Graúna: uma exclamação contra a ditadura

A pequena nordestina que se tornou a mais popular das criações do cartunista Henfil.

Quadrinhas
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4 min readJul 19, 2020

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Quando o cartunista mineiro Henfil (1944–1984) estreou a tira da Turma da Caatinga no Jornal do Brasil, em 1972, ele já era bastante conhecido por personagens como Os Fradins (que o lançaram nacionalmente em O Pasquim), Ubaldo, Orelhão, tiras sobre futebol e, claro, por sua resistência ao regime militar. Mas, a grande atração da tira, embora seu autor ainda não soubesse, era a primeira personagem feminina de Henfil e que se tornaria sua criação mais popular: a Graúna.

A GRAÚNA

O contexto era díficil. Década de 1970, em plena ditadura militar no Brasil, o cartunista resolve lançar uma história ambientada na caatinga, no Nordeste, região pouco lembrada pelos militares, e colocar uma personagem mulher no meio de dois homens que se dividem entre a ação e a reflexão.

Para a tira, Henfil contava que os filmes de Glauber Rocha haviam sido sua inspiração, principalmente Deus e o Diabo na Terra do Sol (1969). Em uma das cartas do cartunista à mãe, publicada em sua coluna na IstoÉ, ele atribuiu a Glauber o fato de ter acordado “para a caatinga, para a revelação de que a terra é do homem, não é de Deus nem do diabo”.

Os personagens compunham A Turma da Caatinga eram três o capitão Zeferino, líder do grupo, o Bode Orleana, um bode intelectual que comia livros para adquirir conhecimento e nunca se posicionava contra o governo por medo, e a Graúna, símbolo da mulher nordestina, propositalmente desenhada na forma de um ponto de exclamação.

PRIMEIRA TIRA DA TURMA DA CAATINGA

A Graúna era analfabeta, mas ao mesmo tempo sabida como poucos. Funcionava como a voz consciente do grupo na hora de criticar os problemas do Brasil citados na tira: desigualdade social, luta armada, feminismo, educação, coronelismo, desmatamento e milagre econômico. Eram dela as conclusões das tiras feitas para dar nó na cabeça do leitor.

A caatinga era oposição ao “sulmaravilha”, expressão criada por Henfil para se referir ao sul e sudeste do país, e ali ambulância era superstição e ver água era acreditar em espíritos.

Tira da Turma da Caatinga, Henfil
Tira da Turma da Caatinga, Henfil

Entre os três personagens, o autor reconheceu a força da Graúna. Em depoimento a Tárik de Souza no livro Como se Faz Humor Político, ele conta que quando criou o Zeferino:

“… o Zeferino era o herói. O segundo lugar era do Bode Orleana e a Graúna era uma coisa que contracenava. Hoje a Graúna é a principal personagem, o Bode é o segundo e o Zeferino virou o que a Graúna ia ser. Eu controlo o Zeferino, o Zeferino eu sei o que ele vai fazer, eu determino o que ele vai fazer. O Bode eu tenho metade do controle. A Graúna eu não tenho controle dela. E se eu ousar dar outros rumos para a Graúna, ela não consegue trabalhar, ela não existe mais. Então a criação ganha autonomia”.

Henfil parou de publicar a tira no Jornal do Brasil em meados de 1970. Estava em Nova York para tratar da hemofilia quando percebeu, pela numeração da tira, que estava sendo censurado pela ditadura. Não tinha sido avisado. Conhecido pelo temperamento forte, parou de enviar as histórias da caatinga.

Perto de retornar ao Brasil, voltou a falar com os jornais para viabilizar a retomada das tiras. “A vontade de desenhar a Graúna me coça todo”, escreveu ele no livro Diário de um Cucaracha. Não haveria mais espaço no Jornal do Brasil e a tira da caatinga seria republicada anos depois no Globo e Estado de São Paulo.

Graúna em tira sobre pedindo abertura política durante o final dos anos 1970

PARA LER

A Volta da Graúna, Henfil (Geração Editorial)

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hqs e ilustrações feitas por mulheres e sobre elas (: