Como Edgar Wright te ensina a ver Baby Driver na primeira cena do filme
Seis minutos depois do filme ter começado, eu me vi no cinema completamente fisgado por Baby Driver.
O novo projeto de Edgar Wright (o gênio por trás da Trilogia Cornetto e Scott Pilgrim), cujo título nacional é Em Ritmo de Fuga, é altamente competente ao apresentar suas ideias logo na primeira cena.
Aproveitando que esse trecho do filme está disponível na Internet como parte do seu marketing, vamos analisar a cena para entender como um diretor talentoso pode nos ensinar a assistir seu filme em apenas seis minutos!
PS: esse texto não possui spoilers de Em Ritmo de Fuga, ok?
Para que serve a primeira cena de um filme?
Você já parou para pensar como a comunicação funciona?
Eu tenho uma ideia na minha cabeça e quero passá-la pra sua. Para isso, uso um conjunto de símbolos para me expressar, sabendo que eles vão criar na sua cabeça a mesma ideia que eu tenho agora.
Se eu disser, por exemplo, “elefante rosa” você vai acabar pensando em um elefante cor-de-rosa.
Não vai ser EXATAMENTE o mesmo elefante rosa (já que a imagem de elefante que eu tenho na minha cabeça é uma e na sua é outra), mas a gente vai se entendendo assim.
Um filme é a mesma coisa.
O autor quer passar uma ideia ou sensação para você e, para isso, ele constrói um conjunto de símbolos que vão despertar a mesma ideia/sensação na sua cabeça.
Na maior parte das vezes, os filmes poupam trabalho ao usar símbolos que a gente já conhece naturalmente:
Se um cara maltratar um gatinho numa cena, a gente sabe que ele é malvado.
Em outras ocasiões, um filme precisa criar todo um vocabulário cinematográfico próprio para conseguir se expressar. É o caso de La La Land, por exemplo.
É por isso que a primeira cena de uma história é tão importante. Ela é a primeira oportunidade que um autor tem de falar com o expectador e ele precisa aproveitá-la ao máximo.
É nessa cena que ele vai apresentar os temas da sua história, estabelecer o vocabulário que vai utilizar e já preparar os arcos dos personagens principais.
Ou pelo menos é isso que um bom autor fará. E Edgar Wright é um excelente contador de histórias, sem a menor dúvida.
A primeira cena de Baby Driver — como aprendemos a ver o filme
Um dos pilares temáticos que sustenta Em Ritmo de Fuga é a ideia de que a música é o combustível da vida. Se não da sua, pelo menos da do protagonista Baby, vivido por Ansel Elgort.
É através da música que ele consegue lidar com as dores do passado, os problemas do presente e imaginar um futuro melhor.
Como também é a música que adiciona grande parte do peso emocional de uma cena em um filme, o longa resolve pegar esse tema e expressá-lo através da sua trilha sonora.
Vamos conferir isso na prática. Veja abaixo qual o primeiro pedaço de informação que temos sobre Baby:
Os primeiros detalhes que Edgar Wright nos dá sobre o protagonista da história é que ele escolheu uma música e está ouvindo através dos seus fones de ouvido.
Como nós estamos ouvindo também, a conclusão lógica é que estamos de certa forma dentro da cabeça dele. Ou seja: a nossa relação com a trilha sonora é a mesma relação de Baby com as músicas.
Se a próxima canção for triste, por exemplo, será uma dica de que o personagem está triste.
O primeiro recurso do longa foi bem apresentado nesse momento: a trilha sonora possui uma relação pessoal e expressiva com Baby.
Continuando.
A seguir, os outros personagens saem do carro (repare como eles batem a porta na batida da música) e entram no banco.
Baby começa a cantar e expressar a música fisicamente no mundo ao seu redor.
Nesse ponto, Edgar Wright constrói a partir da ideia anterior utilizando uma técnica chamada mickeymousing.
(Aqui abro um parênteses para explicar esse conceito. Mickeymousing é uma técnica que consiste em combinar a ação na tela com a música que está tocando. Ela nasceu dos filmes do Mickey na Disney, onde o personagem caminhava na mesma batida da música)
Se a trilha sonora estava conectada diretamente com Baby, quando observamos ele expressá-la no mundo ao seu redor a ideia é clara: a música (que somente Baby ouve) é a sua ferramenta de lidar com o mundo.
A lógica é simples: somente Baby consegue ouvir as canções. A música não é “tocada” no universo dos personagens.
Portanto, nenhum dos outros personagens sabe que está atirando no ritmo da música ou batendo a porta do carro sincronizado com a bateria de uma canção.
Esse elo, entre música e o mundo físico, real, tangível, existe única e exclusivamente através de Baby.
No prosseguimento da cena, nós vemos como esse elo vai ao extremo e acompanha o ritmo da música. Quando a canção acelera, por exemplo, a fuga do roubo começa.
No final do clip, os personagens saem do Subaru vermelho e não batem a porta (como fizeram da primeira vez) porque a música não tem uma batida de bateria no momento. Já quando eles entram no outro carro, a bateria volta e eles fecham a porta no ritmo certo.
Com isso, Edgar Wright estabelece uma ferramenta que ajuda na construção e aprofundamento do Baby.
É através desse elo entre a música e o mundo físico que recebemos várias informações durante o filme sobre o Baby, o que aconteceu no seu passado, como ele se relaciona com as pessoas, o que cada relacionamento significa e o como seu arco se desenvolve.
Além disso, é através desse elo que Edgar Wright faz o casamento perfeito entre os dois gêneros do longa: Musical e a Ação.
Não posso falar mais sobre esse desenvolvimento todo para não dar spoilers sobre o filme, mas isso não é necessário no texto de hoje.
O que é interessante é notar como um bom contador de histórias pode conduzir sua audiência e explicar um conceito complexo em poucos minutos.
Em uma única cena, nos tornamos fluentes em “babydrivês” e estamos equipados para entender profundamente as próximas cenas do longa.
Se você ainda não assistiu Baby Driver, espero que esse texto ajude a convencê-lo a dar uma chance ao filme antes que ele saia de cartaz.
Se já viu, espero que esse texto tenha ajudado a aprofundar a sua visão do longa. E eu quero saber qual a sua opinião sobre Baby Driver! Pode usar o campo de respostas abaixo para isso! :)