O que é preciso para que tenhamos uma conversa honesta sobre as raízes do sadismo masculino?

Ou o sadismo masculino é inato, ou ele é aprendido. E se ele for aprendido, nós podemos fazer algo a respeito.

Mariana Amaral
QG Feminista
8 min readDec 13, 2018

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Texto Original Meghan Murphy 167

Brett Kavanaugh e Dr. Christine Blasey

Olá e seja bem vinda à edição dessa semana de O Que Diabos Há de Errado Com os Homens?

Eu me sinto obrigada a te alertar que é bem provável que eu não tenha a resposta a essa pergunta no fim dessa investigação, mas talvez algum amigo generoso será inspirado à nos esclarecer.

Devo admitir, este assunto está fora da minha área de especialização, uma vez que eu nunca tive um orgasmo enquanto sufocava um homem com minha vagina, nem mesmo nunca fantasiei sobre chamar um grupo de amigas para juntas torturarmos um homem até que ele chore e vomite, e durante todo processo, me masturbar e chamá-lo de nomes degradantes. Eu nunca empurrei um homem bêbado para dentro de um quarto e tranquei a porta, tapei sua boca para que ele não pudesse respirar nem gritar por ajuda, e o penetrei enquanto outra amiga assistia, ambas de nós rindo.

Me chame de pudica, mas machucar outras pessoas não me deixa excitada — a ideia de estrangular ou torturar alguém me faz me sentir mal, não com tesão. Isso me parece algo que você faz com alguém que você odeia, e não com alguém que você deseja. E quem gostaria de fazer sexo com alguém que você odeia, de qualquer forma?

Ahn…

Em oito de Agosto de 2017, Justin Schneider ofereceu uma carona para uma mulher que ia para casa de seu namorado, insistindo que ele era um conhecido, mas ao invés disso, ele dirigiu para outro lugar, estacionou o carro e mandou que ela saísse do veículo. Enquanto ela ia saindo do carro, ele a atacou, e disse a ela que ela iria morrer, antes de enforcá-la até desmaiar. Quando sua vítima de 25 anos voltou à consciência, Schneider, que tinha acabado de se masturbar sobre ela, subiu seu ziper, entregou um lencinho para moça, e disse que "ele não iria realmente matá-la, ele apenas precisava que ela acreditasse nisso para ele se satisfazer sexualmente."

O homem de 34 anos não recebeu nenhuma pena, mas seu ano sob prisão domiciliar lhe deu a chance de "realmente trabalhar em seu auto-conhecimento e se tornar uma pessoa melhor, e um melhor marido, melhor pai."

Ótimo, ótimo, maravilhoso.

Para deixar claro, eu acredito em segundas chances. Acredito que pessoas possam mudar. Não acredito que a prisão reabilite as pessoas. Eu também sei que existe um montante enorme de homens sádicos nesse mundo, e isso é horripilante. Eu não acredito, nem por um segundo, que um ano de prisão domiciliar curou esse homem de seus desejos sádicos, e suspeito que, como de costume, agora mais mulheres estejam em perigo de serem vitimizadas por ele. Eu eu penso que mulheres demais já sofreram experiências similares à que a vítima de Schneider sofreu — e até piores— e que é hora de começarmos a olhar para as causa primordiais ao invés de tratar com punições ridiculamente pequenas após o ocorrido, permitindo que homens continuem a operar como sempre fizeram, mas talvez agora com mais descrição.

Me parece óbvio que, em uma sociedade que posiciona o sadismo como uma fantasia sexual saudável, homens irão querer performar esses atos na vida real. É chocante para mim tratarmos o enforcamento como uma forma divertida e inofensiva de apimentar a relação, mas ao mesmo tempo esperar que homens não se masturbem para mulheres sendo enforcadas.

