Como Edgar Wright te ensina a ver Baby Driver na primeira cena do filme

Leandro de Barros
Quadro a Quadro
Published in
6 min readAug 17, 2017

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Seis minutos depois do filme ter começado, eu me vi no cinema completamente fisgado por Baby Driver.

O novo projeto de Edgar Wright (o gênio por trás da Trilogia Cornetto e Scott Pilgrim), cujo título nacional é Em Ritmo de Fuga, é altamente competente ao apresentar suas ideias logo na primeira cena.

Aproveitando que esse trecho do filme está disponível na Internet como parte do seu marketing, vamos analisar a cena para entender como um diretor talentoso pode nos ensinar a assistir seu filme em apenas seis minutos!

PS: esse texto não possui spoilers de Em Ritmo de Fuga, ok?

Assiste aí antes de continuar lendo! :)

Para que serve a primeira cena de um filme?

Você já parou para pensar como a comunicação funciona?

Eu tenho uma ideia na minha cabeça e quero passá-la pra sua. Para isso, uso um conjunto de símbolos para me expressar, sabendo que eles vão criar na sua cabeça a mesma ideia que eu tenho agora.

Se eu disser, por exemplo, “elefante rosa” você vai acabar pensando em um elefante cor-de-rosa.

Não vai ser EXATAMENTE o mesmo elefante rosa (já que a imagem de elefante que eu tenho na minha cabeça é uma e na sua é outra), mas a gente vai se entendendo assim.

Um filme é a mesma coisa.

O autor quer passar uma ideia ou sensação para você e, para isso, ele constrói um conjunto de símbolos que vão despertar a mesma ideia/sensação na sua cabeça.

Na maior parte das vezes, os filmes poupam trabalho ao usar símbolos que a gente já conhece naturalmente:

Se um cara maltratar um gatinho numa cena, a gente sabe que ele é malvado.

Em outras ocasiões, um filme precisa criar todo um vocabulário cinematográfico próprio para conseguir se expressar. É o caso de La La Land, por exemplo.

É por isso que a primeira cena de uma história é tão importante. Ela é a primeira oportunidade que um autor tem de falar com o expectador e ele precisa aproveitá-la ao máximo.

É nessa cena que ele vai apresentar os temas da sua história, estabelecer o vocabulário que vai utilizar e já preparar os arcos dos personagens principais.

Ou pelo menos é isso que um bom autor fará. E Edgar Wright é um excelente contador de histórias, sem a menor dúvida.

A primeira cena de Baby Driver — como aprendemos a ver o filme

Um dos pilares temáticos que sustenta Em Ritmo de Fuga é a ideia de que a música é o combustível da vida. Se não da sua, pelo menos da do protagonista Baby, vivido por Ansel Elgort.

É através da música que ele consegue lidar com as dores do passado, os problemas do presente e imaginar um futuro melhor.

Como também é a música que adiciona grande parte do peso emocional de uma cena em um filme, o longa resolve pegar esse tema e expressá-lo através da sua trilha sonora.

Vamos conferir isso na prática. Veja abaixo qual o primeiro pedaço de informação que temos sobre Baby:

Os primeiros detalhes que Edgar Wright nos dá sobre o protagonista da história é que ele escolheu uma música e está ouvindo através dos seus fones de ouvido.

Como nós estamos ouvindo também, a conclusão lógica é que estamos de certa forma dentro da cabeça dele. Ou seja: a nossa relação com a trilha sonora é a mesma relação de Baby com as músicas.

Se a próxima canção for triste, por exemplo, será uma dica de que o personagem está triste.

O primeiro recurso do longa foi bem apresentado nesse momento: a trilha sonora possui uma relação pessoal e expressiva com Baby.

Continuando.

A seguir, os outros personagens saem do carro (repare como eles batem a porta na batida da música) e entram no banco.

Baby começa a cantar e expressar a música fisicamente no mundo ao seu redor.

Nesse ponto, Edgar Wright constrói a partir da ideia anterior utilizando uma técnica chamada mickeymousing.

(Aqui abro um parênteses para explicar esse conceito. Mickeymousing é uma técnica que consiste em combinar a ação na tela com a música que está tocando. Ela nasceu dos filmes do Mickey na Disney, onde o personagem caminhava na mesma batida da música)

Se a trilha sonora estava conectada diretamente com Baby, quando observamos ele expressá-la no mundo ao seu redor a ideia é clara: a música (que somente Baby ouve) é a sua ferramenta de lidar com o mundo.

A lógica é simples: somente Baby consegue ouvir as canções. A música não é “tocada” no universo dos personagens.

Portanto, nenhum dos outros personagens sabe que está atirando no ritmo da música ou batendo a porta do carro sincronizado com a bateria de uma canção.

Esse elo, entre música e o mundo físico, real, tangível, existe única e exclusivamente através de Baby.

No prosseguimento da cena, nós vemos como esse elo vai ao extremo e acompanha o ritmo da música. Quando a canção acelera, por exemplo, a fuga do roubo começa.

No final do clip, os personagens saem do Subaru vermelho e não batem a porta (como fizeram da primeira vez) porque a música não tem uma batida de bateria no momento. Já quando eles entram no outro carro, a bateria volta e eles fecham a porta no ritmo certo.

Com isso, Edgar Wright estabelece uma ferramenta que ajuda na construção e aprofundamento do Baby.

É através desse elo entre a música e o mundo físico que recebemos várias informações durante o filme sobre o Baby, o que aconteceu no seu passado, como ele se relaciona com as pessoas, o que cada relacionamento significa e o como seu arco se desenvolve.

A fera

Além disso, é através desse elo que Edgar Wright faz o casamento perfeito entre os dois gêneros do longa: Musical e a Ação.

Não posso falar mais sobre esse desenvolvimento todo para não dar spoilers sobre o filme, mas isso não é necessário no texto de hoje.

O que é interessante é notar como um bom contador de histórias pode conduzir sua audiência e explicar um conceito complexo em poucos minutos.

Em uma única cena, nos tornamos fluentes em “babydrivês” e estamos equipados para entender profundamente as próximas cenas do longa.

Se você ainda não assistiu Baby Driver, espero que esse texto ajude a convencê-lo a dar uma chance ao filme antes que ele saia de cartaz.

Se já viu, espero que esse texto tenha ajudado a aprofundar a sua visão do longa. E eu quero saber qual a sua opinião sobre Baby Driver! Pode usar o campo de respostas abaixo para isso! :)

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