Prostituição é Violência Contra Mulheres

Anna Beatriz Saraiva
QG Feminista
Published in
10 min readFeb 19, 2018

Em circunstancia do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, o Prefeito da região de Alsácia-Champanhe-Ardenas-Loren, chefe da autoridade regional de saúde, em cooperação com as organizações chamadas Centro de Informação sobre Diretos das Mulheres e da Família (CIDFF), Movimento do ninho França e Penélope, convidaram um simpósio transnacional ligado ao tema “Prostituição e Saúde: Desafios e Mudança de Perspectiva na Europa”.

Eu gostaria de agradecer aos organizadores desse simpósio Alemão-Francês. Esse primeiro evento após a introdução da legislação pela abolição do sistema de prostituição na França, localizada próxima a Alemanha tem um significado simbólico para nós. Eu acredito que é de fato necessário despertar a Alemanha, que fornece diretrizes no que diz respeito às pautas europeias, pode — nesse caso — precisar de uma tutoria da França e da Suécia.

Em ocasião do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, eu gostaria de relatar sobre as dramáticas consequências da prostituição depois da legalização na Alemanha, e eu irei provar que a prostituição é violência contra mulheres. Depois, eu gostaria de falar sobre os impactos psicológicos.

A razão pela qual eu quero focar na violência é porque a discussão política na Alemanha nunca reconheceu o aspecto violento. Prostituição é vista como uma ação pessoal que não é da conta do estado.

1. Violência na prostituição

Na Alemanha existe um grande Estudo Federal datado em 2004 sobre subordinação a violência. Dentre um total de 10.000 mulheres entrevistadas, tinham 110 prostitutas, que proporcionaram as seguintes afirmações: 82% nomearam formas de violência psicológica, 92% sofreram assédio sexual, 87% sofreram violência física, 59% sofreram violência sexual.

Existe um segundo estudo na Alemanha, datado em 2001, por Zumbeck com 54 prostitutas. Este estudo descobriu que todas as mulheres sofreram traumas. 70% foram fisicamente atacadas e 68% foram estupradas.

A decisão “voluntaria” de escolha a prostituição requer certas condições prévias. Todas as mulheres em situação de prostituição que visitaram minha clinica tinham uma história de proteção insuficiente na infância e — como consequência — auto proteção insuficiente. Em uma idade muito jovem, essas mulheres aprenderam a “se desligarem”. Também aqui, existem vários estudos que provam a relação entre ter sofrido violência na infância e a prostituição. O estudo de Zumbeck na Alemanha mostrou que 65% das mulheres foram fisicamente abusadas e 50% foram sexualmente abusadas na infância.

A violência na prostituição tem muitas faces:

Isto começa com as roupas leves ou estando completamente nuas no frio.

Nas ruas de prostituição só existem más condições de higiene e nenhuma instalação de limpeza, nenhuma proteção, nenhuma segurança, escuridão, frio, exposição aos olhares dos compradores de sexo e dos que passam por ali e julgam, depreciam, insultam, xingam, etc.

Nos bordeis as mulheres são “trancadas”. O direito de informação delas é detido pelo dono do bordel, o que significa que o dono decide quem pode entrar e quem não pode. Se alguém está tentando conseguir contato com uma dessas mulheres, este precisa “se dar bem” com os donos. O contato com o mundo externo é estritamente regulado. Nem todo mundo é permitido a falar com essas mulheres. Elas não são livres.

Nos bordeis as mulheres não experienciam nenhuma autodeterminação. Elas não tem o direito de falar ou fazer nenhuma reivindicação. Como Manfred Paulus descreveu “desde o início elas são prisioneiras, sobretudo, dessas subculturas criminais no distrito da Luz Vermelha. Nesse meio social elas são aprisionadas a uma lugar hierárquico muito baixo. Elas são privadas de todos os seus direitos, estão indefesas, impotentes e expostas”.