Eu sei, eu sei. Eu sei o que você vai me dizer: Consentimento, Meghan. Consentimento é a diferença. Mas eu não estou falando, nesse caso, sobre o que as mulheres querem (ou o que elas querem, porque elas sabem isso deixará os homens excitados). Eu estou falando sobre o que os homens querem. Porque mesmo se um homem me pedisse para estrangulá-lo até perder a consciência, eu não o faria. E mesmo que eu fizesse, porque, não sei, eu o amo tanto e quero fazê-lo feliz o enforcando até que ele desmaie, por que "faço qualquer coisa pelo meu amor", isso não me faria chegar ao orgasmo.

Semana passada, nós ouvimos a Dr. Christine Blasey Ford explicar que o que mais a marcou na noite, há 36 anos atrás, em que ela diz que Brett Kavanaugh a violentou sexualmente, foi sua risada: “A risada barulhenta entre os dois homens," ela contou, com a voz falha, “e o fato de eles estarem se divertindo às minhas custas… Eu estava por baixo de um deles, e eles riam."

Eu tenho várias memórias de homens como esses dois, que fizeram coisas similares às minhas amigas, ou os que tentaram fazer o mesmo comigo. Eu consegui escapar de situações semelhantes, de alguma forma, chorando e traumatizada por ter sido chamada de "puta", "vadia" e "vaca", porque eu não iria continuar no cenário estabelecido. Eu dei muita sorte em várias situações que poderiam ter tomado um caminho obscuro. Muitas mulheres que eu conheço não tiveram a mesma sorte. O que eu quero dizer é que esse tipo homem não é particularmente fora do comum, ainda que existam muitos níveis diferentes de sadismo que os homens inflingem nas mulheres.

Em 9 de Junho de 2017, Yingying Zhang, uma pesquisadora visitante nos Estados Unidos, vinda da China, entrou em um carro com Brendt Christensen na Universidade de Illinois no campus Urbana–Champaign. Christensen levou Zhang a seu apartamento, onde ele a confinou contra sua vontade, violentando-a sexualmente e a torturando-a de várias formas, antes de assassiná-la (seu corpo ainda não foi encontrado). Christensen tinha sido estudante de Ph.D. na mesma universidade que Zhang, e usava o serviço Fetlife, “uma rede social para a comunidade BDSM, fetichista, e kinky,” para acessar o forum “Rapto 101”, que inclía sub-threads como, “Fantasia de rapto perfeita" e "planejando um sequestro". Promotores revelaram que Christensen “enforcou e violentou sexualmente" outra vítima em 2013, no centro de Illinois, alegou "outras vítimas" e expressou seu "desejo de ser conhecido como um assassino." Essa era claramente sua fantasia, em que ele foi capaz de executar e planejar via esses sites de BDSM. Christensen era casado, e pelo que tudo indicava, aparentava ser um homem completamente normal, bem avaliado por seus alunos (Christensen foi monitor no departamento de física enquanto ainda cursava a graduação)

Peter Masden frequentava com regularidade “festas de fetiche,” apareceu em dois filmes pornôs, e buscava por filmes de pornô violento "snuff". No dia em que ele conheceu a jornalista Kim Wall em Copenhagen, que foi assassinada por ele à bordo de seu submarino em agosto de 2017, Masden procurou na internet por "agonia de garotas decaptadas", e assistiu a um filme em que uma mulher tinha sua garganta cortada. Videos que mostravam mulheres sendo torturadas e executadas foram encontrados em seu computador. O homem de 47 anos amarrou Kim Wall e abusou dela antes de assassiná-la e desmembrar seu corpo. Madsen foi condenado por "atos sexuais diferentes de sexo e de uma particularidade perigosa" depois que marcas de facadas foram descobertas na genitália de Wall e em partes do corpo próximas.

Existem muitas outras histórias como essas. Existe, por exemplo, a história de Jian Ghomeshis, que não se interessa exatamente em matar mulheres, mas que simplesmente curte espancar a cabeça de mulheres enquanto elas performam sexo oral nele. Existem incontáveis jovens rapazes que estupram coletivamente garotas em festas, porque, né, é uma festa. E há também os homens que simplesmente assistem esse tipo de coisa on line enquanto se masturbam, e talvez, de forma educada, peçam para suas namoradas considerarem incorporar esse "fetiche" em seu repertório sexual. Para muitos homens, machucar mulheres é divertido. É uma piada, é entretenimento, ou é sexy.

