Jovem, Negra e Hipertensa

O racismo como fator determinante da hipertensão juvenil.

Tamillys Lirio
QG Feminista
11 min readJan 21, 2019

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Imagem por @macabrii no Instagram

Não sou especialista, apenas uma pessoa com hipertensão, trazendo algumas informações básicas e norteadas por estudos científicos sobre o assunto.

Vez ou outra vocês lerão algo que trago sobre hipertensão, já que esse tema faz parte do meu dia-a-dia. Fiz um primeiro texto sobre e tive muitos feedbacks de outras/os jovens negras/os, em dúvida ou já cientes de seus diagnósticos, pessoas que assim como eu, se sentiram confusas, desamparadas e com pouquíssimas informações sobre ser jovem e hipertensa/o.

No meu caso tudo começou em 2014, quando comecei a passar mal na academia, correndo na esteira. Uma dor aguda na cabeça me fez parar e o professor aferiu minha pressão, que estava 17/9. Eu tomei um susto. É normal que a pressão esteja um pouco mais alta durante exercícios físicos, (seu coração está bombeando mais sangue), mas 17/9 não é nada normal, mesmo correndo. Durante a semana, ainda na faculdade, senti a mesma dor e procurei a enfermaria. Eu estava estudando, sentada e a pressão estava 17/10.

Eu não queria acreditar, mas tinha que ir ao médico. Nosso Sistema Único de Saúde é incrível, (sim eu sou uma defensora do SUS), mas sabemos de suas deficiências, como por exemplo, a demora para exames com maior complexidade, fator que fez com que eu buscasse atendimento médico particular. Foi e é caro, infelizmente, mas se você não tem condições de arcar com as despesas das consultas e exames, tente pelo SUS, vá ao clínico geral e ele te encaminhará para o cardiologista. Não desista!

Essa é uma das faces do racismo que poucos pontuam, até o acesso aos bens mais básicos são complexos e muitas vezes fazem com que o diagnóstico tardio, traga consequências na nossa saúde.

Uma consulta média com um cardiologista (na minha cidade) é cerca de 300 reais, me privei de muitas coisas, recebi ajuda e fui. Ele foi muito atencioso, uma vez que ambos, eu e meu esposo, apresentávamos sintomas de hipertensão. (Obs: ambos tiveram o diagnóstico para hipertensão, ele homem negro aos 27 anos e eu aos 24)

Nesse momento me lembrei que nas duas últimas idas ao ginecologista, estava com a pressão a 15/9. O médico achou que era o nervosismo natural de ir ao ginecologista (algo que realmente não é nada confortável), então deixamos passar. O fato era que eu já estava hipertensa e não sabia!

Voltando a consulta, o cardiologista auscultou meu peito e para minha surpresa, também tenho sopro moderado (minha valva mitral não fecha direito, mas não é nada muito grave). Ao aferir a pressão estava a 15/9, ele disse que tínhamos que investigar e o diagnóstico concreto só veio através de uma bateria de exames. Hemograma completo com alguns detalhes como a necessidade de observar taxas como a creatinina, por exemplo. Quando os rins estão funcionando normalmente, a creatinina é retirada do sangue e eliminada pela urina, no entanto, quando a função renal está diminuída, a creatinina não é excretada de forma adequada e seus níveis aumentam no sangue, indicando que há algum problema na função dos rins.(1)

Sim, nossos rins podem ser a causa ou as vítimas da hipertensão, mas esse é um papo que exige conhecimento profissional (que não tenho) e tempo, mas deixo de dica, se você tem sintomas ou o diagnóstico de hipertensão, fique de olho na hidratação, nas taxas dos seus exames e no seu xixi (cor e frequência)!

Outro exame pedido pelo médico foi a MAPA (Monitoração Ambulatorial da Pressão Arterial). É um exame super chatinho, uma vez que você fica com um aparelho de pressão por 24 horas e de tempos em tempos ele infla, aferindo sua pressão, fazendo um acompanhamento do comportamento da pressão arterial. É um exame chave no diagnóstico, pois ao final vai relatar a média da pressão.

