As cores de La La Land

Leandro de Barros
Quadro a Quadro
Published in
8 min readFeb 26, 2017

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Um rápido aviso antes de começar com o texto: vai ter spoilers de La La Land, então se você ainda não assistiu continue por conta e risco.

Quando assisti La La Land, uma coisa que não consegui tirar da cabeça foi a presença das cores na tela.

É comum que filmes utilizem cores na composição das suas imagens para dialogar com o espectador. Um personagem vestido de azul pode estar assumindo sua tristeza enquanto uma luz vermelha jogada em cima de alguém pode sinalizar que essa pessoa é perigosa.

O que me interessou nas cores de La La Land é que elas parecem ter significados próprios, construídos durante o filme. O azul, vermelho ou o amarelo não possuem os significados tradicionais dessas cores, mas simbolizam ideias e conceitos criados durante a projeção.

É quase como se La La Land tivesse um dicionário de cores próprio.

Depois de rever o filme, resolvi colocar no papel algumas das minhas impressões sobre como as cores de La La Land funcionam e como elas ajudam a enriquecer a história de Mia e Sebastian.

Another Day of Sun

Além de ser possivelmente a melhor música do filme e indiscutivelmente o melhor número musical, Another Day of Sun é também um dos momentos mais importantes para entendermos La La Land.

Tradicionalmente, a primeira cena de cada filme costuma apresentar os principais temas que serão tratados durante a projeção. Another Day of Sun faz isso muito bem.

Além de começar contextualizando que a história do filme será sobre Los Angeles e seus aspirantes a famosos, a cena de abertura já estabelece o uso das cores no projeto e sua importância.

Diferentes estilos de dança, arte, música e até mesmo um cara com boné de treinador Pokémon

Uma das linhas mais importantes da música fala sobre um “mundo Technicolor feito de música e máquinas”.

Technicolor é uma técnica/tecnologia muito antiga de coloração de películas cinematográficas que dominou Hollywood especialmente durante os anos 30 até 50 (época de ouro dos musicais hollywoodianos).

Uma das principais características do Technicolor é uma cor vibrante e bem saturada. Se você clicar aqui, por exemplo, vai ver um frame de O Fantasma da Ópera, de 1925, e aqui vê uma cena de Quo Vadis, de 1951 e ambas mostram bem o poder do Technicolor.

Então o primeiro número musical do filme, entre outras coisas, estabelece “de onde vieram” as cores chapadas e vibrantes que veremos no filme e conecta isso com o cinema, artes e expressão artística.

Existe uma segunda cena em La La Land que, para mim, é pivô em entendermos o uso das cores no filme. É essa cena aqui embaixo:

Nessa cena estamos no Lighthouse, o bar de jazz em que Sebastian leva Mia para conhecer um pouco sobre o estilo musical. Nesse momento, ambos já estão namorando e Mia está dançando enquanto Sebastian toca.

Perceba como Mia se destaca. Apesar dela usar cores menos vibrantes do que antes, ela ainda é praticamente a única “colorida” do lugar. As cores do ambiente do jazz são as mesmas usadas por Sebastian na maioria do filme: marrom, bege e no máximo um amarelo em destaque ou um azul apagado.

Para mim, o principal significado do design de produção dessa cena é fixar as cores como algo relacionado quase que exclusivamente à Mia. Em comparação, veja como a mesma cena “destaca” o Sebastian entre os músicos:

Sebastian é destacado com Luz e não com cores

Eu sei que demorei demais nessa “introdução”, mas sinto que precisávamos dessa contextualização para poder passar para a análise do uso das cores no filme.

Se cores estão conectadas com arte e com a Mia, o que elas significam? Existem três principais cores em La La Land: azul, vermelho e branco. As outras agem como cores complementares ou secundárias, implicando a mistura ou a complementação de cada um dos significados.

Vamos ver:

Azul

A primeira cor de La La Land a ser apresentada para o espectador é o azul. Nós podemos ver o azul dominar a tela quando Mia faz a sua primeira audição no longa.

Tão importante quanto: ela está de azul

Pouco depois, no seu apartamento (dominado por azul, branco e vermelho), Mia tem em seu quarto um papel de parede com Ingrid Bergman vestida de azul (e que também possui branco e vermelho).

Ela usa um vestido azul no número Someone in the Crowd e finalmente encontra Sebastian usando um terno azul tocando no restaurante.

Se eu fosse tentar descrever o uso do azul em La La Land em uma palavra, eu escolheria passado. Afinal, estamos falando de um musical que aposta na nostalgia como forma de homenagem para musicais do passado com personagens que desejam ser reconhecidos através de artes nostálgicas.

Falando em nostalgia, acredito que essa cena acima é um exemplo do uso do azul. Perceba a Mia de azul e uma luz azul por trás de Sebastian.

