Por que a esquerda não aceita que a base da prostituição é um racismo brutal?

Tradução do texto de Julie Bindel para o The Independent

Mariana Amaral
QG Feminista
4 min readSep 3, 2017

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Um entrevistado admitiu abertamente que seu uso de mulheres chinesas na prostituição é para satisfazer uma fantasia que ele tinha sobre elas. “Você pode fazer muito mais coisas com mulheres orientais…”

Post original

compradores de sexo que entrevistei me contaram que eles geralmente escolhem mulheres específicas com base em estereótipos racistas

Não é segredo que o mercado do sexo é dominado pela misoginia. A esquerda liberal e outros setores chamados “progressistas”, geralmente esquecem de seus princípios para apoiar uma indústria global e multibilionária, criada a partir do sofrimento e opressão de mulheres e meninas. Essa posição não surpreende, uma vez que se leve em consideração o sexismo da esquerda, mas esses mesmo apologistas da legalização se mantém silenciosos sobre o fato incontestável de que mulheres e meninas negras, mestiças e indígenas ao redor do mundo estão na linha de frente para serem vendidas e compradas na prostituição.

Durante a extensa pesquisa que realizei para meu livro sobre o mercado do sexo, eu encontrei e entrevistei mulheres e homens que resistem à normalização do racismo dentro da prostituição.

Eu conheci Ne’cole Daniels, uma sobrevivente afro-americana do mercado do sexo, e membra da organização abolicionista SPACE International, em 2015 em uma conferência nos EUA. Daniels é clara sobre o racismo em que se baseiam os sistemas de prostituição nos Estados Unidos. “O mercado do sexo é como o próprio racismo. Ele diz que algumas de nós valem menos que outras”

Pala Molisa, um acadêmico do Pacífico, que faz campanha contra a violência masculina na Nova Zelândia, é constantemente acusada de ser “putofóbico” por ter escrito sobre a prostituição como uma forma de opressão. Molisa já foi ameaçado de perder seu emprego, alvo de bullying online e campanhas de difamação, e pelos propagandistas do mercado sexual, foi chamado de “estranho sexualmente reprimido”.

Molisa diz que aprendeu com sua mãe e outras “irmãs indígenas” sobre a supremacia branca e o alicerce colonial da prostituição. “Nós não queremos apenas responsabilizar os homens por reduzirem mulheres a um status de mobília sexual — nós queremos que a instituição da prostituição — que é a base da cultura do estupro patriarcal e colonial — destruída” diz Molisa. “O modelo dominante de masculinidade dentro da cultura de supremacia masculina também é moldado por raça e classe, pelo capitalismo e pela supremacia branca”

Bridget Perrier é uma ativista indígena do Canadá e sobrevivente do mercado do sexo. Em 2015, Perrier apareceu na televisão do Reino Unido para debater com uma associada (branca) do Coletivo Inglês de Prostitutas (ECP). Perrier, que criou dois filhos de uma vítima do serial killer Robert Pickton, ouviu da membra do ECP que ela tinha “sangue nas mãos” por conta de suas campanhas para criminalizar cafetões e clientes. “Merda colonialista” disse Perrier. “Estou farta de ouvir que a prostituição é boa para mim e para minhas irmãs indígenas quando isso obviamente não faz bem a elas”

Courtney, também indígena e sobrevivente da prostituição no Canadá, me contou: “O mercado do sexo é construído no racismo e colonialismo assim como a misoginia. Para mulheres indígenas e afro-americanas, e todas as mulheres e garotas de cor, a prostituição é mais uma forma que o homem branco tem de pegar o que quiser de nossas comunidades, nossa cultura e nossa alma”.

Um bom número de compradores de sexo que entrevistei me contou que eles geralmente escolhem mulheres específicas com base em estereótipos racistas e colonialistas. A própria etnicidade é erotizada na prostituição. Um homem disse: “Eu tinha uma lista mental em termos de raças; eu já tentei todas as raças nos últimos cinco anos, mas no fim das contas elas são todas iguais.” Outro entrevistado adimitiu abertamente que seu uso de mulheres chinesas prostitutas é para satisfazer uma fantasia própria sobre elas. “Você pode fazer bem mais coisas com garotas orientais, como sexo oral sem camisinha, você pode gozar na boca delas… Eu as vejo como sujas.”

Propagandas de serviços sexuais também se baseiam em esterótipos racistas e colonialistas. Em uma reunião com Sociedade de Mulheres Asiáticas pela Igualdade em Montreal, fui apresentada a uma pesquisa envolvendo a análise de 1.500 propagandas de prostituição online. Noventa por cento do conteúdo foi identificado como usando de estereótipos racistas como tática de venda, como por exemplo, mulheres asiáticas sendo descritas como “submissas”, “exóticas”, “imigrantes recentes”, “saídas do barco”, e “jovens experientes”. “É isso que homens estão procurando em mulheres asiáticas”, um dos coletivos afirmou.

No principal distrito da “luz vermelha” em Amsterdam, em que a maioria das mulheres prostituídas expostas como carne de açougue nas vitrines dos bordéis são da Romênia e do oeste da África, existem tão poucas mulheres holandesas que vendem sexo, que cafetões colocam selos de “NL” (Netherlands) e bandeiras holandesas nas vitrines para fins publicitários. Mulheres brancas holandesas se tornaram uma raridade.

O tráfico de escravos está vivo e passa bem, mas foi repaginado dentro do capitalismo neoliberal. Durante o ato da prostituição, os corpos de mulheres e garotas são colonizados pelo homem que as usa. Como a esquerda pode ignorar isso, enquanto afirma estar lutando por uma sociedade igualitária livre de opressões, é algo além do que posso compreender. Muito da esquerda masculina não se importa o suficiente com a opressão feminina dentro da prostituição, mas eles poderiam ao menos reconhecer quando se afirma que o sistema da prostituição é em parte construído por um racismo brutal?

O livro de Julie Bindel, ‘A Cafetinagem da Prostituição: Abolindo o mito do trabalho sexual” será publicado pela Palgrave Macmillan em 27 de Setembro. Detalhes sobre o lançamento do livro e o debate acerca do tema podem ser acessados aqui.

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