A média da minha pressão em 24 horas é de 15/9 de acordo com o exame. Não tinha escapatória, hipertensa e ponto. Outros exames como ecocardiograma e teste de esforço, também podem ser necessários. No meu caso o eco serviu para confirmar o sopro, que às vezes me causa um pouco de falta de ar e cansaço.

Reforçando, uma pessoa com pressão arterial normal, tem médias entre 11/7, 12/8, até uns 14/9 rola, depende muito do horário do dia, se você está numa situação de estresse e do que o olhar do seu médico diz...

Vou explicar pra quem não entende.

Nosso coração é como uma bombinha, que faz com que nosso sangue circule e nos mantenha vivos.

Os números que vem primeiro, como citei acima, (11/12 ou até 14) são a pressão sistólica, ou máxima, é aquela que marca a contração do músculo cardíaco, quando ele bombeia sangue para o corpo.

Já os números 7, 8 e 9, são da pressão diastólica, que é a do momento de repouso, em que os vasos permanecem abertos para o sangue passar. E mais adiante explicarei o que meu exame comprovou.

Quando os números excedem 14(sistólica)por 9 (diastólica), podemos considerar um sinal de alerta. Só que infelizmente não temos o hábito de aferir a pressão (mulheres geralmente aferem com mais frequência, pois o ginecologista geralmente confere), quem é jovem e principalmente homem, quase nunca afere.

Acontece que a hipertensão é um agravo silencioso, sem sintomas, ou quando manifestam sinais como, dor de cabeça, tontura podem ser confundidas com "aquela dor de estresse, cansaço etc" que fazem parte do cotidiano de quem está no corre.

Foto por @moukadi no Instagram

Galera, vale ressaltar, por favor também não fiquem paranóicas/os! Não é qualquer dor de cabeça que significa hipertensão! Tenho um histórico familiar paterno muito grave, com a morte por acidente vascular do meu pai aos 38 anos, além de uma carga intensa de trabalho que se somaram no meu diagnóstico. Meu intuito com o texto é alertar a população jovem e especificamente a população jovem e negra para o risco da hipertensão arterial, uma vez que os estudos científicos que busquei, ressaltam que nosso modo de vida, fatores sociais e genéticos contribuem para mais essa triste estatística.

São os estudos científicos que afirmam, eu sou uma mera curiosa!

Mas e o racismo, o que isso tem a ver com a hipertensão em jovens? No resultado do exame MAPA pude perceber de forma mais evidente. Durante o sono, em horários de relaxamento completo, minha pressão girava em torno de 14/9 e 15/9, significando que tenho picos hipertensivos mesmo durante o descanso. Ou seja, no momento em que estou em repouso completo, meu corpo está tenso, em alerta constante. Esse pode ser considerado um efeito estressor do racismo. Na consulta com o cardio, felizmente um profissional que entende o racismo como determinante de saúde, essa situação já havia sido levantada. Ele afirmou que a maioria dos seus pacientes jovens e hipertensos eram negros e que uma das características dessa “hipertensão precoce” eram os picos noturnos, durante o sono.

Esse artigo (infelizmente em inglês, mas dá pra jogar no translator) é da American Journal of Hypertesion, faz uma extensa abordagem da compreensão dos determinantes biopsicossociais da hipertensão, abordando as disparidades raciais na prevalência de hipertensão em negras/os, examinando as evidências direta e indiretamente ligadas aos vários níveis de racismo à hipertensão.(2)

Os alvos do estudo foram negros norte americanos, mas outros estudos nacionais também reforçam o coro. O racismo seja institucional, interpessoal, estrutural, direto e indireto, aumenta as chances de ser hipertenso.

Nós sabemos, a partir de vários estudos publicados, que aqui no Brasil os negros têm mais prevalência de pressão alta, têm mais dificuldade para controlar a pressão, têm mais incidências de AVC. E, dentre os indivíduos que tem AVC no Brasil, a hipertensão é o fator de risco mais presente, tanto em brancos quanto em negros. […] Isso é algo que a gente enxerga no consultório todos os dias”, afirma Dr. Wilson Nadruz Júnior, pesquisador, cardiologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas em Campinas (SP).(3)

Como diz a campanha do Ministério da Saúde, racismo faz mal à saúde, além de ser crime, então denuncie!