Existe um relacionamento totalmente assimétrico entre mulheres e homens: “Hoje, a prostituição se apresenta assim: Cerca de 90% das mulheres em situação de prostituição vieram dos países mais pobres da Europa para o leste. Cerca de 30% são menores de 21. Elas não praticam sexo seguro, elas não podem traçar seus limites ou negociar. Elas estão em uma situação muito inferior. Elas não tem poder de fazerem cumprir suas reivindicações. Por 30 euros elas farão tudo que o cliente quer. Elas são extremamente sobrecarregadas, totalmente traumatizadas.”

Além disso, um enorme problema é o fato de que essas mulheres são, na maioria das vezes, sacrificadas pelas suas próprias famílias. A renda dessa ocupação é enviada para a família em seus países de origem. Portanto, sair da prostituição envolve conflitos internos profundos. Não é como se libertar das correntes de um cafetão, mas sim ser forçada a se separar de própria família. Essa “nova” prostituição na verdade é pior que a prostituição forçada, porque o traficante humano não é um predador estranho, mas sim a própria família.

Além disso, o aluguel elevado (até 180 – toda mulher tem que pagar) pode ser chamado de violência, porque isso significa que mulheres precisam servir 6 clientes, antes mesmo que elas possam começar a ganhar um misero Euro.

As taxa fixas de bordeis são contra dignidade humana. É humilhante saber que você é vendida por 50 euros em um pacote completo junto com linguiça e cerveja.

Desde a legalização, os compradores de sexo têm se tornado mais pervertidos e as práticas, portanto, mais perigosas. Claro que, como resultado, a violências contra mulheres prostituidas aumentou. Em muitos fórum de compradores de sexo homens se orgulham, de o quão “forte” eles “empurraram” a prostituta, e a avaliaram. Obvio que eles veem isso como seu direito masculino de avaliar mulheres e as usá-las de todas as formas. Existe um “menu” circulando na internet onde os compradores de sexo podem escolher o que eles querem de uma grande lista à la carte. Em outros países isso gera repulsa e é visto como tortura. Na Alemanha, isso é visto com normalidade. Aqui estão alguns exemplos:

AF = Algierfranzösisch (Zungenanal) — Língua Anal

AFF = Analer Faustfick (die ganze Hand im Hintereingang) — Penetração com punho anal

AO = alles ohne Gummi — Tudo sem camisinha

Braun-weiß = Spiele mit Scheiße und Sperma — brincar com fezes e esperma

DP = Doppelpack (Sex mit zwei Frauen) oder: double Penetration (zwei Männer in einer Frau) — Sexo com 2 mulheres ou penetração dupla (2 homens emu ma mulher)

EL = Eierlecken — Lamber as bolas

FF = Faustfick– Penetração com o punho

FP = Französisch pur (Blasen ohne Gummi und ohne Aufnahme) — Boquete sem camisinha

GB = Gesichtsbesamung Ejaculação no rosto

GS = Gruppensex — Sexo em grupo

Kvp = Kaviar Passiv (Frau lässt sich anscheißen) — Homem defecar na Mulher

Nsp = Natursekt Passiv (Frau lässt sich anpinkeln) — Homen uninar na mulher

OV = Oralverkehr (Blasen, Lecken); — Sexo oral (boquete ou labinda)

SW = Sandwich, eine Frau zwischen zwei Männern — Uma mulher entre dois homens

tbl, = tabulos, ALLES ist erlaubt — sem tabu, tudo é permitido.

ZA = Zungenanal (am / im Hintereingang lecken) — lamber o anus.

É evidente que devido a essas práticas arriscadas de sexo as taxas de infecções aumentaram. Há um estudo cientifico da Dr. Anna Wolff de 2008, que dá um panorama do estado de saúde tendo foco nas doenças sexualmente transmissíveis. 110 prostitutas foram examinadas em Luberck, Alemanha. 26% tinham doenças sexualmente transmissíveis que precisavam de tratamento, 42% das mulheres estavam afetadas por uma infecção aguda ou uma infecção que já tinha se alastrado.

As condições de trabalho são calamitosas: as mulheres são completamente dependentes da empresa. Trabalham muito, dormem e comem nos bordeis. Elas vivem em um universo paralelo sem nenhum direito e sem acesso ao mundo externo. Enquanto isso, na Alemanha o “produto” chamado mulher é maximamente explorado de acordo com a lei do mais intenso capitalismo: aumento maximo dos lucros e baixo custo, etc.