Nesse momento ela apresenta sua obra 100% autoral que é “muito nostálgica” e ele a apoia, dizendo que “Esse é o objetivo”. Podemos depreender através de todos os exemplos acima que o azul simboliza a arte do passado que move Mia (e, de certa forma, Sebastian também, apesar dele usar outros símbolos para isso) em sua expressão artística.

Azul é Ingrid Bergman, a expectativa de ser “encontrada na multidão de Los Angeles”, o velho charme da cidade… enfim, o passado da cidade, dos musicais, da tia de Mia que a levou para ver filmes antigos.

Mas você reparou que a cena acima tem um pouco de vermelho?

Vermelho

O vermelho de La La Land também é introduzido muito cedo no filme. A atriz famosa que visita a cafeteria que Mia trabalha está vestida de vermelho, por exemplo.

O exemplo mais importante do uso do vermelho, porém, é a cena em que Mia está voltando para casa a pé e passa pelo restaurante onde Sebastian está tocando.

Ao passar pela calçada, ela ouve a música que Sebastian, que chama sua atenção e ela entra para ver quem está tocando. Repare nesse momento, porém:

A moldura vermelha funciona como a moldura de uma obra de arte. Mas não tendo nada à vista, podemos concluir que a arte presente é a música de Sebastian.

Com esses dois exemplos, podemos notar dois elementos essenciais que compõem o vermelho: a atriz famosa e reconhecida e a arte que surge como um farol num momento ruim.

Assim, podemos deduzir que o vermelho fala sobre o futuro. O futuro que Mia quer ter, sua visão de futuro, um futuro para sua arte e sua carreira artística.

Um futuro onde Mia espera ver sua arte se tornar o que vai “inspirar um garoto de uma cidade pequena a continuar”, como diz a letra de Another Day of Sun.

Um ótimo exemplo que corrobora isso é a cena em que ela é chamada para uma segunda audição para a série que é “uma mistura de Juventude Transviada e The OC”.

Acreditando que essa é a sua chance de futuro, Mia vai para a audição de vermelho. Quando ela falha, sua reação é tirar a jaqueta vermelha com raiva, mostrando que ela está frustrada por não alcançar esse objetivo:

Agora quero voltar para aquela cena acima onde a Mia apresenta sua peça para Sebastian. Lembra que tem um pouquinho de vermelho por lá?

Essa junção de vermelho e azul é uma boa mistura de futuro e passado. Na verdade, o azul (passado) é o combustível da arte que vai levar ao vermelho (futuro).

Juntando as duas cores, criamos uma cor secundária: roxo, que simboliza a nostalgia como forma de expressão em La La Land.

Não é à toa que, por exemplo, a cena mais nostálgica e famosa do musical, com mais referências a outros filmes, é repleta de roxo.

Branco

Por fim, chegamos na cor “invisível” mais importante de La La Land. O branco quase não aparece no fim em primeiro plano, mas está sempre lá no background, especialmente para unir o vermelho e o azul.

Como no logo do Lighthouse.

Na roupa da Mia.

No quadro da Ingrid Bergman.

No apartamento da Mia.

O único momento em que o branco ganha destaque de verdade em cena é no epílogo, na imaginação de ambos do que seria uma história perfeita para ambos.

Nesse cenário perfeito, tanto Sebastian como Mia usam roupas brancas.

Detalhe no vestido roxo e no vermelho do primeiro print

Como diz Martin Scorsese, “Cinema é uma questão do que está na tela e o que não está na tela”.

Com a presença destacada de tantas cores (mesmo aquelas não mencionadas aqui, como o verde e o amarelo), é de se imaginar porque o branco não ganhou o mesmo destaque.

É verdade que Sebastian veste camisas brancas, mas nós já vimos que as cores estão mais ligadas com a Mia.

Então por que o branco não aparece em primeiro plano também como um vestido da Mia?

A resposta está no branco aparecendo apenas num cenário ideal, hipotético, perfeito por definição. Um cenário que não é real.

O branco simboliza, então, o aspecto fantástico da arte — mais especificamente da fantasia dos musicais hollywoodianos, que é o tema de La La Land, mas podemos levar esse significado para um aspecto mais amplo nessa discussão.

A arte não está presa pelas mesmas amarras que a realidade está. Se Mia e Sebastian não ficaram juntos na “vida real”, eles poderiam ter ficado no cenário imaginado.

No mundo da fantasia da tela branca do cinema, eles podem criar as aventuras e cores que quiserem. Ali eles podem literalmente dançar entre as estrelas.

PS: só para deixar uma última informação. Azul, branco e vermelho são as três cores principais do filme, todas conectadas à arte, Mia e sua carreira. Para onde ela vai para ficar famosa? Paris. Quais as cores da bandeira da França?

Pois é.

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