Ministério da Saúde

Mas vamos à algumas considerações, alertas e exemplos.

Hipertensão mesmo precoce não é uma sentença de morte. Se essa é a sua realidade, não se desespere, é possível viver uma vida longa e saudável se nos cuidarmos. Atenção ao sal, a hidratação, ao peso, as bebidas alcoólicas, cigarros, aos medicamentos e o acompanhamento médico.

Sei que a vida de quem é jovem e negra/o não é fácil nesse país, portanto precisamos usar as ferramentas que temos para viver mais tempo e contrariar as estatísticas. Faça exames de sangue, teste sua glicemia e afira sua pressão regularmente, esses são exames que não são tão difíceis e demorados no SUS.

Já que não escapamos da violência cotidiana do racismo, precisamos encontrar as formas de cuidado que nos fortalecerão.

Os estudos no campo tem avançado e para pessoas negras e hipertensas medicamentos como o "Micards" ou Telmisartan (infelizmente caro e não disponível gratuitamente no SUS) demonstram uma proteção cardiaca, metabólica e renal, para além do controle da hipertensão.⁴

Importante ressaltar que essa é uma decisão do seu cardiologista, mas que você deve conversar sobre o racismo como um fator importante na escolha do medicamento.
Num papo com meu cardiologista ele explicou que remédios muito comuns de uso diário, como o captopril, por exemplo, não são eficazes em casos de hipertensão ligada à fatores estressores como o racismo.

Alimentação é uma questão importante e complexa. Nós somos inundados de produtos cheios de conservantes que só pioram a situação. Nesse contexto de crise, desemprego, pouquíssima grana, a grande maioria de nós não tem como bancar uma dieta equilibrada. Me incluo nesse pacote (sei fazer meu mea culpa), pulamos refeições importantes, comemos comidas cheias de gordura e sódio, bebemos muito suco industrializado ou refrigerante. Vale dar uma moderada, e se possível, corte os macarrões instantâneos, se não tiver muitas opções e realmente precisar manter o “miojo”, tente não usar o tempero pronto, utilize alho, cebola tomate para dar sabor. O mesmo alerta vale para embutidos como salsichas, presunto, salame, enlatados como milho e ervilha e atenção no queijo.(5) Se puder evite!

Aposte nas frutas para aqueles momentos em que não há intervalo e fuja dos lanches baratinhos e gordurosos que saciam a fome durante a correria.

Eu tento ao menos me hidratar melhor, água, água e mais água, já ressaltei anteriormente o papel fundamental dos nossos rins para quem é hipertenso, além do mais, hipertensão é o acúmulo de líquidos no corpo, o que faz com que o coração faça mais força para bombear o sangue, consequentemente afetando nossos filtros corporais, os rins.

Beba água principalmente ao acordar, pois no horário matinal temos picos de pressão e mais riscos de infarto ou acidentes vasculares. (6) Uma ótima dica é criar o hábito de beber cerca de 250 ml de água com limão assim que levantar - uma injeção de colágeno, vitamina C e antioxidantes, além de repor os líquidos que perdemos durante o sono!

Leve uma garrafinha de água com você ao longo do dia e a esvazie o quanto puder. Sei que em alguns tipos de trabalho, você não pode ir ao banheiro sempre que precisar, mas caso consiga, avise aos seus empregadores que você não pode "prender o xixi" e tente negociar uma flexibilidade maior.

Dormir é outro dilema, mas um fator crucial para uma vida mais saudável sendo hipertensa/o. Tomar uma camomila ou cidreira antes de dormir, um banho tentando pensar em coisas positivas e largar o celular (e principalmente as redes sociais) antes de dormir é bem importante.

Exercícios físicos também são fundamentais. Converse com seu médico para saber se você está habilitado e quais tipos de atividades você pode fazer.