A hora do trabalho é um risco a saúde: prostitutas precisam sempre estar “prontas” para seus clientes, assim sendo, elas dormem no máximo 5 horas por noite.

Muitas mulheres vivem como nômades na Alemanha. Elas não possuem residência permanente e são frequentemente mandadas de um bordel para outro para proporcionar diversão aos compradores de sexo. Muito frequentemente elas nem mesmo sabem onde estão.

A ONU buscou conselhos a respeito da prostituição e a pergunta foi: “E os direitos reprodutivos das mulheres prostituidas?” Minha resposta a isso é que, nesse contexto, é totalmente absurdo falar sobre direitos reprodutivos. Atualmente, mulheres gravidas são muito populares entre os compradores de sexo. Isso significa que eles querem sentir a criança no útero da mulher. Sendo assim, os abortos tardios no exterior acontecem com bastante frequência. Existem também muitas mulheres dando seus filhos para adoção. Para servir a este mercado, pouco tempo depois de darem a luz, mulheres são regularmente engravidadas de novo. Dizem que, enquanto isso, em Berlin, há mais bebês que casais querendo adotar. O estresse e a situação emocional para uma mulher gravida praticando sexo sem parar é prejudicial, não só para a mãe mas para a criança em desenvolvimento no útero.

A violência não existe só no ato da prostituição. As mulheres não experienciam nenhuma proteção fora dela também. Elas sofrem violência física de seus cafetões, donos de bordeis, traficantes, e até mesmo são assassinadas. Elas experienciam violência psicológica através de olhares enojados e exclusão da sociedade. Elas não são levadas a sério, elas são discriminadas, elas sempre serão uma “ex-puta”.

A violência também ocorre na chamada “prostituição de luxo”. A sobrevivente de prostituição alemã Marie a descreve assim: “O “respeito” que um homem me mostrava não era respeito por mim, era respeito pelo dinheiro que eles tinham investido. Trabalhar com prostituição, suportar o cheiro de um homem estranho, sentir a pele deles no meu próprio corpo… Uma mulher tem que superar todos os seus limites. Eu não vivi o pior tipo de prostituição, mas mesmo depois de eu ter deixado a prostituição, essa vida me apanhou e me atingiu como uma onda.”

Sexualidade exige uma interação da mente e do corpo. Permitir estranhos que penetrem seu próprio corpo requer que sejam desligadas funções naturais, ou, caso contrário, seriam inevitável: medo, estranheza, nojo, desprezo, o cheiro, a dor, etc. Esse desligamento é um fenômeno chamado dissociação. Álcool e drogas são um adicional para ajudar a suportar a dor emocional. Usar a vagina como uma ferramenta de trabalho entorpecida só é possível em um estado patológico de dissociação.

2. Os danos psicológicos causados pela prostituição

Na Alemanha, não existem exames de saúde ou proteção à saúde para mulheres em situação de prostituição. Portanto, dificilmente alguma recolha de dados pode ser encontrada sobre os impactos que a prostituição tem em mulheres. Desta forma, mulheres estão nas garras de um meio extremamente violento e prejudicial.

O estudo de Zumbeck datado em 2001 descobriu que 60% das mulheres na prostituição desenvolveram completamente Estresse Pós-traumático. O estudo de Schröttle & Müller datado em 2004 mostra o auto consumo de medicamentos: 67% das mulheres em prostituição tomam analgésicos, 38% tomam sedativos.

Contudo, eu gostaria de apontar que na maioria dos casos não é fácil descrever ou traçar os danos psicológicos em mulheres que ainda estão se prostituindo. Recentemente, eu tratei uma mulher cujo um cliente introduziu unhas em sua vagina. O comentário dela foi: “Não machuca. Está tudo bem, Senhora Kraus.” Muito frequentemente, os centros de aconselhamento e a polícia não entendem o que dissociação significa e que formas isso pode aparecer. Frequentemente, a dor emocional só se torna acessível para a mulher uma vez que ela consegue sair da prostituição.

