A meta temporada de Bojack Horseman
A nova temporada de Bojack Horseman abre com uma festa na casa do protagonista. Quando ele sai de cena, nós ouvimos um tiro e o vemos encurralado por uma mulher com uma arma.
Quando ele está prestes a ser morto… ouvimos um “Corta!”.
Aquele não é Bojack, mas Philbert, novo trabalho do personagem. E, o que acabamos de ver, é o primeiro passo na construção da meta temporada de Bojack Horseman.
Bojack Horseman sempre foi uma série afeita a usar elementos narrativos para discutir os seus temas principais.
Na quarta temporada, por exemplo, a ideia era falar sobre o valor e importância de histórias nas nossas vidas, o que gerou excelentes episódios únicos, como o episódio 9 (“Ruthie”) ou 11 (“Viagem no Tempo”).
Dessa vez, a série usa seu próprio formato narrativo (de um seriado) para criar uma meta temporada onde discute quanto tempo leva para perdoar alguém.
Ou, mais precisamente, qual a natureza do perdão.
Muito confuso? Vamos começar do começo.
Como uma temporada vira uma meta temporada
Normalmente, uma temporada de uma série costuma ter um arco central, que cria o significado temático dos episódios.
Mas o que acontece quando os personagens da série estão criando uma série própria dentro desses episódios? Então temos uma meta temporada.
No nosso caso, a temporada de Philbert é sobre a temporada de Bojack Horseman.
Os sinais que nos ajudam a identificar isso são muitos. Por exemplo:
A casa de Philbert é igual a de Bojack.
A participação de Diane colocando o “segredo de Bojack” como o “segredo de Philbert”.
A semelhança entre o criador de Bojack com o criador de Philbert.
E, claro, o episódio 11 inteiro, quando as linhas que separavam Bojack e Philbert começam a sumir.
Essa conexão entre Bojack Horseman e Philbert é o que conecta todo o tema principal da quinta temporada da série e faz esses episódios funcionarem tão bem em conjunto.
Mas, antes, vamos esclarecer do que estamos falando.
Quais os temas da quinta temporada de Bojack Horseman?
Em entrevista ao New York Times, Raphael Bob-Waksberg (criador de Bojack), falou um pouco sobre a temporada da série:
“Uma das coisas que nós respondemos nessa temporada, ou pelo menos eu respondi pessoalmente, foi o fato da minha agência ter assinado com o Mel Gibson como cliente, o que eu achei repugnante. Eu reclamei disso e queria explorar esse fato [na série]. Qual é a quantidade de tempo apropriada antes de nós, como comunidade, decidamos perdoar alguém? Quais as tarefas que eles precisam fazer — o que é uma maneira bem cínica de ver as coisas — para que nós os perdoemos? Eu me vi, nesse caso em particular, realmente indisposto a perdoar. Mas, apesar disso, eu sou alguém que acredita no poder do perdão de forma geral”.
Nessa temporada, a série questiona em diversos momentos a natureza do perdão. Em níveis pessoais…
… como comunidade…
… se há perdão quando um pedido de desculpas nunca é feito…
… e inclusive se é possível ajudar alguém ou fazer algo positivo pela pessoa, mesmo sem tê-la perdoado.
Tá, mas como tudo isso se junta?
A série usa a temporada de Philbert como uma projeção do arco principal da sua própria temporada.
Conforme Philbert investiga seu passado e descobre seus segredos, também Bojack mergulha na sua vida para reexaminar seus erros.
Não é a toa que Diane entre na série apenas para escrever a cena do submarino, por exemplo. Também não é coincidência que, a partir daí, a crise de Bojack com remédios e bebidas aumente progressivamente em cada episódio.
O submarino é o erro de Philbert e simboliza os muitos erros de Bojack (especialmente o abuso cometido contra Penny, filha de Charlotte).
Gina e Sassy cumprem a mesma função de “nova oportunidade”: uma com Philbert, outra com Bojack.
E, claro, a revelação de que a culpa da morte da esposa de Philbert é dele mesmo significa que a culpa dos erros de Bojack é dele também.
Isso explica porque Bojack pede para Diane expor seus erros na Internet. Porque ele reconhece que são seus erros e espera que alguém o puna por eles.
E então nós voltamos para a conclusão da história e do tema, que já vimos anteriormente.
Outros pontos interessantes a comentar
Existem mais três pontos bem legais que eu queria levantar sobre essa quinta temporada de Bojack Horseman.
O primeiro é a ressonância óbvia do movimento #MeToo na trama dos episódios. Eu vou deixar dois textos excelentes aqui (um do DeliriumNerd e outro do Mary Sue) para vocês lerem sobre esse aspecto com mais profundidade.
O único elemento que vou levantar sobre o assunto é um detalhe no episódio 11. Nele, as linhas que separam Bojack e Philbert na cabeça dele começam a sumir.
Quando Bojack vai até o escritório de Todd, ele vê a “máquina-sexual-que-virou-CEO-da-empresa” ali. Num acidente, a máquina ganha o rosto de Fritz, o “vilão” de Philbert.
Como descobrimos depois que Fritz não retornou e era só um truque da cabeça de Philbert para não lidar com o fato que ele era o assassino, podemos aplicar o mesmo para o caso de Bojack.
Assim, a metáfora visual comunica que o que assombra o personagem é justamente seu comportamento sexual predatório do passado.
O segundo ponto a ser levantado é o episódio do casal composto por uma terapeuta e uma mediadora de conflitos.
Elas não podem contar os casos dos seus clientes, então mudam alguns elementos na história para que eles se tornem “secretos”, mas nós podemos facilmente identificar quem eles são.
Esse episódio é como uma “piscadela” para a meta temporada da série. Mostra como é possível criar uma ficção dentro de uma ficção para comentar sobre seus próprios personagens.
Bojack Horseman é uma das séries mais criativas e originais em termos e linguagem em exibição atualmente. A quinta temporada mostra que o seriado ainda tem gás para buscar coisas novas e termina com um passo de crescimento dos seus principais personagens.
Tomara que a próxima temporada mantenha o nível.