Se você é mulher, negra e pretende ter filhos, esteja atenta! As possibilidades de se tornar hipertensa a partir da gravidez são muito reais, e infelizmente, os casos de mortalidade materna, infantil e complicações pós parto, também estão muito relacionadas à pressão alta.

Arte por Romeo Shagba no Instagram

"De acordo com os dados mais recentes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), em 2016, o Brasil registrou 1.670 óbitos maternos (relacionados à gravidez, ao parto ou até 42 dias após o parto). Ao considerar apenas as mortes durante a gestação ou parto, foram 493 vítimas, 311 delas, mulheres negras, o equivalente a 63%. Apesar dos óbitos terem diminuído em comparação com o ano 2014 - 9% no geral e 13% entre as mulheres negras - a disparidade ainda é alarmante. Para a doutora em saúde pública, Fernanda Lopes, que estuda a manifestação do racismo na saúde e integra o grupo de Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a diferença está no atendimento. A pré-eclâmpsia é uma das grandes razões para a morte materna nos dois grupos. Ainda assim, as mulheres negras morrem 2,5 vezes mais por isso. Como essa é uma causa evitável, a questão aqui é o pré-natal da mulher negra”, aponta a especialista. A teoria é embasada no Estudo Nascer no Brasil, um inquérito nacional sobre parto e nascimento, que mostrou que as mulheres negras apresentam maior chance de terem um pré-natal inadequado, falta de vinculação com uma maternidade e ausência de acompanhante, mesmo controlando variáveis, como a questão de classe.”(7)

São muitos os fatores que nos fazem ter medo ou desanimar, mas esse não é o intuito do texto! Busco nessas linhas alertar para um agravo crônico, que muitas/os não estão atentas/os, uma vez que no senso comum hipertensão acomete principalmente idosos. Durante muitas conversas ou mesmo em eventos com profissionais de saúde, algumas pessoas questionam o fato de existir uma Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, instituída através da Portaria Nº 992, de 13 de Maio de 2009. Importa ressaltar que um dos três princípios do nosso Sistema Único de Saúde é a equidade, que significa tratar as pessoas de acordo com suas especificidades. Os dados que busquei reunir no texto demonstram que existem disparidades nos casos de hipertensão entre pessoas negras e não negras e que por esse e outros motivos, medidas de promoção e prevenção em saúde devem ser priorizadas para a população negra.

Por fim, ressalto que não sou médica, muito menos especializada no assunto, mas meus estudos na própria psicologia, meu histórico familiar e pessoal, me motivam a escrever sobre o tema, já que o racismo afeta nossa saúde física e mental, de forma cruel e gradativa. Precisamos estar atentas/os!

Obs.: Caso o texto tenha informações a serem melhoradas, por favor, deem feedbacks!

Tamillys Lirio, Mulher Negra, periférica, psicóloga e hipertensa.

FONTES:

(1) https://www.minhavida.com.br/saude/materias/17541-hipertensao-mal-tratada-pode-causar-insuficiencia-renal

(2) https://academic.oup.com/ajh/article/24/5/518/184850

(3) https://www.geledes.org.br/negros-com-hipertensao-tem-mais-dificuldade-em-tratar-doenca-do-que-brancos-aponta-unicamp/

(4) https://m.correiodoestado.com.br/noticias/anvisa-aprova-unico-anti-hipertensivo-da-classe-que-protege-o-coracao/84905/

(5) https://www.vista-se.com.br/anvisa-aponta-queijos-inclusive-o-branco-e-embutidos-como-facilitadores-do-desenvolvimento-de-hipertensao-e-outras-doencas-cronicas

(6) http://lqes.iqm.unicamp.br/canal_cientifico/lqes_news/lqes_news_cit/lqes_news_2005/lqes_news_novidades_658.html

(7)https://revistacrescer.globo.com/Ser-mae-negra/noticia/2018/06/sermaenegra-mulheres-negras-morrem-duas-vezes-mais-por-causas-relacionadas-gravidez.html

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Tamillys Lirio
QG Feminista

Mulher Negra, Psicóloga. Aqui consigo escrever o que por muitos anos foi silêncio.