refere-se à presença inicial de esperma viável no sêmen, o que também tipicamente ocorre por volta dos 13 anos. [26]

Hormônios e Puberdade

Estabelecido o que é a puberdade, agora vamos nos voltar para como a puberdade acontece.

Cientistas distinguem três principais processos biológicos envolvidos na puberdade: maturação adrenal, maturação gonadal e aceleração do crescimento somático. [27] Discutiremos cada um desses processos por vez, com foco especial na maturação gonadal.

A “adrenarca” — o começo da maturação adrenal — começa entre os 6 e os 9 anos nas meninas e entre os 7 e 10 anos nos meninos. Os hormônios produzidos pelas glândulas adrenais durante a adrenarca são formas relativamente fracas de hormônios masculinizantes, conhecidos como desidroepiandrosterona (prasterona ou DHEA) e sulfato de dehidroepiandrosterona (S-DHEA). Esses hormônios são responsáveis por sinais da puberdade compartilhados por ambos os sexos: pele oleosa, acne, odores corporais e o crescimento dos pelos axilares e púbicos. [28]

A “gonadarca” — o início do processo de maturação das gônadas — normalmente ocorre nas meninas entre os 8 e 13 anos e nos meninos entre os 9 e 14 anos. [29] O processo começa no cérebro, onde neurônios especializados no hipotálamo secretam hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH). [30] Esse hormônio é secretado de maneira cíclica ou “pulsátil” [31] — o hipotálamo libera explosões de GnRH, e quando a glândula pituitária é exposta a essas explosões, responde secretando dois outros hormônios. São eles o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH), que estimulam o crescimento das gônadas (ovários nas mulheres e testículos nos homens). [32] (Os “folículos” estimulados pelo FSH não são folículos capilares mas ovarianos, as estruturas nos ovários que contêm células-ovo imaturas.) Em adição à regulação da maturação das gônadas e da produção de hormônios sexuais, esses dois hormônios também atuam de forma importante em regular aspectos da fertilidade humana [33] — mas, para os propósitos presentes, vamos nos focar no seu papel no desenvolvimento das gônadas e na produção de hormônios sexuais durante a puberdade.

Conforme as células gonadais amadurecem sob a influência do LH e do FSH, elas começam a secretar androgênios (hormônios sexuais masculinizantes, como a testosterona) e estrogênios (hormônios sexuais feminilizantes) [34]. Esses hormônios contribuem com o posterior desenvolvimento das características sexuais primárias (o útero nas meninas e o pênis e o escroto nos meninos) e com o desenvolvimento das características sexuais secundárias (inclusive seios maiores e quadril mais largo nas meninas, e ombros mais largos, voz mais grossa e maior massa muscular em meninos). Os ovários e testículos ambos secretam androgênios e estrogênios; entretanto, os testículos secretam mais androgênios e os ovários, mas estrogênios. [35]

As gônadas e as glândulas adrenais estão envolvidas em dois caminhos (ou “eixos”) separados, mas interligados, de sinalização hormonal. São elas o eixo hipotalâmico hipofisário gonadal (HPG) e o eixo hipotálamo hipofisário adrenal (HPA) [36]. Apesar de ambos terem papéis essenciais na puberdade, é o eixo HPG que resulta no desenvolvimento da capacidade reprodutiva básica e das características sexuais externas que distinguem os sexos. [37]

O terceiro processo significante que ocorre na puberdade — o estirão de crescimento somático — é mediado pelo aumento da produção e da secreção do hormônio de crescimento humano, o qual é influenciado pelos hormônios sexuais secretados pelas gônadas (ambos a testosterona e o estrogênio). Similarmente à forma como a secreção de GnRH pelo hipotálamo faz a hipófise liberar FSH e LH, nesse caso, pulsos curtos de um hormônio secretado pelo hipotálamo faz a hipófise liberar hormônio do crescimento. [38] Esse processo é aumentado pela testosterona e pelo estrogênio. [39] O hormônio do crescimento age diretamente estimulando o crescimento em certos tecidos, e também estimula o fígado a produzir uma substância chamada “fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1” (ou somatomedina C ou IGF-1), que tem efeitos de estímulo ao crescimento nos músculos. [40]

As mudanças neurológicas e psicológicas que ocorrem na puberdade são menos compreendidas do que as mudanças fisiológicas. Homens e mulheres possuem características neurológicas distintas que podem explicar algumas das diferenças psicológicas entre os sexos, mas o quanto as diferenças neurológicas explicam as diferenças psicológicas e o quanto as diferenças neurológicas são causadas por fatores biológicos como hormônios e genes (em oposição a fatores como o condicionamento social) são todas matérias de debate. [41]

Cientistas fazem a distinção entre dois tipos de efeitos que hormônios podem ter no cérebro: efeitos organizacionais e efeitos ativacionais. Efeitos organizacionais são as formas como hormônios causam mudanças altamente sólidas na arquitetura básica de diferentes regiões cerebrais. Efeitos ativacionais são efeitos hormonais mais imediatos e temporários na atividade do cérebro. Durante a puberdade, androgênios e estrogênios primariamente possuem efeitos ativacionais, mas muito antes disso eles possuem efeitos organizacionais nos cérebros de crianças em desenvolvimento e em fetos. [42] (Alguns pesquisadores especulam que a identificação com o gênero oposto possa ser causada por padrões atípicos de exposição fetal a hormônios sexuais, mas essas teorias ainda necessitam de confirmação científica e mesmo de testes sérios. [43] ) Entretanto, estudos animais têm fornecido alguma evidência de que hormônios sexuais podem contribuir para efeitos organizacionais (ou reorganização) no cérebro durante a puberdade. [44] Como, se, e até que ponto esse processo ocorre em humanos ainda é pouco compreendido. [45]

Em suma: a puberdade envolve uma miríade de processos físicos complexos, relacionados e sobrepostos, ocorrendo em vários pontos e durando por diferentes períodos. A adrenarca e a secreção de hormônios de crescimento contribuem com o crescimento e o desenvolvimento da criança, enquanto que a gonadarca crucialmente leva à maturação dos órgãos sexuais que permitem a reprodução, assim como o desenvolvimento de outras características biológicas que distinguem machos de gêmeas. A descrição oferecida aqui foi muito simplificada, é claro, mas fornece pano de fundo suficiente para entender o funcionamento da supressão da puberdade, a qual veremos a seguir.

Notas

[19] Arthur C. Guyton and John E. Hall, Textbook of Medical Physiology, Eleventh Edition (Philadelphia, Penn.: Elsevier, 2005), 1008.

[20] William A. Marshall and James M. Tanner, “Puberty,” in Human Growth: A Comprehensive Treatise, Second Edition, Volume 2, eds. Frank Falkner and James M. Tanner (New York: Springer, 1986), 171.

[21] Ibid., 171–172.

[22] Robert V. Kail and John C. Cavanaugh, Human Development: A Life-Span View, Seventh Edition (Boston, Mass.: Cengage Learning, 2016), 276.

[23] Jamie Stang and Mary Story, “Adolescent Growth and Development,” in Guidelines for Adolescent Nutrition Services, eds. Jamie Stang and Mary Story (Minneapolis, Minn.: University of Minnesota, 2005), 4.

[24] Ibid., 3.

[25] Marshall and Tanner, “Puberty,” 191–192.

[26] Ibid., 185.

[27] Margaret E. Wierman and William F. Crowley, Jr., “Neuroendocrine Control of the Onset of Puberty,” in Human Growth, Volume 2, 225.

[28] Sharon E. Oberfield, Aviva B. Sopher, and Adrienne T. Gerken, “Approach to the Girl with Early Onset of Pubic Hair,” Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism 96, no. 6 (2011): 1610–1622, http://dx.doi.org/10.1210/jc.2011-0225.

[29] Selma Feldman Witchel and Tony M. Plant, “Puberty: Gonadarche and Adrenarche,” in Yen and Jaffe’s Reproductive Endocrinology, Sixth Edition, eds. Jerome F. Strauss III and Robert L. Barbieri (Philadelphia, Penn.: Elsevier, 2009), 395.

[30] Allan E. Herbison, “Control of puberty onset and fertility by gonadotropin-releasing hormone neurons,” Nature Reviews Endocrinology 12 (2016): 452, http://dx.doi.org/10.1038/nrendo.2016.70.

[31] Ibid., 453.

[32] Ibid., 454.

[33] Ibid., 452.

[34] Michael A. Preece, “Prepubertal and Pubertal Endocrinology,” in Human Growth: A Comprehensive Treatise, Volume 2, 212.

[35] Rex A. Hess, “Estrogen in the adult male reproductive tract: A review,” Reproductive Biology and Endocrinology 1, (2003), https://dx.doi.org/10.1186/1477-7827-1-52; Henry G. Burger, “Androgen production in women,” Fertility and Sterility 77 (2002): 3–5, http://dx.doi.org/10.1016/S0015-0282(02)02985-0.

[36] Russell D. Romeo, “Neuroendocrine and Behavioral Development during Puberty: A Tale of Two Axes,” Vitamins and Hormones 71 (2005): 1–25, http://dx.doi.org/10.1016/S0083-6729(05)71001-3.

[37] Wierman and Crowley, “Neuroendocrine Control of the Onset of Puberty,” 225.

[38] Preece, “Prepubertal and Pubertal Endocrinology,” 218–219.

[39] Udo J. Meinhardt and Ken K. Y. Ho, “Modulation of growth hormone action by sex steroids,” Clinical Endocrinology65, no. 4 (2006): 414, http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2265.2006.02676.x.

[40] Ibid.

[41] For one recent review of the science of neurological sex differences, see Amber N. V. Ruigrok et al., “A meta-analysis of sex differences in human brain structure,” Neuroscience Biobehavioral Review39 (2014): 34–50, http://dx.doi.org/10.1016/j.neubiorev.2013.12.004.

[42] For an overview of the distinction between the organizational and activating effects of hormones and its importance for sexual differentiation, see Arthur P. Arnold, “The organizational-activational hypothesis as the foundation for a unified theory of sexual differentiation of all mammalian tissues,” Hormones and Behavior 55, no. 5 (2009): 570–578, http://dx.doi.org/10.1016/j.yhbeh.2009.03.011.

[43] Lawrence S. Mayer and Paul R. McHugh, “Part Two: Sexuality, Mental Health Outcomes, and Social Stress,” in Sexuality and Gender, The New Atlantis 50 (Fall 2016): 102.

[44] Sarah-Jayne Blakemore, Stephanie Burnett, and Ronald E. Dahl, “The Role of Puberty in the Developing Adolescent Brain,” Human Brain Mapping 31 (2010): 926, http://dx.doi.org/10.1002/hbm.21052.

[45] Ibid., 927.

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