Muito recorrentemente eu sou enfaticamente questionada por repórteres se prostituição realmente faz tão mal a mulheres. Eles querem ouvir diagnósticos. De fato, muitas mulheres apresentam o quadro estresse pós-traumático, mas não só isso; vícios, ansiedade e depressão são também muito comuns.

Mas qual diagnostico pode ser dado a uma mulher que está tão traumatizada que parou de falar? Qual diagnostico pode ser dado a uma mulher que não sente nenhuma dor, quando unhas são inseridas em sua vagina? Aqui, nós estamos lidando com múltiplas formas de estresse pós-traumático.

Uma colega minha que trabalhou em um programa de mulheres saindo a prostituição me disse que apenas algumas são capazes de sair. As mulheres geralmente trabalham até elas “quebrarem” fisicamente. Ela disse que é apenas uma questão de tempo até que esse desmoronamento ocorra.

Por que isso é assim? Eu me perguntava. Porque a força de vontade dessas mulheres foi destruída. Essas mulheres não veem um futuro para elas mesmas, elas não tem sonhos, não têm identidade fora da prostituição. Elas são reduzidas a esse construto chamado “prostituta” e elas não são capazes de achar uma saída. Elas estão aprisionadas em seus traumas e em sua humilhação.

As mulheres jovens vindo à Alemanha estão totalmente esgotadas e completamente traumatizadas. Muitas delas demandam por psicotrópicos e outras drogas imediatamente depois de sua primeira experiência. Elas dizem não conseguir sobreviver a este negócio de outra forma. Algumas mulheres estiveram neste lugar apenas por algumas semanas e afirmam: “Eu morri ali. Eu não consigo mais sorrir”. Outras que suportaram isso por anos dizem: “Eu tinha filhos em casa, eu tinha que aguentar”. As mulheres são muito traumatizadas, elas desenvolvem depressão, pesadelos, e problemas físicos. Elas somatizam, elas sentem socos no estomago. Elas ficam doentes, e se sentem doentes. Elas se tornam mulheres sem esperanças.

Jana Koch-Krawcak que entrou em bordeis como uma trabalhadora de rua relata o mesmo: Ela conheceu mulheres negligenciadas que perderam qualquer contato com si mesmas. Elas regiam de um jeito assustado ou apático. É obvio que elas precisam de tudo, menos de sexo. Mas ao redor delas você só vê compradores de sexo, e aqueles homens não dão a mínima pra isto. Eles riem e se divertem.

Como pode ser? Eu me fiz o mesmo questionamento que Caroline Emcke fez em seu livro “Gegen den Hass” (“Contra o Ódio”). Sim, como é possível ignorar, não ver, a miséria e enxergar apenas as próprias necessidades? Como isso funciona?

Isso funciona porque homens acreditam que eles tem o direito de ter sexo e que eles tem o direito de usar mulheres. A mulher está presa em uma imagem socialmente construída, a figura da “besta sexual insaciável”. Outras necessidades que essas mulheres venham a ter são negadas. Elas são desumanizadas, elas são apenas uma “coisa”, um objeto. Isto permite ao comprador de sexo de tudo, sem nenhuma escrúpulo, a sua empatia é bloqueada e substituída pela indiferença.

Usando o mecanismo de repressão e ilusão, a sociedade e a política estão evitando tomar essa responsabilidade. A violência é negada, a realidade é ocultada. E pra o que é tudo isso?

Tudo isso para defender um forte tabu sagrado, chamado sexualidade masculina, e seu incontestável direito de exploração e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a indústria do sexo, com seus lucros exorbitantes, está sendo defendida também. Com a legislação de 2002 e com a legalização em 2016, a Alemanha continua sendo um Eldorado para donos de bordeis, cafetões e tráfico humano.

“A normalização da prostituição também vem causando efeitos devastadores na sociedade como um todo. Isso sustenta e consolida a discriminação, a hierarquia de gênero de homens em relação às mulheres, na Alemanha Prostituição é violência contra mulheres! Isso reforça e promove relações patriarcais de gênero, isso é um símbolo da dominação dos homens sobre as mulheres, assim como promove a degradação coletiva de mulheres.”

Texto original aqui

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