Em que ponto a gente pode traçar a linha do aceitável? Em que ponto nós podemos dizer que é ok ou não ok para um homem fantasiar em agredir mulheres? Quando ele a pratica? Quando ele se masturba para imagens de mulheres sendo agredidas ou degradadas online? Quando é tarde demais?

E mais, da onde esses desejos vem? Por que tantos homens agridem mulheres — e por que agredir mulheres os deixa excitados?

Eu imagino que alguns desses homens tenham eles próprios sofrido com abusos — as vezes até sexual. Mas é bem provável que eles tenham sofrido esses abusos nas mãos de outros homens. E muitos deles, é claro, não foram sexualmente violentados — estrangulados enquanto penetrados, sufocados com um pênis, chamados de "vadios" e "putos" enquanto eram penetrados pelo anus e garganta ao mesmo tempo. Existe uma razão pela qual os homens estão fazendo isso contra as mulheres, e não é porque as mulheres mereçam, ou porque mulheres fizeram o mesmo com eles, e agora eles buscam reparação.

Muitos sentem que é difícil explicar ou atentar para a misoginia, mas quando você pensa nesse tipo de crime e tenta achar justificativas para eles, a questão pára de parecer tão difícil.

Tem algo muito preocupante no fato de não nos alertarmos sobre esse comportamento, e sobre quantos homens participam disso, de várias formas. Ou teremos que admitir que há algo inato nos homens que os leva a gostar de tortura, e nesse caso, o que faremos com os homens? Ou nós podemos admitir que esses comportamentos são majoritariamente aprendidos, e nesse caso, pode ser combatido. Não é possível que hajam tantos psicopatas natos nesse mundo. (E se houver, por que eles são quase sempre homens e quase nunca mulheres?) Considerando que os homens não psicopatas que nós amamos e convivemos — os que são "bons", e que não se masturbam para mulheres que eles enforcaram até desmaiar na rua — também gostam do tesão de lembrar a si mesmo a sua parceira que ele poderia matá-la se ele quisesse, mas escolhe por não, e que o poder que ele sente em gentilmente dar uma enforcadinha em sua namorada é um fetiche inofensível, nós devemos admitir que esse problema de violência sexualizada e dominação não é só um problema de psicopatas e pervertidos.

De acordo com a pornografia e com a "vida real", homens querem nos enforcar, ejacular em nossos olhos, nos penetrar até que não possamos respirar, chorar ou vomitar — talvez nos matar também — e talvez rir enquanto o fazem (Ah, não consegue respirar? Mas olha como meu pau está duro!), mas não conseguem fazer ideia do que diabos as feministas estão falando. É como se eles não acreditassem que as mulheres são capazes de saber o que eleas estão assistindo, o que elas fazem, e o que eles pedem para elas fazerem na cama. Mas é claro que a gente sabe. Nós todos sabemos. É só que a maioria de nós não quer falar sobre isso. É demais, e ficar pior ainda se investigarmos. Nós jogamos esse homem fora, então? Difama de mau e incorrigível? Conversamos com ele, e tentamos explicar os malefícios dos habitos pornográficos? Não posso dizer que eu tenho a resposta. Mas no mínimo, a gente precisa começar a falar sobre esse assunto, e dizer que isso não pode ser normal, não é ok, e certamente não é inofensivo.

Nós podemos continuar a dar desculpas, virar a cara, ou dar de ombros, "Páre de policiar minha sexualidade, sua puritana!" toda vez que uma feminista sugerir que talvez, apenas talvez, transformar a violência em algo sexual pode levar os homens a se excitarem com violência, ou podemos começar a ser honestos. Considerando as consequências, parece valer a pena.

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